Denunciado pela Procuradoria da República e com pedido de prisão nas mãos de Sérgio Moro, o ex-presidente nunca esteve tão perto da cadeia
Nos últimos dias, o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva desabou. Não seria a primeira recaída desde o
início das investigações do Petrolão, responsáveis por tisnar sua imagem
de homem probo semeada desde os tempos do sindicalismo no ABC
Paulista. Mas ao contrário dos outros momentos de fragilidade, Lula
desta vez expôs um sentimento insólito a companheiros de longa data: o
de culpa. Pela primeira vez, pôs em xeque o próprio faro político –
considerado indefectível no seio do petismo. Em uma longa conversa, em
Brasília, com um amigo, o ex-presidente lamentou em tom de desabafo,
depois de fazer uma breve retrospectiva de sua vida pública: “Não me
perdôo por ter feito a escolha errada”. O petista se referia ao fato de
ter apostado todas suas fichas e ter feito de Dilma Rousseff sua
sucessora. O arrependimento, porém, tem pouco a ver com o desastre
político-econômico provocado pela gestão da pupila. Lula é um pote até
aqui de mágoas porque, em sua avaliação, ela nada fez para blindá-lo e o
seu partido das garras afiadas da Lava Jato.
''Não me perdôo por ter feito a escolha errada'' disse o ex-presidente Lula sobre Dilma
Para Lula, Dilma queria
entrar para a história como a presidente do combate à corrupção – mesmo
que, para isso, tivesse de sacrificar o próprio criador. Não logrou
êxito, e é isso que emputece Lula. Hoje, ambos rumam para um abraço de
afogados. Dilma está à beira de deixar o comando do País, alvo de um
processo de impeachment, e na iminência de ser investigada pelo crime de
obstrução de justiça – a solicitação, feita pelo procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, na semana passada, depende apenas do aval do
STF. Ele, Lula, enfrenta o mais tenebroso inverno de sua trajetória
pública. Atingido em cheio pela Lava Jato, o ex-presidente nunca esteve
tão próximo de voltar à cadeia. Em 1980, o então líder sindical foi
detido em sua residência pelo DOPS, a polícia política do regime
militar. Permaneceu preso por 31 dias, chegando a dividir cela com 18
pessoas. Agora, o risco de outra prisão – desta vez em tempos
democráticos e por um temporada provavelmente mais longa – é iminente. [pelos 31 dias presos Lula foi devidamente indenizado, não foi investigada a tentativa de estupro intentada por ele contra um colega de cela.
Agora será diferente: não vai haver indenização - caso saia vivo da cadeia, Lula sairá alquebrado, afinal já é um criminoso setentão.]
''Não me perdôo por ter feito a escolha errada'' disse o ex-presidente Lula sobre Dilma
São pelo menos sete frentes de investigação
contra Lula, na primeira instância e na Suprema Corte. Lula é acusado
de liderar o comando da quadrilha, que desviou milhões da Petrobrás,
participar da tentativa de comprar o silêncio do delator Nestor Cerveró,
ex-diretor da estatal, obstruir a Justiça ao ser nomeado na Casa Civil
para ganhar foro privilegiado, receber favores de empreiteiras ligadas
ao Petrolão em reforma de um sítio em Atibaia, frequentado pela família;
ocultar patrimônio e lavar dinheiro por meio de um apartamento tríplex
no Guarujá, – que Lula jura não ser dele – , e de receber dinheiro de
propina, por meio de empreiteiras, por palestras realizadas no Brasil e
no exterior.
Além disso, ele ainda pode ser encrencado
na Operação Zelotes, que apura suspeita de venda de medidas provisórias
com suposto beneficiamento de seu filho Luís Cláudio Lula da Silva. No
pedido para incluir Lula no chamado inquérito-mãe da Lava Jato, Janot
foi contundente ao dizer que o petista foi peça-chave no esquema: “Essa
organização criminosa jamais poderia ter funcionado por tantos anos e de
uma forma tão ampla e agressiva no âmbito do governo federal sem que o
ex-presidente Lula dela participasse”. O procurador-geral da República
também denunciou o ex-presidente, com base na delação do senador
Delcídio do Amaral, – revelada com exclusividade por ISTOÉ – por
participar da trama para tentar comprar o silêncio do Néstor Cerveró,
ex-diretor da Petrobras envolvido nas traficâncias da estatal. Um total
de R$ 250 mil teria sido repassado pelo filho do pecuarista e amigo do
ex-presidente, José Carlos Bumlai, Maurício Bumlai, para o advogado de
Cerveró.
