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quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Novas bandeiras para o presidente Bolsonaro - Valor Econômico

Fernando Exman

Estabilidade social e ordem pública preocupam Planalto

Tem início nesta semana uma nova fase da estratégia de combate aos efeitos socioeconômicos da pandemia. Ela ocorre num momento em que o governo sinaliza que não tentará prorrogar o estado de calamidade pública a partir de janeiro, reduzindo as “últimas camadas” do auxílio emergencial, enquanto espera que a ajuda já anunciada chegue com mais força na ponta.

O valor do auxílio emergencial, que passará para R$ 300 até o fim do ano, terá papel central neste novo momento. O mesmo vale para o lançamento da nota de R$ 200, a qual pode, na visão do governo, ajudar a ativar a economia sem gerar riscos inflacionários. Para implementar esta nova etapa, as necessidades fiscais e os possíveis impactos econômicos das iniciativas foram esquadrinhados pela equipe do ministro Paulo Guedes, da Economia. Mas, as possíveis consequências negativas para a área de segurança pública só serão conhecidas na prática. Isso preocupa - e muito - alguns setores do governo.

A segurança pública é motivo de apreensão no Palácio do Planalto desde o fim do primeiro trimestre, quando o coronavírus começou a se espalhar pelo Brasil. O temor do presidente Jair Bolsonaro e de seus ministros mais próximos era que, com a covid-19, também avançasse uma onda de violência urbana sem precedentes na história do país. Havia um receio de que ocorressem saques, tumultos nas ruas com atos de vandalismo, um aumento incontrolável de invasões de residências.

No cenário mais crítico, as pessoas estariam confinadas, sem fontes de renda e sem ter o que comer. Poderiam ser “vítimas de desespero”, como dizem auxiliares do presidente, e partir para a violência urbana em busca de uma solução.  Isso até agora, felizmente, não ocorreu. Não deixa de ser curioso o surgimento desse novo olhar em um governo formado por muitos que até então negavam a existência de uma correlação entre questões sociais e os índices de criminalidade. O aumento da popularidade do presidente, impulsionada sobretudo pelo alívio garantido pelo auxílio emergencial a milhões de brasileiros, deve ter contribuído para essa mudança de concepção.


De todo modo, o Executivo pode comemorar, sim, o fato de o auxílio ter mantido o consumo da população de baixa renda e um ambiente de paz social. No Planalto, ouve-se que o auxílio emergencial custa muito aos cofres públicos, mas que por causa dele o país não “colapsou”. Existe também no governo o reconhecimento de que sem o Congresso a situação poderia ser bem pior. Afinal, inicialmente o Executivo queria que o benefício fosse de R$ 200 mensais, mas acabou elevando-o para R$ 600 cada parcela da primeira fase.

Alguns dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada são citados para demonstrar o poder dessa política pública. Eles apontam, por exemplo, que tanto em junho quanto em julho 6,5 % dos domicílios brasileiros sobreviveram apenas com os rendimentos recebidos do auxílio emergencial. Isso representa cerca de 4,4 milhões de domicílios. No universo das famílias de baixa renda, os rendimentos cresceram em relação às rendas habituais obtidas antes da pandemia.

Somam-se a esses indicadores percepções coletadas pela área jurídica do governo com interlocutores do Judiciário e dos órgãos de segurança. Elas revelam uma redução significativa da prática de roubos e furtos de residências em diversas cidades. Nada mais natural, uma vez que grande parte das pessoas ficou longos períodos dentro de casa, em isolamento social, e isso dificultou a vida dos gatunos. A diminuição do fluxo de pessoas também levou a um declínio no número de vítimas pelas ruas. Por outro lado, ainda de acordo com essas fontes, os crimes cibernéticos aumentaram e a demanda por dinheiro vivo não para de crescer.

Também por isso o Banco Central anunciou o lançamento da nova nota de R$ 200, a despeito das preocupações entre especialistas no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro com uma suposta facilitação do transporte e da posse de grandes volumes à margem dos mecanismos de controle. A oposição aproveitou esses argumentos e judicializou a questão no STF, mas o BC afasta qualquer risco. [oposição? existe isso no Brasil? quem tenta, e às vezes consegue, atrapalhar o governo do presidente Bolsonaro, são 'partidecos',  sem programa e sem votos, que tentam governar via Judiciário - um deles é aquele da Marina Souza, sempre candidata a presidente derrotada, que só surge na mídia quando apresenta uma ação contra o governo do capitão.]

Ao Supremo Tribunal Federal, apresentou explicações técnicas e usou a situação da Caixa Econômica Federal como exemplo por ela ser a maior demandante de numerário e a principal responsável pelo pagamento do auxílio emergencial. A Caixa indicou ao BC estimativas crescentes de saques semanais em sua rede de agências e correspondentes. Em julho, por exemplo, teve saques semanais que superaram R$ 2 bilhões. Essas operações devem chegar a cerca de R$ 5 bilhões semanais entre o fim de agosto e o início de outubro, passando a R$ 4 bilhões semanais a partir daí e de no mínimo R$ 3 bilhões semanais até o fim do ano. Na peça que protocolou no STF, o BC informou que “foi estimada demanda adicional de numerário para o período de agosto a dezembro de 2020 na ordem de R$ 105,9 bilhões”.

