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terça-feira, 25 de outubro de 2016

Perdão para o ovo da serpente

O Brasil chocou o ovo da serpente (ou da jararaca) durante décadas. O filhote, enfim, nasceu forte e esfomeado e devorou a economia popular. Os brasileiros demoraram a admitir o estrago que seu monstrinho de estimação estava lhe causando, e, quando isso finalmente se tornou inevitável, veio a reação: o país encarou a cobra venenosa, disse “ai, ai, ai” e a colocou de castigo. Acredita que assim ela vai passar a se comportar direitinho.

A literatura antiofídica da Lava Jato indica que em 2005, exatamente quando Lula pedia perdão aos brasileiros pelo mensalão, o mesmo Lula tratava da compra escandalosa da refinaria de Pasadena. É compreensível. Gente boa só consegue se arrepender de um roubo de cada vez. E eis que 11 anos depois, preso e condenado pelo petrolão, José Dirceu é perdoado pelo mensalão. O Supremo Tribunal Federal (STF) foi firme em sua decisão contra o quadrilheiro petista: “Ai, ai, ai, não faça mais isso”.

Quadrilheiro, não. O mesmo ministro do Supremo que acaba de perdoar o companheiro Dirceu, Luís Roberto Barroso, fez sua estreia espetacular na Corte máxima decretando que a quadrilha do mensalão não era uma quadrilha. Ou seja: Dirceu, Delúbio, Valério e companhia, que agiram sistematicamente em conluio para fraudar os cofres públicos e enriquecer o PT, utilizando métodos, álibis e laranjas comuns por vários anos, não formavam uma quadrilha. Quadrilha é aquilo que baila em volta da fogueira nas festas juninas.

Foi também o mesmo companheiro Barroso quem operou o rito do impeachment da companheira presidenta, usando sua mira laser do Supremo para mostrar ao Congresso o que ele tinha de fazer. Assim prevaleceu a formação da comissão especial como o PT queria, o que infelizmente não adiantou nada, porque as instituições brasileiras começaram a ficar com vergonha de proteger governo bandido – e tanto o Legislativo quanto o Judiciário referendaram a legitimidade do impeachment.

Aí uma turma ficou gritando contra o golpe – os mesmos de sempre, que se escondem na mística progressista para viver de símbolos retrógrados. Perdoar a quadrilha é uma ótima forma de continuar chocando os ovos das serpentes simpáticas e revolucionárias.Então, já que é para chocar, vamos chocar: enquanto era julgado pelo mensalão, Dirceu, o perdoado, cometia os crimes do petrolão; posteriormente, já tendo sido preso por esses novos crimes, as investigações da Lava Jato mostraram que as propinas do esquema engendrado por ele continuavam jorrando nas contas dos guerreiros do povo brasileiro. É mesmo de morrer de pena. [sem esquecer que enquanto recebia R$ 29.000.000,00 de propina, os babacas petistas, os militontos, faziam vaquinha - alguns vendendo até a alimentação da mulher e filhos e outros vendendo até a mulher - para ajudar o multimilionário 'guerrilheiro de festim' a pagar a multa a qual foi condenado.

Petista é mesmo sinônimo de otário.]

O perdão concedido pelo STF a José Dirceu está em perfeita consonância com a moral vigente no país, ou pelo menos com a moral dominante. O Brasil perdoou Lula quando ele pediu para ser perdoado, em 2005, e no ano seguinte lhe deu a reeleição – com as revelações do mensalão estalando nas manchetes. Comiseração é isso aí, o resto é brincadeira. Lula entendeu muito bem o recado da nação e pisou fundo. O Brasil é sócio do que se passou nos dez anos seguintes – e continua, na prática, perdoando Lula.

O ex-presidente acaba de se tornar réu pela terceira vez. Agora é por tráfico de influência internacional em favor da Odebrecht, usando o BNDES e irrigando a conta de um sobrinho. Quando esta mesma revista ÉPOCA revelou a referida investigação contra Lula, foi xingada por ele em praça pública. Ou seja: o filho do Brasil faz o que faz e continua livre para atacar gravemente a imprensa e subir em palanques para perpetuar seu grupo político no seio do Estado brasileiro. E o país ainda tolera o coro dos hipócritas que acusam os investigadores de fascismo. Essa tolerância é pior do que o pior dos crimes do PT.

É claro que os reis da mistificação vão dizer que a frase acima é uma pregação da intolerância, portanto do autoritarismo, portanto da força bruta contra os democratas, etc. etc. Eles são bons nisso. Quando milhões de pessoas saíram às ruas de verde e amarelo pelo impeachment, essa inteligência de João Santana espalhou que era um absurdo protestar contra a corrupção com a camisa da CBF... Um covarde é capaz de qualquer coisa. E um país que confunde intolerância com impunidade é capaz de aceitar o perdão mais hediondo. À solta, a serpente agradece.


