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domingo, 14 de maio de 2023

As revoluções do transativismo - Revista Oeste

Flávio Gordon

Por que a ideologia de gênero é relativista no sentido cis e essencialista no sentido trans? 


Foto: Shutterstock
 
Ao fim do meu último artigo, observei o estranho fenômeno do ativismo transativista, que, muito embora se apresente como continuador do movimento pelos direitos civis, tem realmente muito pouco a ver com a tradição norte-americana do common sense. Não obstante a retórica do universalismo possa enganar os mais incautos, o que ressalta na agenda trans são a radicalidade, a virulência, o seu niilismo. Eis a principal marca do movimento identitário em sua versão mais extremada.

Ocorre é que, quando se dirigem a públicos extra-acadêmicos, e genericamente progressistas, os transativistas mais radicais costumam atenuar seu discurso, tentando angariar empatia e identificação geral. 
A coisa não tarda a mudar de figura quando os radicais estão em seus casulos acadêmicos, quando já não hesitam em moderar a linguagem. Num ensaio introdutório a uma coletânea de estudos sobre gênero, uma das enragés transativistas, Susan Stryker, chegou a propor que o maior propósito do transgenderismo era o de subverter o paradigma epistemológico do Ocidente. Nada menos. Para a alegada defesa de direitos individuais e proteções civis, a coisa parece ter ido bem além das chinelas… publicidade

Stryker e outros transativistas sabem que, no fundo, o que lhes cabe promover é o trabalho disruptivo, de modo a que os indivíduos concretos sejam usados pelas causas, e não o contrário. Nesse sentido, a velocidade com que as contradições se sucedem no seio do movimento trans-identitário chega a ser estonteante, gerando uma série de fissões no radicalismo outrora “ortodoxo”. Uma das principais frentes de batalha, como se sabe, tem oposto as feministas radicais aos transativistas. Enquanto as primeiras assumem uma posição mais convencionalmente construcionista, as segundas apelam a um curioso “naturalismo” de segunda mão. Susan Stryker chegou a propor que o maior propósito do transgenderismo era subverter o paradigma epistemológico do Ocidente | Foto: Reprodução Redes sociais

Com efeito, as assim chamadas “mulheres trans” dizem ser mulheres — como se, de algum modo, possuíssem cérebros femininos “presos” no corpo de homens. Mas, da perspectiva feminista radical, a ideia de um cérebro naturalmente feminino não faz sentido.
Se as mulheres pensam e agem diferentemente dos homens é porque a sociedade assim as forçou por convenção social, exigindo-lhes que fossem sexualmente atraentes, maternais e submissas aos homens.  
Para as feministas, o que terá se passado na história entre os sexos foi um processo político marcado por uma espécie de “submissão ritualizada” das mulheres aos homens, um processo de exploração do qual as “mulheres trans” estariam se beneficiando.

Há não muito tempo, o gênero era considerado uma mera construção social, enquanto o sexo era uma realidade biológica. Agora, os ativistas alegam que o gênero é destino, enquanto o sexo biológico não passa de construção social

A posição construcionista, como dissemos, é a que foi sempre historicamente marcada pela ideologia feminista da segunda onda. Consagrada, entre outras, por Simone de Beauvoir, o argumento consistia na ideia de que as mulheres não nascem naturalmente mulheres, conquanto possam vir a se tornar. No lado do transativismo, a confusão reside num misto entre duas posições. Se, por um lado, o transativista começa como realista contra o construcionismo feminista, obviamente não pode levar esse realismo naturalista até as últimas consequências, pois isso destruiria a premissa política fundamental de que o gênero é construído, fluido, mutável etc.

