Bolsonaro ficou de fora
Depois de
muitas cabeçadas, trombadas, idas e vindas, vindas e idas, na primeira semana
de fevereiro o novo governo começou a mostrar a que veio. Colocou na mesa
projetos arrojados de combate à corrupção e à criminalidade, reivindicados
pelos brasileiros que foram às urnas no ano passado, e da reforma da
Previdência, o mais necessário e polêmico de todos. Tudo certo, menos em um
detalhe: faltou o titular.
Internado
desde o dia 28 de janeiro para a reversão da colostomia a que foi forçado a se
submeter depois de ser golpeado por uma facada, há cinco meses, durante ato de campanha,
o presidente Jair Bolsonaro ficou de fora. Seu time não lhe reservou nem o
chute inicial do que pode ser o jogo definidor do sucesso ou fracasso de seu
governo. A
paternidade dos projetos contra a corrupção e o crime organizado é do ex-juiz
da Lava-Jato, ministro Sérgio Moro, que em apenas três dias apresentou a
proposta aos governadores, aos presidentes da Câmara e do Senado e aos líderes
políticos. Embora fiel ao patrão, Moro lançou um pacote com assinatura pessoal
e intransferível.
Até por
cordialidade – e isso em nada diminuiria o seu protagonismo -, Moro talvez
pudesse ter esperado o presidente sair do hospital. Ainda que sujeito a
críticas de imobilismo por parte da imprensa, o atraso de uma ou duas semanas
em nada mudaria o impacto ou a tramitação das medidas anunciadas enquanto a
febre do chefe aumentava. E daria a Bolsonaro a chancela da proposta com a qual
se comprometeu nas ruas e nas redes sociais.
Na
reforma da Previdência o processo se deu de forma mais dissimulada. As ideias –
algumas bastante inovadoras, como a do uso do FGTS para engordar a
capitalização individual – foram “oficialmente” vazadas para que bodes pudessem
entrar e sair da sala. No dia seguinte de o desenho da nova Previdência vir à
tona, o ministro Paulo Guedes fez o mundo saber que o projeto era assim, mas
não bem assim, ou que poderia ser algo parecido. E que tudo dependia do
presidente Bolsonaro.
Uma
pendência anunciada, mas não obedecida. Bolsonaro já havia demonstrado sua
resistência à idade limite idêntica para homens e mulheres. Chegou a pregar uma
reforma lenta e gradual. Mas para ele fazer valer o não gostar de uma ou outra
coisa terá de cassar a carta branca dada a seu Posto Ipiranga. Um danado de um
risco.
Ainda
assim, Guedes poderia ter feito um gesto em nome do pronto restabelecimento do
presidente e retardado por uns poucos dias o vazamento de itens de uma reforma
que se arrasta há anos. Escolheu não fazê-lo.
Dirão
alguns que os dois ministros queriam testar forças e poupar Bolsonaro do
desgaste que propostas dessa natureza suscitam. É fato. Mas o outro lado da
moeda é diabólico. Ainda que
o intuito possa ter sido resguardar o presidente – o que é pouco crível em se
tratando do ego das personas envolvidas -, a repentina pressa para debater
projetos cruciais para o país exatamente na semana de convalescença do
presidente incentiva intrigas e deixa brechas para elucubrações. Não por outro
motivo proliferam ensandecidas teorias de conspiração como as que, com aval da
prole do presidente, passaram a assombrar o vice Hamilton Mourão.
Dão
margem ainda a pensamentos confessáveis ou não de gente chegada ao governo que
viu na internação do presidente uma oportunidade para colocar em debate as
propostas sérias. Nesse grupo estão os que consideram mais prudente deixar
economia e segurança nas mãos das estrelas maiores, reservando a “banda b” do
governo ao presidente, que continuaria a travar – preferencialmente via Twitter
– os embates ideológicos em prol do extremismo conservador. E, assim, manter
uma galera fidelizada.
Uma
hospitalização mais longa do que a prevista desenhou uma situação inusitada. O
governo Bolsonaro começou, ele não.