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quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

A geração dos fones de ouvido - Percival Puggina

         Há poucos dias fiz aniversário. 
Embora costume brincar sobre o tema da minha idade dizendo que tenho 79 anos, mas "de banho tomado fico como novo", o fato é que algumas coisas mudaram na percepção que tenho da minha realidade existencial. Assim: quando eu era jovem, o futuro ficava num horizonte móvel. Ele se ampliava e se distanciava a cada passo dado. Agora, eu o percebo fixo. 
A distância entre mim e ele encurta a cada velinha soprada. 
 
Um dos fascínios da vida, aqui de onde eu a vejo, é a possibilidade de ouvir o que os jovens falam e o que alguns dizem aos jovens. 
Nessa tarefa instigante de ouvir, comparar e meditar, volta e meia me deparo com a afirmação de que os anos 60 e 70 produziram uma geração de jovens alienados. 
Milhões de brasileiros teriam sido ideologicamente castrados em virtude das restrições impostas pelos governos militares que regeram o Brasil naquele período. Opa, senhores! Estão falando da minha geração. Esse período eu vivi e as coisas não se passaram deste modo.
 
Bem ao contrário. Mesmo num contexto pouco propício, nós, os jovens daquelas duas décadas, éramos politizados dos sapatos às abundantes melenas
Ou se defendia o comunismo ou se era contra o comunismo. Os muitos centros de representação de alunos eram disputados palmo a palmo. Alienados, nós? A alienação sequer era tolerada na minha geração! 
Havia passeata por qualquer coisa, em protesto por tudo e por nada.
Certa ocasião participei de um protesto contra o preço de feijão e durante alguns dias usei um grão desse cereal preso à lapela.
 
Surgiu, inclusive, uma figura estapafúrdia - a greve de apoio, a greve a favor. É, sim senhor
Os estudantes brasileiros dos anos 70 entravam em greve por motivos que iam da Guerra do Vietnã à solidariedade às reivindicações de trabalhadores. 
Havia movimentos políticos organizados e eles polarizavam as disputas pelo comando da representação estudantil.
O Colégio Júlio de Castilhos foi uma usina onde se forjaram importantes lideranças do Rio Grande do Sul. 
As assembleias estudantis e os concursos de declamação e de retórica preparavam a moçada para as artes e manhas do debate político. 
Na universidade, posteriormente, ampliava-se o vigor das atuações. 
O que hoje seria impensável - uma corrida de jovens às bancas para comprar jornal -, era o que acontecia a cada edição semanal de O Pasquim, jornal de oposição ao regime, que passava de mão em mão até ficar imprestável.
 
Agora, vamos falar de alienação. Compare o que descrevi acima com o que observa na atenção dos jovens de hoje às muitas pautas da política, da economia e da sociedade. 
Hum?  E olhe que não estou falando de participação. Estou falando apenas de atenção, tentativa de compreensão. 
Nada! As disputas pelo comando dos diretórios e centros acadêmicos, numa demonstração de absoluto desinteresse, mobilizam parcela ínfima dos alunos. 
Claro que há exceções nesse cenário de robotização. Mas o contraste que proporcionam permite ver o quanto é extensa a alienação política da nossa juventude num período em que as franquias democráticas vão ficando indisponíveis à dimensão cívica dos indivíduos.
 
Em meio às intoleráveis dificuldades impostas à liberdade de expressão nos anos 60 e 70, a juventude daquela época viveu um engajamento que hoje não se observa em quaisquer faixas etárias. 
Nada representa melhor a apatia política da juventude brasileira na Era Lula do que os fones de ouvido.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

sábado, 12 de janeiro de 2019

Charada em construção

Profissões inteiras vão se tornando obsoletas por conta dos avanços da inteligência artificial, da impressão em 3D, da robotização e outras mudanças

(Publicado na edição impressa de VEJA)

As coisas seriam relativamente simples no Brasil se todas as preocupações, dúvidas e problemas a resolver se resumissem ao novo governo do presidente Jair Bolsonaro. Mas aí é que está: a vida nem sempre nos dá a oportunidade de lidar só com uma questão de cada vez. Além de tudo o que precisa dar certo aqui dentro, hoje em dia é preciso encarar, também, uma quantidade ainda maior de coisas que têm de dar certo lá fora – e essas coisas, positivamente, não parecem estar a caminho de acabar bem. Trata-se das exigências do “novo pensamento mundial”, ou do “globalismo”, ou alguma outra combinação de palavras parecida – uma espécie de consenso ainda frouxo, mas cada vez mais ativo, que vai se criando na elite europeia e americana sobre como o planeta deveria ser ordenado daqui para frente.

