Revista Oeste
O que Tite, técnico da Seleção Brasileira de Futebol, fez depois da eliminação do Brasil para a Croácia é o degrau mais baixo que um técnico ou dirigente pode cruzar
Pela imensa força e capacidade do esporte de propagar mensagens, geralmente de união e tolerância, competições e atletas não ficam imunes de serem usados como veículos para pautas políticas e ideológicas. Infelizmente, nos últimos anos, atletas consagrados também se tornaram alvos de ódio e intolerância exatamente por expressarem suas escolhas políticas. É claro que é preciso fazer uma distinção óbvia entre o direito de qualquer esportista de se manifestar politicamente, o que todos têm direito de fazer (e sou a primeira a apoiar), e a invasão de agendas político-partidárias em competições esportivas, dividindo um espaço reservado para a união de atletas, torcedores, culturas, povos e nações.
Mesmo em um clima de alta competição, o esporte — especialmente nos Jogos Olímpicos e na Copa do Mundo — sempre semeou um campo onde as diferenças, além das esportivas, não brotavam. Qualquer desavença política sempre foi tratada como apenas um figurante que mal aparece em um filme bom. Roteiro que, de quatro em quatro anos, sempre deixa histórias de superação e enredos dramáticos de derrotas e vitórias espetaculares. Inimigos geopolíticos dão ao mundo esperanças de paz durante as semanas de competição — como uma trégua. O espírito e o orgulho que podem levar a tantas guerras também podem semear a paz. Mas o que mudou nos últimos anos? Infelizmente, algo vem atingindo a alma do esporte, dentro e fora das arenas esportivas. E isso vem sendo demonstrado da maneira mais estúpida possível, por uma sociedade repleta de personalidades imaturas, afetadas e hedonistas.
Depois de alguns ciclos políticos que trouxeram não apenas a banalização da história — com o politicamente correto tomando conta de cada palavra, cada uniforme, cada gesto —, a ressaca desse movimento em que há a politização de tudo é a mediocrização da espinha dorsal do esporte. Nada mais importa: competição, histórias de superação, união entre as nações e também dentro dos países entre correntes de diferentes pensamentos — tudo jogado no lixo para dar espaço à sinalização de virtude, ao politicamente correto e agora ao ataque a atletas por suas escolhas políticas. Repórteres esportivos — correspondentes nessas competições — acham necessário dar opiniões sobre política também. O esporte já dava sinais que não ia escapar à “idiotização” política, com frases repetidas como papagaios e atletas de importantes campeonatos, como a NBA e NFL, se ajoelhando para a palhaçada do politicamente correto e para os sequestradores de almas que precisam entrar em algum balaio coletivista por afirmação.
Mas a imbecilidade e a imaturidade dos idolatrados e dos endinheirados que jogam todas as baboseiras politicamente corretas no terreno sadio do esporte não ficaram restritas apenas a esses milionários atletas. A imprensa e os torcedores esportivos resolveram atuar no campo da política até quando opiniões são dadas fora das arenas. A Copa do Mundo deste ano foi um exemplo disso.
Na vitória da Seleção Brasileira contra a da Sérvia, por 2 a 0, a atuação de Richarlison, autor dos dois gols brasileiros, foi celebrada por petistas, já que o atacante faz coro com algumas políticas defendidas pelo PT e seus partidos satélites e é chamado de “progressista”. Durante a partida, Neymar sofreu uma lesão no tornozelo e deixou o jogo chorando. Por declarar apoio ao presidente Jair Bolsonaro, petistas e apoiadores do ex-presidiário Lula ironizaram e comemoraram a saída do jogador do PSG, fazendo o que de melhor faz a turma do “mais amor”: odiar.
Machucou, agorinha! Tava andando e colocou a mão na perna! Agora, agorinha!
— André Janones (@AndreJanonesAdv) November 24, 2022
Do campeão de fake news na campanha presidencial, André Janones, à presidente do PT, Gleisi Hoffman, todos fizeram piada com a lesão de Neymar, que o tirou do jogo. Em seu perfil no Twitter, o deputado escreveu: “Machucou, agorinha! Tava andando e colocou a mão na perna! Agora, agorinha!”. No intervalo do jogo, a presidente da facção de Lula foi questionada sobre Neymar e disse: “Nem vi ele (sic) no jogo”. Ao término da partida, ao ser perguntada novamente por jornalistas sobre a saída do jogador, disse em tom de deboche: “Foi tarde”.