A procuradoria identificou, entre outros elementos contra o
petista, um e-mail que comprova um agendamento de reunião entre Lula e
Delcídio no dia 8 de maio do ano passado no Instituto Lula, além de uma
passagem aérea provando que ele viajou naquela data. Disse Delcídio a
respeito do encontro: “Fui chamado por Lula, em meados de maio de 2015,
em São Paulo para tratar da necessidade de se evitar que Néstor Cerveró
fizesse acordo de colaboração premiada com o Ministério Público
Federal”, disse o parlamentar. Mas o que mais atormenta Lula é o pedido
formal de prisão preventiva, formulado pelo Ministério Público de São
Paulo no caso da compra do tríplex do Guarujá, hoje nas mãos do juiz
Sérgio Moro. Segundo apurou ISTOÉ junto a fontes da Lava Jato, Moro
aguarda apenas o afastamento de Dilma na quarta-feira 11 para se
debruçar sobre o pedido de prisão.
O juiz não queria analisar o caso antes do
encerramento do imbróglio jurídico envolvendo a nomeação de Lula no STF.
Com a saída de Dilma esta semana, o mandado de segurança em discussão
no Supremo perde objeto e o caminho para uma possível prisão de Lula
estará aberto. Caso seja novamente preso ou mesmo vire réu no Supremo,
algo inédito para uma figura política de sua estatura, os estragos
políticos serão irreparáveis. A mácula indelével abreviaria sua carreira
pública de maneira inequívoca e sepultaria eventuais chances de retorno
à Presidência em 2018. A morte política do seu maior líder decretaria o
fim do PT.
Os primeiros indícios do envolvimento do
ex-presidente Lula no Petrolão surgiram com os depoimentos do ex-diretor
de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto
Youssef. Após firmar acordo de colaboração com o Ministério Público
Federal no segundo semestre de 2014, Costa e Youssef detalharam aos
investigadores no Paraná como funcionava a quadrilha que agia na
estatal. Ambos fizeram menção a Lula, declarando acreditar que o Palácio
do Planalto, o que incluiria o ex-presidente, tinha conhecimento das
irregularidades. A dupla não dispunha de provas contra o petista, mas
forneceu informações cruciais para que a força-tarefa da Lava-Jato
avançasse sobre as empreiteiras envolvidas no escândalo. Batizada de
Juízo Final, essa fase da operação confirmou que as acusações de Costa e
Youssef procediam. Ao quebrar o sigilo da Camargo Corrêa, uma das
empreiteiras investigadas, as autoridades descobriram valores
significativos transferidos à LILS, a empresa da qual Lula é sócio e
pela qual promove suas palestras.
Outras construtoras envolvidas no
Petrolão também transferiram milhões de reais ao ex-presidente, um soma
superior a R$ 10 milhões entre 2011 e 2015. Embora o ex-presidente tenha
negado irregularidades nos valores recebidos das companhias, a Polícia
Federal e o Ministério Público passaram a esquadrinhar tais repasses.
Trabalham com a tese de que os valores recebidos por Lula seja dinheiro
de corrupção. Essa apuração está em curso tanto em Brasília quanto em
Curitiba. No Paraná, os investigadores estão fazendo uma comparação
entre os valores repassados pelas empreiteiras à LILS e pedindo para que
elas apresentem documentos que comprovem a realização das tais
palestras. A Andrade Gutierrez foi a única que conseguiu provar todas.
As outras empresas não foram bem sucedidas nesse intento. Entre as
pontas soltas está uma suposta apresentação do ex-presidente na
Venezuela, ainda sem comprovação, o que complica a defesa do petista.