A nova ordem que prescrevem para o mundo vai mal, e nem daria mesmo para esperar que fosse bem, levando-se em conta que inclui praticamente tudo o que deveria estar indo melhor com a humanidade. Mas a complicação realmente não parece estar na quantidade de problemas existentes. Parece, isso sim, estar na qualidade geral das soluções com as quais se pretende tornar o mundo e o homem melhores do que são hoje.

É uma sinuca, no caso particular do Brasil deste momento. O governo Bolsonaro, definitivamente, se declara disposto a fazer o contrário do que o pensamento mundial recomenda para resolver os problemas do universo. Do outro lado, o consenso ora em formação entre os intelectuais, burocratas, governantes e outros “influenciadores” da vida diária do primeiro mundo demonstra um aberto horror a tudo o que o governo brasileiro imagina que vai fazer nos próximos quatro anos. De Bolsonaro já sabemos o que é preciso saber. Do outro lado, porém, o que existe é uma charada em construção. Quando você começa a achar que entendeu alguma coisa na lista de deveres a ser obedecida hoje por pessoas e nações, os deveres mudam, ou entram em choque entre si, ou exigem ações que você não sabe como executar, ou sequer imagina como podem ser executadas. É mais ou menos natural, porque os propositores do novo pensamento não sabem direito, eles próprios, o que querem. 

Nem todos querem as mesmas coisas. A maioria não calcula direito as consequências das propostas que fazem. Acreditam-se capazes de organizar fatos que estão acima e além do seu controle. Não seguem, no fundo, uma ideologia, mesmo porque ainda não se identificou nenhuma ideia de verdade em nada do que prescrevem para o bem geral. Há apenas uma tumultuada coleção de desejos – e a exigência de que sejam removidas do mundo, em geral por atos do governo, todas as situações de frustração, carência e ressentimento que hoje incomodam as consciências.

Não é fácil enxergar com clareza no meio desse nevoeiro. Dá para dizer, em todo caso, que o grande traço de união entre as diversas seitas do novo pensamento é a certeza de que a mãe de todos os pecados do mundo de hoje é a falta de igualdade – tanto entre as pessoas, individualmente, quanto entre as nações. Tudo que há de errado na vida atual se deve, de uma forma ou de outra, à desigualdade; por via de consequência, de acordo com as crenças básicas do consenso mundial que está se formando no mundo rico, a redução ou a eliminação das diferenças levará à solução de todos os problemas que estão aí e não sabemos como resolver – dos quebra-quebras em Paris ao derretimento das geleiras no sul da Patagônia. Quase tudo pode entrar na lista. Guerras tribais na África, massacres de civis na Síria ou a fome no Congo não têm, por exemplo, nenhuma relação com as forças e governos que provocam essas desgraças. São, pelo novo sistema de pensar o universo, resultado da desigualdade e, portanto, têm de ser curadas com mais igualdade. Imigração ilegal em massa para os países bem sucedidos? Escassez de água? Emissões de carbono? É tudo mais ou menos a mesma coisa. Se o mundo fosse mais igual, nada disso existiria.

Como muito pouca gente está disposta a argumentar em favor da desigualdade, basicamente lembrando que esforços desiguais devem resultar em recompensas diferentes, nada mais fácil hoje em dia do que encontrar combatentes da igualdade. Estão por toda a parte. Em geral, acham que a redução do número de pobres se fará através da redução do número de ricos, e nunca da criação de riqueza entre os pobres. Têm uma mal definida hostilidade ao progresso, visto que o progresso não conseguiu eliminar a desigualdade; acham que mais eletricidade ou mais estradas, por exemplo, trazem benefícios desiguais, e portanto são desaconselháveis, sobretudo quando você já tem as duas.

O novo pensamento não gosta da ciência – não admite mais pesquisas e investigações sobre fenômenos considerados fatos já definitivos pelas suas crenças, como o aquecimento global ou a destruição das florestas brasileiras. Não gosta de religião, a não ser do islamismo, que deve ter estímulo, inclusive oficial, para se propagar nos países cristãos do primeiro mundo e aumentar com isso os índices de igualdade religiosa. Não gosta de hábitos nacionais; a grande virtude de hoje é a “diversidade cultural”, que torna um país tanto mais correto quanto mais ele substituir sua cultura pela cultura de outros países. Não gosta das liberdades individuais. Naturalmente, há um declarado horror pelo “agronegócio”, que, segundo a sabedoria predominante, destrói a natureza, produz carne de boi e faz muita gente ganhar dinheiro.

