A
receita do totalitarismo não começa com a censura da opinião. Esta é uma
fase posterior, abrutalhada e menor. O primeiro ingrediente da receita é
a censura do pensamento.
Sei que você dirá, leitor, ser impossível
impedir as pessoas de pensar.
No entanto, é perfeitamente viável
restringir, com determinação e êxito, o acesso das mentes ao
contraditório, ao pluralismo, às fontes da sabedoria, à informação ampla
sobre o passado, o presente e as perspectivas para o futuro. Ou seja, é
possível trazer o horizonte do saber para a ponta do nariz do cidadão,
encurralando sua mente e confinando seu pensamento a uma preconcebida
gaiola. E isso está em pleno curso.
Não estou
falando de alguma distopia. Estou descrevendo, enquanto posso, o que
vejo acontecer através dos mais poderosos mecanismos de formação e
informação em nosso país: Educação, Cultura, Imprensa e Igrejas
(Teologia da Libertação). A censura, em fases que vão dos direitos do
texto aos direitos individuais do autor, é o arremate, o retoque sobre o
trabalho de um mecanismo de ação muito mais intensa, extensa e
profunda. A primeira fase é dos intelectuais; a segunda, dos
brutamontes.
Não deixa
de ser contraditório que, no Brasil, a censura seja exercida,
notoriamente pelos andares mais altos do Poder Judiciário.
Afinal, o
direito à liberdade de expressão do mais humilde e derrotado mané é
superior ao de qualquer ministro do Supremo Tribunal Federal. Não se
zanguem estes, nem se surpreenda o leitor: os manés não exercem
atividade jurisdicional, não têm qualquer compromisso ético e funcional
com imparcialidade, neutralidade, isenção, equanimidade, equilíbrio,
etc.
Ministros do STF e magistrados, por todas as razões, deveriam
evitar a própria expressão pública, falar nos autos e deixar para os
políticos as tagarelices e ativismos da política.
Dezenas de
milhões de brasileiros perceberam que, proclamada a vitória de Lula na
eleição presidencial, fechava-se o cerco às divergências.
Anteviu que a
inteira cúpula dos três poderes de Estado estaria trabalhando conjunta e
afoitamente na criação de distintas e múltiplas estruturas de controle
das opiniões expressas pelos manés da vida.
A judicialização da Política
coligar-se-ia com a politização da Justiça. Passaram a pedir socorro.
Silenciosamente, muitos, em diálogo com seus travesseiros; outros, em
desacertos e desconcertos familiares; outros ainda acamparam às portas
dos quartéis. Inutilmente, como se viu.
O
vandalismo de uns poucos foi o instrumento para o inacreditável arrastão
judicial do dia 9 de janeiro, mas – estranho, não é mesmo? – em quase
dois mil brasileiros cumpriu-se a profecia do ministro Alexandre de
Moraes quando, no dia 14 de dezembro, apenas três semanas antes, com um
sorriso irônico, anunciou haver ainda muita gente e multa para aplicar.
Estranho, também, que sobre todos incidiu a mesma acusação comum: foram
arrebanhados porque expressavam diante dos quartéis medo do que, bem
antes do esperado, acabou se abatendo sobre eles de modo impiedoso.
Só não se
angustia com isso quem aceita que a liberdade seja protegida com a
supressão da liberdade. E só aceita esse contrassenso quem, usando
neologismo da moda, apoia a esquerdonormatividade que, em outubro,
fechou cerco e tomou o Estado brasileiro.
“E qual é a
saída?”, perguntará o leitor afoito. Meu caro, não há porta de saída. O
que há é caminho. Porta da esperança é programa de auditório, crença
que levou à derrota em outubro. Há o caminho da política, percorrido com
coragem, determinação, formação, organização e ação contínua.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores
(www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país.
Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia;
Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.