As contradições do transativismo permanecem sempr
e ocultas, jamais examinadas, porque, no fundo, o transativismo não admite fazer elucubrações metafísicas
Sua retórica está repleta de afirmações ontológicas, tal como a de que as pessoas são do gênero ao qual dizem pertencer ser, e de que os sentimentos determinam a realidade. Os radicais não querem que o debate aconteça no nível da filosofia, de modo que o disfarçam com as vestes da “ciência” e da “medicina”. E cooptam várias associações médicas e profissionais a serviço dessa ideologia delirante.  
Simone de Beauvoir foi escritora, intelectual, filósofa existencialista, ativista política, feminista e teórica social francesa | Foto: Wikimedia Commons

A Associação Psicológica Americana, por exemplo, elaborou um panfleto intitulado “Respostas às suas questões sobre pessoas trans, identidade de gênero e expressão de gênero”. O texto fala em “transgenderismo como um termo guarda-chuva para pessoas cuja identidade de gênero, expressão de gênero e comportamento não se conformam com o tipicamente associado com o sexo que lhe foi atribuído ao nascer”. Note-se a linguagem politizada. As pessoas não nascem com sexo — é-lhes “atribuído”.

Trata-se de uma reviravolta espantosa. Há não muito tempo, o gênero era considerado uma mera construção social, enquanto o sexo era uma realidade biológica. Agora, os ativistas alegam que o gênero é destino, enquanto o sexo biológico não passa de construção social. Se, por um lado, afirmam ainda que as possibilidades para a identidade de gênero são ilimitadas — para homens, mulheres, ambos ou nenhum —, insistem também que a identidade de gênero é inata e imutável, estabelecida de uma vez por todas desde uma tenra idade.

O transativismo afirma não haver diferenças significativas entre homens e mulheres,
mas repousa sobre rígidos estereótipos sexuais a fim de sustentar que a “identidade de gênero” é real, mas o corpo biológico não o é. Diz-se ademais que a verdade é tudo o que uma pessoa afirma ser, mas no instante seguinte postula-se a existência de um eu real “dentro” da pessoa. O gênero é uma construção social, mas também simultaneamente inato e, em novo rodopio, por sua vez “fluido”. 
Tente-se imaginar o que significa exatamente ter um senso interior de gênero, e o que significaria ter esse senso interno de gênero à parte o fato de ter um corpo desse ou daquele sexo.

Por último, restam mais de mil e um paradoxos do transgenderismo. Se não há homem e mulher, por que há homem trans e mulher trans? Se nenhuma mulher cis pode ser enquadrada num determinado estereótipo de feminilidade, por que a mulher trans é invariavelmente um homem que se autoidentifica como uma mulher estereotípica? 
Por que uma mulher trans é sempre um homem cis que se autoidentifica como mulher cis, e nunca um homem trans que se autoidentifica como mulher trans? 
Por que não parece haver dupla incidência do fator trans? 
Talvez porque trans + trans = cis? 
Diz-se que um homem trans é uma mulher que se autoidentifica como homem. 
Mas ser homem (ou mulher) não é justamente o ato de se autoidentificar como tal? 
Se a ideologia de gênero postula uma identidade identificante, por que depende tanto das identidades identificadas para definir o gênero por oposição? 
Por que, enfim, a ideologia de gênero é relativista no sentido cis e essencialista no sentido trans? Resta-nos, enquanto dá, seguir perguntando, enquanto a gritaria revoltosa não se impõe pelo silêncio… Ativistas alegam que o gênero é destino, enquanto o sexo biológico não passa de construção social| Foto: Reprodução/WikiMedia Commons

Leia também “O que o transativismo tem a ver com direitos civis”
 

Recomendamos: A epidemia trans

 
Flávio Gordon, colunista - Revista Oeste
 
 

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Projeto de lei quer barrar mulheres trans em competições esportivas femininas - VOZES

Gazeta do Povo - Fabio Calsavara

No Paraná

Imagem ilustrativa| Foto: Claudio Bianchi / Pixabay

Está tramitando na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) um projeto de lei que busca definir o sexo biológico como o único critério de definição de gênero em competições esportivas oficiais no Estado. 
Desta forma, estaria barrada a participação de mulheres trans nessas competições. 
O texto, que não tramita em regime de urgência, foi protocolado na casa em 2019, e desde maio de 2021 aguarda um parecer da Secretaria Estadual de Esportes.