À medida que as investigações avançam, o papel de Lula na organização
criminosa do Petrolão fica cada vez mais evidente para a
Procuradoria-Geral da República. No mensalão, o petista recorreu ao
mantra do “eu não sabia” para se dizer alheio ao que acontecia ao seu
redor. Agora, está claro que aquele era um apêndice do esquema de maior
capilaridade, desvendado pela Lava Jato. Ao dizer que o Petrolão não
poderia ter funcionado sem a participação decisiva de Lula, Janot uniu o
petista a dezenas de deputados e senadores que figuram na investigação
conhecida como “quadrilhão”, destinada a apurar o funcionamento da
engrenagem que desviou recursos da Petrobras. Em seu despacho, o
procurador-geral escreveu: “Embora afastado formalmente do governo, Lula
mantém o controle das decisões mais relevantes, inclusive no que
concerne às articulações espúrias para influenciar o andamento da Lava
Jato, à sua nomeação ao primeiro escalão, à articulação do PT com o
PMDB.” E continuou em outro trecho: “Já no âmbito dos membros do PT, os
novos elementos probatórios indicam uma atuação da organização criminosa
de forma verticalizada, com um alcance bem mais amplo do que se imagina
no início e com uma enorme concentração de poder nos chefes da
organização”.
Outra frente de problemas para o morubixaba
petista é a investigação sobre o sítio Santa Bárbara, em Atibaia, no
interior de São Paulo. Há fortes indícios de que as construtoras
Odebrecht e OAS pagaram pela reforma com dinheiro desviado da Petrobras,
configurando, nesse caso, crime de corrupção. O terreno está em nome de
dois sócios de Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, filho mais velho do
Lula. Há uma série de indicativos de que o verdadeiro dono seja o
ex-presidente. Conforme apurou ISTOÉ, a confirmação poderá vir da
delação premiada do executivo da Odebrecht, Alexandrino Alencar. No
roteiro da delação, Alexandrino prometeu entregar detalhes e provas que
incriminariam Lula. A expectativa é que os executivos da OAS também
colaborem sobre o mesmo tema.
Assim como o sítio de Atibaia, a
força-tarefa da Lava-Jato no Paraná analisa denúncia feita pelo
Ministério Público de São Paulo contra Lula no que concerne ao tríplex
no Guarujá. Os promotores acusam o petista de lavagem de dinheiro e
falsidade ideológica. Para a MP, a família Lula era a proprietária, de
fato, do imóvel. No papel, o apartamento pertence à empreiteira OAS,
envolvida no Petrolão. O MP desmontou os argumentos do ex-presidente de
que teria apenas uma cota de outra unidade no prédio. Entre as provas
apresentadas pelos promotores estão relatos de funcionários e
ex-moradores que confirmam que a ex-primeira-dama Marisa Letícia, Lula e
um dos filhos do casal vistoriaram as reformas do imóvel. Obras que
custaram mais de R$ 700 mil. Pagas pela OAS e feitas ao gosto da família
Lula. Chamou a atenção das autoridades que uma das visitas ao
apartamento foi acompanhada pelo presidente da OAS, Leo Pinheiro. O
executivo chegou a ser preso no Petrolão e negocia acordo de delação
premiada. O caso estava sob a responsabilidade da juíza Maria Priscilla
Ernandes, da 4ª Vara Criminal de São Paulo, mas na semana passada, o
inquérito foi remetido ao juiz Moro, incluindo o pedido de prisão
preventiva contra Lula formulado pelo MP paulista.
Um pedido como este nas mãos do ágil juiz Sérgio Moro era tudo o que o Dilma e Lula tentaram evitar a todo custo. A ponto de ensejar sobre eles uma possível investigação pelo crime de tentativa de obstrução do trabalho da Justiça. A linha de investigação leva em consideração o ato de nomeação do ex-presidente para a Casa Civil, iniciativa cujo único propósito foi o de livrar o petista da competência do juiz de Curitiba. Foi um duplo tiro no pé. Agora, além de Lula ser alvo de um pedido de investigação por tentar atrapalhar o trabalho da Justiça, crime tipificado na Constituição no inciso 5 do artigo 6º da Lei 1.079/1950, o destino político do ex-presidente está definitivamente nas mãos do seu principal algoz.
Fonte: Revista Isto É
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