No
dia 5 de abril de 2020, alegando razões sanitárias, o STF formou maioria
para aprovar decisão liminar do ministro Fachin determinando que,
durante a pandemia, a PM do Rio de Janeiro só realizasse operações nas
favelas em hipóteses absolutamente excepcionais. Como se policiais
fossem aos morros a passeio!
Deu no que se viu. O PSB destaca, em seu
site, o fato de ser autor da iniciativa, compartilhada com a Defensoria
Pública e entidades da sociedade civil (seja isso lá o que for).
A
partir de então, toda operação seria precedida de comunicação e
autorização do Ministério Público. Não, entre as condições não estavam
incluídos aviso prévio com foguetes e toques de recolher... [só que os vazamentos ocorriam, sem foguetes e toques de recolher, a bandidagem ficava sabendo da reali8zação de operações.]
As
consequências se fizeram nítidas para a sociedade do Rio de Janeiro. Em
tempos de trabalho por meio remoto, a atividade presencial da bandidagem
se intensificou.
É impossível medir a inteira extensão dos avanços
logísticos do crime organizado durante esse período em que contou com
uma espécie de passaporte diplomático.
Em operação
ocorrida no último dia 24, foram mortas cerca de 22 pessoas. Informada
da presença de lideranças do tráfico vindas de estados do nordeste, a PM
entrou na Vila Cruzeiro e foi recebida a tiros. Seguiu-se a habitual
gritaria da mídia e do mundo jurídico.
Tudo foi visto como se a ação,
para ser simétrica, devesse contabilizar vítimas em números
equivalentes.
No entanto, um lado arrisca a vida para defender a
sociedade por um salário magro; outro defende os ganhos fabulosos de sua
atividade criminosa contra a sociedade. Qual a simetria disso? [operação policial exitosa é a que só bandidos morrem; o importante é que todos os policiais envolvidos voltem sãos e salvos para suas casas. Em números, felizmente, não houve a simetria desejada por algumas autoridades que querem explicações das razões de não ter havido morte entre os policiais. Mas o resultado foi ÊXITO TOTAL e JUSTO, exatamente por só bandidos terem morrido.]
Diante da
algazarra, o Secretário da PM do Rio disse que a decisão do STF inibindo
as operações policiais durante longo período contribuiu para o
agravamento da situação.
Pôs o dedo na ferida aberta pela disparatada
decisão de 2020. Ouriçou-se o STF na sessão da última quinta feira.
Gilmar saiu-se com uma novidade que tem estado ausente em tantas
decisões da Corte: “Nós devemos contribuir para superação das crises e
não para apontar culpados e bodes expiatórios”.
Fux, que foi voto
vencido naquela reunião, tangenciou a questão afirmando que “a PM deve
satisfações e estou aguardando as satisfações”. O ministro Fachin
reverenciou a ética caseira – “mexeu com um mexeu com todos” –
agradecendo as manifestações dos colegas e afirmando que “o STF está
entre as instituições que procuram soluções”.
Só não ficou
claro, por ser difícil de explicar, que espécie de solução veio da
inusitada decisão que, em 2020, desguarneceu a sociedade, desestimulou a
atividade policial e consolidou ainda mais o poder do crime nos morros
do Rio de Janeiro. Pudera! Se é ruim de explicar, imagine a dificuldade
para entender. [Comentário: ao tempo que esperamos que a PM não tenha apresentado satisfações que não deve, recomendamos a leitura pelos ministros Fux e Fachin da presente matéria, na qual Percival Puggina, o articulista, explica com maestria o tema.]
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de
dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.