Essa cifra não corresponde apenas às necessidades da Caixa nem dizem respeito só aos valores do auxílio emergencial, mas dá uma dimensão do que o ministro da Economia quis dizer quando mencionou, em audiência no Senado, “uma enxurrada de dinheiro” que chegará aos Estados e municípios até o fim do ano. Segundo Guedes, isso se dá em razão do tempo necessário para que os recursos do auxílio cheguem de fato ao beneficiário.

Há relatos no Planalto de que em alguns municípios o meio circulante triplicou. A nota de R$ 200 será estampada com a imagem do lobo guará e, dessa forma, poderá acabar se transformando em mais uma marca do governo Bolsonaro em seu esforço de combater os efeitos da pandemia.  Não há como prever com precisão, neste momento, o impacto dessas medidas nos índices de violência e de criminalidade. A aposta no governo, contudo, é que pelo menos não ocorram maiores danos à imagem do presidente. Desde o início da crise, setores da oposição defenderam a emissão de dinheiro como uma forma de o Estado alcançar os mais pobres. Essa crítica está, pelo menos do ponto de vista do discurso político, neutralizada.

Fernando Exman, jornalista - Valor Econômico



sábado, 16 de março de 2019

‘Esconderijos’ da internet desafiam investigação sobre crimes de ódio

Sob anonimato, integrantes de redes ocultas coordenam assédios virtuais e têm minorias como alvo preferencial. Mesmo com toda dificuldade, número de ações na Justiça acompanhadas pelo Ministério Público Federal cresceram 29% entre 2017 e o ano passado

 O massacre na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, na Grande São Paulo, expõe o avanço de grupos e crimes cibernéticos de propagação de ódio. A participação de uma dessas redes no atentado, que deixou 10 mortos e 11 feridos na quarta-feira, é investigada pelo Ministério Público Estadual (MPE). Ataques virtuais contra negros e mulheres e a incitação de crimes contra a vida são planejados e apoiados em fóruns na internet profunda que celebraram o massacre em Suzano. 
 Entre 2017 e o ano passado, houve aumento de 29% no número de ações na Justiça acompanhadas pelo Ministério Público Federal (MPF) relacionadas a crimes de ódio na internet – os registros passaram de 342 em 2017 para 442 no ano passado. “Tem havido uma intolerância maior e a sensação de que a internet é terra sem lei”, diz a procuradora Fernanda Domingos, do Grupo de Apoio sobre Criminalidade Cibernética do MPF. 

O dado se refere a discriminações na internet por raça, etnia, religião e procedência, como ataques a nordestinos, por exemplo. E o aumento de processos em 2018, segundo o MPF, pode ter relação com o ano eleitoral, época considerada propícia para a propagação de discursos de ódio na web.  Para identificar os agressores virtuais, o MPF apura não só o que acontece na internet superficial, onde estão as redes sociais, por exemplo, como o que ocorre na chamada dark web, a internet com forma de acesso específica para dificultar a identificação de seus usuários. O olhar para as profundezas da internet tem um motivo. “Os criminosos estão se refugiando lá porque é um meio onde o anonimato é mais fácil. Tem havido uma migração para essas redes”, afirma Fernanda. 

Um dos fóruns que comemoraram o ataque em Suzano, por exemplo, migrou em 2018 da internet exposta, em que as páginas podem ser buscadas pelo Google, para a dark web. O MPE apura se usuários desse “chan”, como são chamados os fóruns na dark web, incitaram o atentado. Os “chans” agregam pessoas com interesses comuns que se valem do suposto anonimato garantido pela rede. Uma enciclopédia na dark web enumera os grupos que existem e suas finalidades. Grande parte do compartilhamento de material de pornografia infantil ocorre nesses espaços. 
“São grupos que se validam mutuamente, compartilham valores que ferem direitos humanos e produzem conteúdos criminosos”, diz Juliana Cunha, diretora da ONG SaferNet Brasil. 

No fórum que comemorou o ataque em Suzano, os membros, em geral, são homens jovens. “São recrutados aqueles com dificuldades de inserção social. Os relatos envolvem o fracasso em se relacionar com mulheres, de ter papel social”, diz Juliana. Juntos, promovem ataques virtuais misóginos ou direcionados a outras minorias. “Eles se coordenam e elegem alvos, invadem e obtém informações pessoais, enviam ameaças e chantagens.” A violência pode culminar em atos com mortes, que ganham aplausos dos membros e colocam o grupo em destaque diante de outros na dark web. “É para dizer ‘existo e posso causar um grande estrago’”.  

Até chegar às profundezas da internet é comum, porém, que o envolvimento com atos criminosos tenha começado em redes sociais já conhecidas. “Outros usuários indicam ferramentas e conteúdos e a pessoa vai migrando para ambientes mais restritos. É natural que comecem a acobertar (o crime) e busquem lugares mais seguros”, diz Luiz Walmocyr Jr., especialista em crimes cibernéticos. A operação Darknet da Polícia Federal desbaratou em 2014, pela primeira vez na América Latina, a propagação de pornografia infantil na dark web.  

Entraves
Mas o monitoramento dos grupos é complexo e esbarra em dificuldades até diplomáticas. É comum que os fóruns estejam hospedados em países com os quais o Brasil não têm cooperação. Outra dificuldade é técnica. Peritos e investigadores da PF ouvidos pelo Estado explicam que, nesses ambientes, o IP – “CEP” do usuário na rede – fica coberto por várias camadas de “protocolos”, o que exige trabalho exaustivo para identificar os servidores onde estão as informações. Após o mapeamento, é preciso autorização para acioná-los. Só com o aval judicial é que começa, de fato, a apuração tradicional.