Impeachment não é golpe, mas pode
ser. O impedimento de um chefe de Estado faz parte do
presidencialismo, desde que sejam cumpridas todas as normas
constitucionais. Se fosse apenas por
causa de manifestações, ou baixa popularidade do chefe do executivo, seria
golpe. [se o chefe do executivo perde as
condições de governar – caso presente, em que Dilma não tem condições
políticas, intelectuais, éticas e econômicas
para governar – o impeachment é o mecanismo adequado para afastar o
primeiro mandatário.
Existe irresponsabilidade maior do
que insistir em permanecer presidente sem as menores condições para governar? É
lícito um governante permanecer, por mero capricho, ocupando uma cadeira,
quando é pacífico que cada dia de permanência naquele assento será pior para o
país.] Contra
Fernando Collor, foi o ato final de um julgamento no Congresso que o levou a
renunciar.
Como votou e se posicionou o PT
no Collor? Pela
saída do presidente. Ele foi golpista? Não, seguiu o entendimento majoritário,
ao fim da investigação, que mostrou recursos de origem escusa no pagamento das
contas pessoais do presidente, como na reforma da Casa da Dinda e outras
despesas. Não foi por um Fiat Elba. Foi
todo um conjunto de ilegalidades e uso de dinheiro do caixa de PC Farias.
O que fez o PT quando o
ex-presidente Fernando Henrique iniciou seu segundo mandato no meio de um desabamento da
aprovação por causa da crise cambial? Defendeu
oficialmente o impeachment do então presidente no “Fora FHC”. Isso é golpismo? Sim. Porque uma crise econômica,
como a que vivemos agora, não justifica o impedimento, apesar de a presidente Dilma estar fazendo o oposto do que disse na
campanha, num claro caso de estelionato eleitoral. Collor também disse que o seu adversário prenderia o
dinheiro da caderneta de poupança e foi ele que fez isso. Mas não foi o
desastrado Plano Collor, ou seja, o estelionato, que o derrubou.
Ninguém
falou de qualquer indício de dinheiro escuso nas contas pessoais da presidente,
e por isso a comparação com Collor não se coloca. Mas, sim, há ameaças sobre o governo Dilma. Empreiteiros investigados na
Operação Lava-Jato e outros envolvidos têm falado, em delações premiadas, de contribuições à sua campanha feitas para se
obter vantagens em contratos com a Petrobras. A maior parte desse dinheiro
foi entregue em doações declaradas.
Se restar provado
que a doação veio como parte do esquema do superfaturamento de obras e de
contratos da Petrobras, caberá à
Justiça decidir se a pena para o crime é a perda do mandato. Se forem
respeitados todos os procedimentos constitucionais, diante de provas, não será golpe, mas sim um processo
previsto em lei de impedimento de presidente. O
outro caminho sobre o qual o PSDB tem falado é o da reprovação das contas. Esse é bem mais discutível. O TCU tem nome de tribunal, mas não é.
Como todos sabem, ele faz parte da estrutura do poder legislativo e apenas dará
um parecer sobre as contas da presidente em 2014.
Os sinais apontados no relatório
preliminar do TCU são suficientemente fortes para que o parecer seja pela
rejeição. As pedaladas
fiscais chegaram a R$ 40 bilhões. As maquiagens e as ofensas contábeis foram
numerosas. Se tudo isso for
aceito pelo TCU, ele pode fechar as portas e cuidar da vida porque nunca mais vai dar parecer contrário a qualquer abuso
de chefe do executivo federal. Vai sempre fazer ressalvas que nunca
serão consideradas. Com isso, também, arquive-se
a Lei de Responsabilidade Fiscal, porque ela
estabelece claramente que bancos públicos não podem emprestar para seus
controladores, e aquelas operações são, de fato, operações de crédito. O
que o Congresso decidirá depois é imprevisível.
O presidencialismo prevê o
instituto do impeachment. No
parlamentarismo, a dissolução de um governo é mais simples. No
presidencialismo, é sempre traumático, mas não é golpe se seguir as
determinações constitucionais. A Presidência
não é invulnerável ao processo legal. Portanto, a presidente Dilma só
poderia dizer que seus adversários são “um
tanto golpistas” se tentarem apeá-la do poder sem o devido processo legal.
Na sua
entrevista à “Folha de S. Paulo”, a
presidente demonstra estar um tanto exasperada. Entende-se. Este está sendo um difícil começo de governo. Não por culpa
de terceiros, mas dela mesma, da política econômica que praticou no
mandato passado e da linha que adotou na campanha eleitoral de “desconstruir” adversários e mentir sobre a conjuntura. A verdade apareceu assim
que as urnas foram fechadas e, com isso, veio
o desabamento do seu apoio popular. Nestes primeiros seis meses, o governo pareceu perdido,
caótico e contraditório. A mais
importante defesa, no momento, seria a presidente governar. E isso não é
moleza.
Fonte: Coluna da Miriam Leitão – Globo On Line