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quarta-feira, 27 de maio de 2020

O risco da epidemia legislativa - Editorial - O Estado de S. Paulo

Avalanche de PLs para compensar efeitos da pandemia pode agravar crise econômica

Como costuma ocorrer nos períodos de dificuldades econômicas, muitos parlamentares não têm hesitado em apresentar os mais variados projetos de lei (PLs) de cunho meramente populista ou corporativo. Seus autores só estão preocupados em ganhar espaço na mídia e marcar posição. Outros projetos podem até ser bem-intencionados, mas carecem de fundamentação técnica. Uma vez convertidos em lei, trarão mais problemas do que soluções.

Foi por esse motivo que o Banco Central distribuiu importante nota técnica, no final da semana passada, afirmando que a multiplicação de propostas legislativas principalmente as que preveem tabelamento de juros, aumento dos impostos das instituições financeiras, afrouxamento nos prazos para pagamento de dívidas e impostos, liberação de bens de empresas em recuperação judicial e repactuação de contratos – pode aumentar ainda mais as dificuldades econômicas. “Podem transformar a crise em algo muito mais profundo, ao afetar a credibilidade do sistema produtivo”, conclui a nota.

A importância dessa advertência é comprovada por um levantamento feito por uma empresa de monitoramento legislativo e inteligência regulatória, a Sigalei, a pedido do Estadão/Broadcast, cujos resultados foram publicados no domingo passado. Segundo a pesquisa, no Senado, na Câmara dos Deputados, nas 15 principais Assembleias Legislativas e na Câmara Municipal de São Paulo tramitam 352 projetos de lei com o objetivo de reduzir as taxas de juros de contratos, obrigar escolas e faculdades da rede privada de ensino a reduzir as mensalidades escolares e autorizar a suspensão de pagamentos de serviços essenciais, enquanto durar a pandemia da covid-19.

Apenas nesta área, que engloba fornecimento de água, energia elétrica, telefonia e internet, há cerca de 160 projetos que suspendem cobranças, impõem a gratuidade e proíbem cortes de fornecimento. No caso das instituições financeiras, existem projetos que limitam as taxas anuais de juros no cheque especial e no cartão de crédito em 20%, ao mesmo tempo que também as proíbem de reduzir o limite dos clientes a valores estabelecidos no final de fevereiro, antes da crise do novo coronavírus e da suspensão das atividades econômicas.

Em quase todos esses 352 projetos a justificativa é a mesma. Esquecendo-se do efeito dominó, já que o não pagamento de um serviço essencial pode acarretar insolvência em toda a cadeia produtiva dele dependente, vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores alegam que, desde o advento da política de isolamento social, as famílias passaram a enfrentar necessidades e as empresas registraram quedas vultosas em suas vendas. Desse modo, as concessões propostas seriam uma forma de compensação.

O problema, contudo, é saber quem acabará pagando a conta dessa compensação. A maioria das propostas legislativas foi apresentada sem levar em consideração estudos do impacto de cada uma dessas medidas sobre as empresas fornecedoras de serviços essenciais. E, no caso das instituições financeiras, o projeto que prevê o tabelamento dos juros do cheque especial e do cartão de crédito em 20% não apresentou qualquer explicação relativa ao cálculo desse porcentual.


Na realidade, os autores desses projetos de lei procuraram atender às demandas de suas bases eleitorais e dos financiadores de suas campanhas. Por desinformação, despreparo, irresponsabilidade e imprudência, não tiveram o cuidado de buscar informações técnicas e também não dialogaram com os demais setores econômicos. Decorre daí o compreensível temor das autoridades regulatórias, uma vez que, além de disseminar a incerteza jurídica nas atividades produtivas, essas propostas criam problemas concretos, graves para o sistema de intermediação financeira, do qual dependem a iniciativa privada e a área de infraestrutura.

 Editorial  -  O Estado de S. Paulo