Na semana passada, a prova do domínio corporativo do Estado veio na forma de um conchavo entre o Supremo Tribunal Federal e a Presidência da República
Não existe a mais remota dúvida de que as corporações estatais capturaram o Erário brasileiro, transformando o Orçamento público em refém de seus interesses, e dele vivem a extrair rendas adicionais, em prejuízo escancarado dos demais cidadãos e contribuintes. Na semana passada, a prova do domínio corporativo do Estado veio na forma de um conchavo entre o Supremo Tribunal Federal e a Presidência da República.
BALÉ DO COFRE - Eunício (à esq.) pôs em votação o reajuste, Temer (à
dir.) o sancionou e Fux cassou a liminar: tudo teatro (Cristiano
Mariz/VEJA)
O caso chama atenção por envolver a alta cúpula — a mais alta cúpula — de dois poderes da República, o Judiciário e o Executivo. Na verdade, são três poderes, pois o reajuste salarial foi aprovado há três semanas pelo voto da maioria do Senado, que, sob o comando do senador Eunício Oliveira (MDB-CE), alegremente entendeu que, diante do descalabro das contas públicas, um rombo a mais ou a menos não faria diferença. Pois, além de envolver a cúpula dos três poderes nacionais, o caso ainda chama atenção pela naturalidade com que transcorreu, como se fosse uma transação da mais absoluta normalidade, coisa corriqueira, quando, na verdade, é um escárnio intolerável.
Qual a receita dos magistrados para arrancar um aumento num país em calamidade fiscal e com 12 milhões de desempregados? Primeiro, o ministro Luiz Fux estende o auxílio-moradia a todos os juízes, incluindo aqueles que são donos de imóvel na cidade onde trabalham. Depois, fica-se quatro anos sentado em cima da decisão de Fux, com os juízes recebendo o auxílio-moradia todos os meses, os cofres públicos sangrando, até que se encontre um meio de perpetuar o pagamento do tal auxílio. Por fim, aproveita-se um presidente sob investigação de corrupção, abertamente necessitado dos préstimos da Justiça, e negocia-se com ele a sanção de um aumento de 5 500 reais em troca da revogação do auxílio de 4 400.
[um mero detalhe: a revogação só entra em vigor - em outras palavras, só sai dos contracheques dos beneficiários - quando o aumento se somar ao total dos vencimentos dos favorecidos;
enquanto isso não ocorre, vale continua sendo pago o auxílio-moradia, havendo sempre o risco de um esquecimento.]
E pronto.
Publicado em VEJA de 5 de dezembro de 2018, edição nº 2611