Casemiro, um dos líderes da equipe, ressaltou sua decepção com o fato de que, nas redes sociais, diversas pessoas chegaram a celebrar a lesão do camisa 10. “Infelizmente, a vida tem dessas coisas. Isso é muito grave e ficamos tristes. O Neymar não merece isso.” Em apoio a Neymar, o ex-jogador Ronaldo Fenômeno divulgou uma carta condenando a covardia e a maldade daqueles que debocharam da lesão do atacante. Em sua publicação no Instagram, Ronaldo pediu para Neymar não exaltar “os covardes e os invejosos”. “A que ponto chegamos?”, escreveu Ronaldo. “Que mundo é esse? Que mensagem estamos passando para os nossos jovens? Vai sempre existir gente torcendo contra, mas é triste ver a sociedade num caminho de banalização da intolerância, de normalização dos discursos de ódio”:
Moriyasu foi até a torcida, agradeceu com o tradicional gesto japonês, voltou ao meio do campo, falou com o grupo de jogadores que estava unido em um círculo, e depois cumprimentou cada um dos jogadores com lágrimas e gratidão nos olhos
Em Atlanta, podemos dizer que, apesar da amarga derrota, saímos com uma vitória. No entanto, os incontáveis momentos de fracassos e lágrimas ao longo de todos os anos dedicados ao esporte são muito mais constantes do que os troféus e as medalhas. E é ali, em tantos caminhos trilhados por frustrações e tristeza que encontramos lições que carregamos para absolutamente todas as outras áreas da vida pessoal e profissional, seja qual for o novo campo de atuação depois da carreira de atleta. Há imensas lições no esporte. E há imensas lições através das pessoas que estão no esporte com você. Há lembranças e lições de vitórias espetaculares, cenas que, de tempos em tempos, cruzam a mente, principalmente quando ouvimos nosso Hino Nacional. No entanto, as melhores ferramentas às quais somos expostos ao longo de toda uma jornada de horas, dias e anos são colhidas nos tropeços, na humilhação, na incredulidade de acontecimentos que você jamais imaginou que chegariam até você. E é aqui, exatamente aqui, que você aprende; vendo com os seus próprios olhos e sentindo na própria pele quem é técnico e quem é líder.
As memórias que tenho de algumas derrotas são perturbadoras até hoje. Mas elas mantêm meus pés no chão e a cabeça lúcida quando a neblina insiste em embaçar a visão. A dor diante de absolutos fracassos ressurge em frutos ao longo dos anos na forma de pragmatismo, avaliação, autocontrole, mais dedicação e lealdade — uma lealdade digna de filmes de guerra. Atletas têm mania de ver lições em quase tudo, nada é descartado e, mesmo diante de uma Copa do Mundo atípica, devido ao importante momento político no Brasil com o grave cenário de ruptura constitucional promovida pelo STF, a desclassificação do Brasil nos deixa lições. Lições para nosso esporte, para a nossa vida pessoal e profissional, para nossa capenga política e seus peões, para magistrados, para qualquer um que queira fazer diferença em nossa sociedade.
O abandono de campo — e de seus jogadores ainda em campo — foi de uma covardia difícil de engolir, mais até que a derrota em si. Não vou entrar no mérito técnico da partida ou dos pênaltis, não sou expert em futebol e não tenho problemas em assumir isso, mas o Brasil, apesar de brilhantes jogadores, perdeu para um técnico arrogante e covarde. O esporte não premia covardes — vencer não é o mesmo que ser premiado. Comandar não é o mesmo que liderar. A covardia é repugnante, abjeta e inesquecível. E é exatamente nas derrotas que os covardes mais aparecem.
Aos meninos do Brasil: valeu, meninos! Valeu, Neymar. Vocês lutaram como puderam, mesmo sem um comando digno da entrega de vocês. Ao Brasil e seus agentes políticos, uma das muitas frases dos inspiradores discursos de Ronald Reagan, 40º presidente norte-americano: “O maior líder não é necessariamente aquele que faz as maiores coisas. Ele é quem leva as pessoas a fazerem as maiores coisas”.