O New York Times e outros centros da nova inteligência mundial estão convencidos, por exemplo, que praticamente toda a produção da agricultura brasileira poderia ser substituída no futuro, e com vantagens, pelo consumo de insetos, capazes de fornecer todos os nutrientes necessários ao organismo humano. Com isso, seria possível eliminar fazendas nocivas ao meio ambiente, que hoje desperdiçam com a produção de alimentos terras que deveriam estar destinadas à florestas. Além disso, utilizam “agrotóxicos” e, eventualmente, perturbam a vida indígena. É mais ou menos a mesma visão que atribui aos “direitos dos animais” importância equivalente aos direitos humanos – isso para não falar nos direitos dos vegetais e da camada de gelo do Polo Norte. De modo geral, consideram a sobrevivência do meio ambiente mais importante que a sobrevivência das pessoas de carne e osso. Numa espécie de cavalo-de-pau filosófico, acham natural que os recursos naturais não devam ser utilizados em favor do bem estar humano; ao contrário, estão convencidos que é obrigação do homem e dos governos não tocar em nada que esteja presente na natureza.

Nada disso parece ter alguma coisa diretamente relacionada com a redução das desigualdades – mas o fato é que todas essas crenças, de um modo ou de outro, são apresentados como parte do mesmo pacote de salvação do mundo que vai sendo embrulhado hoje em dia por funcionários de burocracias como a ONU, Comissão Europeia e outros organismos internacionais, governos de países ricos, universidades do primeiro mundo, a mídia em geral, o cantor Bono Vox e por aí afora. Como de costume, as dificuldades mais complicadas que a construção da igualdade enfrenta estão nas suas incompatibilidades com o mundo real. Desde o início, o movimento parece cada vez mais tentado a aceitar a ideia de que é possível obter o bem estar independente do trabalho. Há bem estar na Alemanha, por exemplo, e miséria na África? A solução é abrir a Alemanha à imigração dos africanos – onde se espera que passem a desfrutar da mesma prosperidade sem ter feito os últimos 100 anos de trabalho que os alemães fizeram para chegar até onde estão hoje. É essa, por sinal, a grande ideia que sustentou a aprovação do recente acordo internacional declarando que todos os habitantes do planeta têm agora o direito legal de imigrarem para o país que quiserem.

Pouca ou nenhuma atenção é dedicada nisso tudo à criação de mecanismos de produção capazes de gerar as riquezas a serem distribuídas para eliminar a desigualdade. Distribuir a fortuna dos ricos parece ser uma ótima ideia até você ver que só dá para fazer essa distribuição uma vez – depois que é consumida a riqueza acaba, e é preciso criar outra em seu lugar, para continuar havendo alguma coisa a distribuir. Não está claro quem vai ficar encarregado dessa tarefa. Outro problema é a tecnologia – quanto mais progresso se cria, mais se aumenta a desigualdade, e a menos que se declare uma moratória no avanço tecnológico o futuro promete a multiplicação acelerada de desiguais. Hoje as revoluções industriais se sucedem mais de pressa que as fases da Lava Jato; na verdade, ninguém sabe direito em qual revolução, exatamente, estamos hoje. Quarta? Quinta?

O certo é que a cada avanço mais gente se vê excluída dos benefícios do progresso; nem todos têm capacidade para ocupar um emprego no Silicon Valley ou seus equivalentes através do mundo. Os que não têm cacife para isso se veem, cada vez mais, relegados às ocupações menos atraentes, mais frustrantes, pior remuneradas. Profissões inteiras vão se tornando obsoletas, por conta dos avanços da inteligência artificial, da impressão em terceira dimensão, da robotização e outras mudanças desagregadoras do mundo profissional como ele é hoje. Para que pilotos de jato se os aviões voarão sozinhos, e com muito maior segurança, de Nova York a Tóquio? Para que médicos, se o computador vai fazer um transplante de coração melhor do que eles? Para que o marceneiro, se a impressão em 3D lhe entrega sua cadeira pronta e sem defeito nenhum?

É um mundo no qual só as pessoas com alto grau de conhecimento serão realmente cidadãos de primeira classe. Por mais que as leis digam que todos são iguais, e por mais que as elites pensantes escrevam programas estabelecendo regras de igualdade, as diferenças estarão cada vez mais evidentes. É para essas realidades que o Brasil tem de se preparar. Será preciso, nesta caminhada, contar com ideias muito melhores do que as que apareceram até agora.

J R Guzzo - Publicado na Edição Impressa de Veja  
Edição da semana 2617 16/01/2019 
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