Avalanche de PLs para compensar efeitos da pandemia pode agravar crise econômica
Como costuma ocorrer nos períodos de dificuldades econômicas, muitos
parlamentares não têm hesitado em apresentar os mais variados projetos
de lei (PLs) de cunho meramente populista ou corporativo. Seus autores
só estão preocupados em ganhar espaço na mídia e marcar posição. Outros
projetos podem até ser bem-intencionados, mas carecem de fundamentação
técnica. Uma vez convertidos em lei, trarão mais problemas do que
soluções.
Foi por esse motivo que o Banco Central distribuiu importante nota
técnica, no final da semana passada, afirmando que a multiplicação de
propostas legislativas – principalmente as que preveem tabelamento de
juros, aumento dos impostos das instituições financeiras, afrouxamento
nos prazos para pagamento de dívidas e impostos, liberação de bens de
empresas em recuperação judicial e repactuação de contratos – pode
aumentar ainda mais as dificuldades econômicas. “Podem transformar a
crise em algo muito mais profundo, ao afetar a credibilidade do sistema
produtivo”, conclui a nota.
A importância dessa advertência é comprovada por um levantamento feito
por uma empresa de monitoramento legislativo e inteligência regulatória,
a Sigalei, a pedido do Estadão/Broadcast, cujos resultados foram
publicados no domingo passado. Segundo a pesquisa, no Senado, na Câmara
dos Deputados, nas 15 principais Assembleias Legislativas e na Câmara
Municipal de São Paulo tramitam 352 projetos de lei com o objetivo de
reduzir as taxas de juros de contratos, obrigar escolas e faculdades da
rede privada de ensino a reduzir as mensalidades escolares e autorizar a
suspensão de pagamentos de serviços essenciais, enquanto durar a
pandemia da covid-19.
Apenas nesta área, que engloba fornecimento de água, energia elétrica,
telefonia e internet, há cerca de 160 projetos que suspendem cobranças,
impõem a gratuidade e proíbem cortes de fornecimento. No caso das
instituições financeiras, existem projetos que limitam as taxas anuais
de juros no cheque especial e no cartão de crédito em 20%, ao mesmo
tempo que também as proíbem de reduzir o limite dos clientes a valores
estabelecidos no final de fevereiro, antes da crise do novo coronavírus e
da suspensão das atividades econômicas.
Em quase todos esses 352 projetos a justificativa é a mesma.
Esquecendo-se do efeito dominó, já que o não pagamento de um serviço
essencial pode acarretar insolvência em toda a cadeia produtiva dele
dependente, vereadores, deputados estaduais, deputados federais e
senadores alegam que, desde o advento da política de isolamento social,
as famílias passaram a enfrentar necessidades e as empresas registraram
quedas vultosas em suas vendas. Desse modo, as concessões propostas
seriam uma forma de compensação.
O problema, contudo, é saber quem acabará pagando a conta dessa
compensação. A maioria das propostas legislativas foi apresentada sem
levar em consideração estudos do impacto de cada uma dessas medidas
sobre as empresas fornecedoras de serviços essenciais. E, no caso das
instituições financeiras, o projeto que prevê o tabelamento dos juros do
cheque especial e do cartão de crédito em 20% não apresentou qualquer
explicação relativa ao cálculo desse porcentual.
Na realidade, os autores desses projetos de lei procuraram atender às
demandas de suas bases eleitorais e dos financiadores de suas campanhas.
Por desinformação, despreparo, irresponsabilidade e imprudência, não
tiveram o cuidado de buscar informações técnicas e também não dialogaram
com os demais setores econômicos. Decorre daí o compreensível temor das
autoridades regulatórias, uma vez que, além de disseminar a incerteza
jurídica nas atividades produtivas, essas propostas criam problemas
concretos, graves para o sistema de intermediação financeira, do qual
dependem a iniciativa privada e a área de infraestrutura.
Editorial - O Estado de S. Paulo