Fernando Exman
Estabilidade social e ordem pública preocupam Planalto
Tem início nesta semana uma nova fase da estratégia de combate aos efeitos socioeconômicos da pandemia. Ela ocorre num momento em que o governo sinaliza que não tentará prorrogar o estado de calamidade pública a partir de janeiro, reduzindo as “últimas camadas” do auxílio emergencial, enquanto espera que a ajuda já anunciada chegue com mais força na ponta.
O valor do auxílio emergencial, que passará para R$ 300 até o fim do
ano, terá papel central neste novo momento. O mesmo vale para o
lançamento da nota de R$ 200, a qual pode, na visão do governo, ajudar a
ativar a economia sem gerar riscos inflacionários. Para implementar esta nova etapa, as necessidades fiscais e os possíveis
impactos econômicos das iniciativas foram esquadrinhados pela equipe do
ministro Paulo Guedes, da Economia. Mas, as possíveis consequências
negativas para a área de segurança pública só serão conhecidas na
prática. Isso preocupa - e muito - alguns setores do governo.
A segurança pública é motivo de apreensão no Palácio do Planalto desde o
fim do primeiro trimestre, quando o coronavírus começou a se espalhar
pelo Brasil. O temor do presidente Jair Bolsonaro e de seus ministros
mais próximos era que, com a covid-19, também avançasse uma onda de
violência urbana sem precedentes na história do país. Havia um receio de
que ocorressem saques, tumultos nas ruas com atos de vandalismo, um
aumento incontrolável de invasões de residências.
No cenário mais crítico, as pessoas estariam confinadas, sem fontes de
renda e sem ter o que comer. Poderiam ser “vítimas de desespero”, como
dizem auxiliares do presidente, e partir para a violência urbana em
busca de uma solução. Isso até agora, felizmente, não ocorreu. Não deixa de ser curioso o
surgimento desse novo olhar em um governo formado por muitos que até
então negavam a existência de uma correlação entre questões sociais e os
índices de criminalidade. O aumento da popularidade do presidente,
impulsionada sobretudo pelo alívio garantido pelo auxílio emergencial a
milhões de brasileiros, deve ter contribuído para essa mudança de
concepção.
De todo modo, o Executivo pode comemorar, sim, o fato de o auxílio ter
mantido o consumo da população de baixa renda e um ambiente de paz
social. No Planalto, ouve-se que o auxílio emergencial custa muito aos
cofres públicos, mas que por causa dele o país não “colapsou”. Existe
também no governo o reconhecimento de que sem o Congresso a situação
poderia ser bem pior. Afinal, inicialmente o Executivo queria que o
benefício fosse de R$ 200 mensais, mas acabou elevando-o para R$ 600
cada parcela da primeira fase.
Alguns dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada são
citados para demonstrar o poder dessa política pública. Eles apontam,
por exemplo, que tanto em junho quanto em julho 6,5 % dos domicílios
brasileiros sobreviveram apenas com os rendimentos recebidos do auxílio
emergencial. Isso representa cerca de 4,4 milhões de domicílios. No
universo das famílias de baixa renda, os rendimentos cresceram em
relação às rendas habituais obtidas antes da pandemia.
Somam-se a esses indicadores percepções coletadas pela área jurídica do
governo com interlocutores do Judiciário e dos órgãos de segurança. Elas
revelam uma redução significativa da prática de roubos e furtos de
residências em diversas cidades. Nada mais natural, uma vez que grande
parte das pessoas ficou longos períodos dentro de casa, em isolamento
social, e isso dificultou a vida dos gatunos. A diminuição do fluxo de
pessoas também levou a um declínio no número de vítimas pelas ruas. Por
outro lado, ainda de acordo com essas fontes, os crimes cibernéticos
aumentaram e a demanda por dinheiro vivo não para de crescer.
Também por isso o Banco Central anunciou o lançamento da nova nota de R$
200, a despeito das preocupações entre especialistas no combate à
corrupção e à lavagem de dinheiro com uma suposta facilitação do
transporte e da posse de grandes volumes à margem dos mecanismos de
controle. A oposição aproveitou esses argumentos e judicializou a
questão no STF, mas o BC afasta qualquer risco. [oposição? existe isso no Brasil? quem tenta, e às vezes consegue, atrapalhar o governo do presidente Bolsonaro, são 'partidecos', sem programa e sem votos, que tentam governar via Judiciário - um deles é aquele da Marina Souza, sempre candidata a presidente derrotada, que só surge na mídia quando apresenta uma ação contra o governo do capitão.]
Ao Supremo Tribunal Federal, apresentou explicações técnicas e usou a
situação da Caixa Econômica Federal como exemplo por ela ser a maior
demandante de numerário e a principal responsável pelo pagamento do
auxílio emergencial. A Caixa indicou ao BC estimativas crescentes de
saques semanais em sua rede de agências e correspondentes. Em julho, por
exemplo, teve saques semanais que superaram R$ 2 bilhões. Essas
operações devem chegar a cerca de R$ 5 bilhões semanais entre o fim de
agosto e o início de outubro, passando a R$ 4 bilhões semanais a partir
daí e de no mínimo R$ 3 bilhões semanais até o fim do ano. Na peça que
protocolou no STF, o BC informou que “foi estimada demanda adicional de
numerário para o período de agosto a dezembro de 2020 na ordem de R$
105,9 bilhões”.
Essa cifra não corresponde apenas às necessidades da Caixa nem dizem
respeito só aos valores do auxílio emergencial, mas dá uma dimensão do
que o ministro da Economia quis dizer quando mencionou, em audiência no
Senado, “uma enxurrada de dinheiro” que chegará aos Estados e municípios
até o fim do ano. Segundo Guedes, isso se dá em razão do tempo
necessário para que os recursos do auxílio cheguem de fato ao
beneficiário.
Há relatos no Planalto de que em alguns municípios o meio circulante
triplicou. A nota de R$ 200 será estampada com a imagem do lobo guará e,
dessa forma, poderá acabar se transformando em mais uma marca do
governo Bolsonaro em seu esforço de combater os efeitos da pandemia. Não há como prever com precisão, neste momento, o impacto dessas medidas
nos índices de violência e de criminalidade. A aposta no governo,
contudo, é que pelo menos não ocorram maiores danos à imagem do
presidente. Desde o início da crise, setores da oposição defenderam a emissão de
dinheiro como uma forma de o Estado alcançar os mais pobres. Essa
crítica está, pelo menos do ponto de vista do discurso político,
neutralizada.