Dorrit Harazim
Mandetta e Fauci conquistaram o respeito e a confiança de quem os ouve pela abordagem científica e realista
Dias atrás, um engenheiro da malha ferroviária do porto de Los Angeles, na Califórnia, pirou. Eduardo Moreno, de 44 anos, convencera-se de que a missão oficial do navio-hospital USNS Mercy,enviado pela Marinha para aliviar a profusão de infectados na Costa Leste, era mera operação de fachada. A embarcação seria, na verdade, parte de um golpe de Estado em curso. Por isso, ele resolveu agir: manteve um trem não tripulado da zona portuária em velocidade máxima, para muito além do final dos trilhos, e causou um estrondo /estrago monumental — a composição destruiu primeiro uma barreira de concreto, atropelou uma proteção de aço, e prosseguiu por vasta área de cascalho até parar. À polícia o autor justificou assim o rompante que pode lhe valer uma pena de até 20 anos: “Era a chance que eu tinha para chamar a atenção das pessoas sobre o que está realmente acontecendo aqui”.
Nas Filipinas do presidente Rodrigo Duterte, que sofre de várias insuficiências democráticas e comanda com poder quase absoluto o país de mais de 100 milhões de habitantes, a solução para o complexo problema atual é simples: as forças policiais e militares têm ordem de atirar para matar quem descumprir a quarentena imposta. Ponto. Não tem ministro da Saúde, governadores nem imprensa em condições de lhe fazer frente. [é razoável considerar que a bronca de muitos jornalistas, especialmente contra presidentes = Bolsonaro, Duterte, Trump, é por não conseguirem usar a pandemia para implantar a DITADURA da DEMOCRACIA.
Vejamos:
- se é contra o isolamento exagerado - caso do presidente do Brasil - vai para o tronco, sendo malhado.
- se é a favor do isolamento e ordena medidas de força, caso das Filipinas, também vai para o tronco, sob malhação.
Trump vive no tronco, por ser presidente de um país rico e estar praticamente reeleito.]
Já Estados Unidos e Brasil têm mais sorte: por força da necessidade e do gigantismo da crise, Donald Trump e Jair Bolsonaro optaram por terceirizar o problema, que acabou em mãos de quem não comunga das crenças e disparates dos dois presidentes. Trump e Bolsonaro acreditaram poder desresponsabilizar-se da marcha da pandemia içando a primeiro plano dois personagens que não poderiam ser mais diferentes entre si — o nova-iorquino Anthony Fauci, a maior autoridade americana em infectologia, e, aqui, o deputado formado em Ortopedia Luiz Henrique Mandetta, atual ministro da Saúde. Ambos conquistaram o respeito e a confiança de quem os ouve pela abordagem científica e realista do combate ao coronavírus. Ambos, também, começam a pagar por isso.
- só conseguem, viram manchete, quando impetram alguma ação judicial, descabida, contra contra o presidente Bolsonaro -
vai convidar Mandetta para ser candidato a presidente.
Preferência popular, simpatia, em eleições só vale quando são traduzidas em votos - será que em 2022, com o coronavírus vencido sob o comando de Bolsonaro, Mandetta terá tal preferência?]
Sobreviver nessa dislexia nacional não tem sido fácil nos dois países. Em Washington, Donald Trump consegue embaralhar uma frase que começa com “Isto não é uma crise financeira, é apenas um momento temporário no tempo” com o anúncio da injeção de US$ 1 trilhão na economia do país. Em Brasília o comportamento de Jair Bolsonaro é ainda mais errático, sempre que tem um microfone pela frente. Para não concluir de forma sorumbática, vale recorrer às memórias de um generoso humanista do século 20, o escritor Paul Goodman. “Esperança é o contrapeso para o nosso enorme sentido de vulnerabilidade”, escreveu em suas memórias. “É a nossa permanente negociação entre otimismo e desesperança, a contínua negação do cinismo, ingenuidade. Temos esperança justamente por termos consciência de que eventos tenebrosos são sempre possíveis e não raro prováveis. Mas as escolhas que fazemos podem impactar o seu desenlace”.
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O Globo