Na justificativa do projeto, o deputado Alexandre Amaro (Republicanos) explica que apesar de existirem tratamentos hormonais e cirurgias para que pessoas nascidas com o sexo biológico masculino possam integrar equipes esportivas femininas, a formação orgânica corporal da pessoa trans não passa por mudanças. “É fato comprovado pela medicina que homens foram formados com testosterona durante anos; já as mulheres não têm esse direito em momento algum da vida, uma vez que são monitoradas constantemente por exames antidoping. Caso sejam pegas com alto nível de testosterona no sangue, podem ser punidas até mesmo com a perda de títulos conquistados anteriormente”, justifica o autor.

Na sequência, após apresentar uma série de dados, o deputado aponta que essas alterações fisiológicas e estruturais das atletas trans “adquiridas às custas da testosterona não podem ser ignoradas no dia a dia dos competidores”. O texto, redigido em 2019, cita as discussões que já havia à época a respeito do que chama de “peculiaridade científica”, e aponta a necessidade de se “resguardar a paridade fisiológica entre os competidores e atletas nas competições oficiais”.

O projeto tem coautoria do deputado Fabio Oliveira (Podemos)
. Ele reitera a necessidade de proteção das mulheres que competiriam em condições de "desvantagem em relação a atletas trans", segundo destaca o parlamentar.
Veja Também:
    Deputados do Paraná querem proibir tratamento hormonal em “crianças trans”

    Grupo LGBT de Wyoming paga manifestantes para criticar lei que impede homens biológicos de competir em categorias femininas


Federação Internacional de Atletismo proibiu mulheres trans de disputar provas femininas
No último dia 23 de março, a World Athletics (Federação Internacional de Atletismo) anunciou que mulheres transgênero que passaram pela puberdade masculina estão proibidas de disputar eventos internacionais na categoria feminina a partir de abril de 2023. De acordo com a entidade, treinadores, atletas e grupos representativos de direitos humanos e transgêneros participaram de uma pesquisa cujo resultado foi priorizar a justiça e a integridade das competições femininas antes de buscar a inclusão. “As decisões são sempre difíceis quando envolvem necessidades e direitos conflitantes entre diferentes grupos, mas continuamos a ter a visão de que devemos manter a justiça para as atletas femininas acima de todas as outras considerações. Seremos guiados nisso pela ciência em torno do desempenho físico e da vantagem masculina que inevitavelmente se desenvolverá nos próximos anos. À medida que mais evidências estiverem disponíveis, revisaremos nossa posição, mas acreditamos que a integridade da categoria feminina no atletismo é fundamental”, declarou o presidente da World Athletics, Sebastian Coe.

Ciclista multicampeã se aposentou após derrotas para mulheres trans

No mesmo dia, a ciclista norte-americana Hannah Arensman, que venceu por 35 vezes o circuito nacional de Ciclocross nos Estados Unidos, anunciou ter se aposentado após terminar em quarto lugar em uma competição em dezembro de 2022 – uma das ocupantes do pódio naquela ocasião era uma mulher trans. Eu nasci em uma família de atletas. Sempre fui encorajada pelos meus pais e pelos meus irmãos, competi nos esportes desde muito pequena. Tive que conquistar com muito esforço um lugar na elite das corridas de ciclocross. Só que com o passar dos anos eu fui obrigada a correr com ciclistas homens em eventos femininos. Conforme isso foi se tornando cada vez mais frequente, eu fui me sentindo cada vez mais desestimulada a treinar duro como eu sempre fiz. Eu iria me esforçar ao máximo, para no final perder para um homem, graças a um corpo masculino que lhe daria essa vantagem injusta”, ela disse.

A ex-atleta contou que na sua última competição oficial, em dezembro de 2022, sua irmã e outros familiares choraram ao ver ela chegar em quarto lugar, com uma mulher trans chegando em terceiro e outra em quinto. Arensman disse ter tido “várias interações físicas” com as atletas durante a corrida. “Eu sinto pelas jovens atletas que estão começando a competir e que vão crescer sem ter chances reais de vencer provas, quebrar recordes ou serem campeãs no ciclismo porque os homens querem competir na nossa categoria. Eu me sinto profundamente irritada, desapontada, desprezada e humilhada por aqueles que criam e aceitam essas regras, porque para eles não é algo necessário garantir que mulheres participem de competições apenas contra outras mulheres”, desabafou.
 
Fabio Calsavara - colunista -  Gazeta do Povo - VOZES