Fonte: Revista Época - Guilherme Fiuza
 

quinta-feira, 28 de abril de 2016

A cusparada progressista



A narrativa que transformou Dilma de zero à esquerda em engodo à esquerda ainda tenta sobreviver

O PT enfim vai embora, deixando o país no osso, mas com o caminho livre para trabalhar sem dar o seu sangue aos parasitas do bem. Dilma Rousseff (lembram-se dela?) avisou, em resposta à manchete de O Globo pós-votação do impeachment – “Perto do fim” –, que o fim não está próximo, não. É só o começo de uma luta que vai ser longa, ameaçou a ciclista. Felizmente, o que Dilma avisa ou ameaça não interessa mais. Ela finalmente se reconciliará com o anonimato, mas há uma luta que se inicia com os herdeiros da bondade tarja preta.

Uma cena resume tudo: a cusparada do deputado do PSOL e ex-BBB contra Jair Bolsonaro no plenário da Câmara dos Deputados. Como todos sabem, esses dois foram feitos um para o outro e serão felizes para sempre com seus tapas de amor que lhes rendem um caminhão de votos. Nesse pas de deux, o Brasil não mete a colher. O que importa dessa cena é o que ela diz sobre o dia seguinte da ditadura do coitado, que sequestrou o país nos últimos 13 anos.

Dilma já era. Mas a “narrativa” que a transformou de zero à esquerda em engodo à esquerda tenta sobreviver heroicamente. Na fila do almoço grátis estão o PSOL do exs-BBB, a Rede de Marina Silva, as almas penadas do PCdoB, as almas penadas da MPB e grande elenco retroprogressista – além, é claro, de Lula da Silva, o filho do Brasil, que precisa urgentemente de um foro privilegiado novo. O discurso é simples – e a opinião pública mais generosa do mundo costuma gostar de acreditar nele: as forças democráticas sofreram um golpe da direita.

Entenderam o significado valioso da cusparada de um gay profissional num filhote da ditadura? É claro que isso não tem nada a ver com a libertação dos gays de séculos de opressão hipócrita, em geral proveniente de heterossexuais inseguros quanto à sua própria sexualidade. Um dos artistas mais geniais dos últimos 100 anos, David Bowie destroçou os estereótipos ao expor ao mundo todo o vigor de sua feminilidade e de sua masculinidade, ao mesmo tempo. Foi buscar no humor e na estética homossexual elementos para uma obra revolucionária – e nos seus últimos anos de vida, enfastiado com a transformação da causa gay em mercado político e comercial, declarou ter se tornado um “heterossexual compulsivo”. Só para ridicularizar os demagogos.

Mas no Brasil os demagogos são endeusados. E lá vem Marina Silva com sua “democracia de alta intensidade” e outras aberrações retóricas tentar herdar esse lugar que os brasileiros cultivam tão dedicadamente – o altar dos coitados. No Brasil de hoje, ser pobre, gay, negro ou mulher é credencial – uma espécie de autoridade natural. A estupidez dessa premissa foi esfregada na cara do país com o caso Dilma Rousseff, ungida como “presidenta mulher” e flagrada como a pior representante possível do gênero – pelo simples fato de ser fabricada e tutelada por um homem.

A calamidade do caso Rousseff, a pior piada que o feminismo já produziu – e a maior afronta a todos os sutiãs queimados –, deveria ter ensinado aos brasileiros quanto é falso, perigoso e burro tratar o sexo, a cor da pele e a conta bancária como prerrogativa política ou distinção moral. Mas o Brasil não aprende. E a ignorância se mistura à desonestidade intelectual: vão tirar o PT para entregar o país ao PMDB, afirmam os inocentes úteis ou filhotes de João Santana, tanto faz a estirpe.

É um argumento tão honesto quanto aquele disparado pelos democratas de porta de cadeia nas manifestações de um ano atrás: estão protestando contra a corrupção com a camisa da CBF? É o jeito mais torpe e covarde de tentar ficar bem na foto progressista. A mentira bem dissimulada é mais grave, assim como o bandido coitado é mais nocivo que o bandido bandido. O Brasil não está entregando o governo ao PMDB. O Brasil está tirando uma quadrilha do governo, absolutamente dentro da leia não ser que roubar a economia popular tenha deixado de ser crime. Tomem juízo e vergonha na cara, prezados arautos do golpe. Ou então assumam sua sociedade com a delinquência.

Quando Collor caiu, o país foi para as mãos do PMDB
. E Itamar Franco permitiu que Fernando Henrique regesse o projeto do Plano Real. Michel Temer terá a mesma possibilidade, se os bons ainda não tiverem desistido desse circo chamado Brasil.


Fonte: Guilherme Fiuza – Época