É uma pena que o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha
tido que rever uma decisão que já havia obtido a maioria dos votos,
para debelar uma crise institucional que só aconteceu porque o
presidente do Senado, Renan Calheiros, transformou um caso pessoal em
disputa de Poderes, como se ele sozinho fosse o Senado. [ao contrariar a Lei nº 9.882, o ministro Marco Aurélio também agiu como se ele sozinho fosse a MAIORIA ABSOLUTA do STF. ]
Com o resultado do julgamento de ontem da liminar do ministro
Marco Aurélio, que o afastava da presidência do Senado por ter se
tornado réu de um processo no próprio STF, o senador Renan Calheiros tem
sobejas razões para considerar-se acima da lei. Desacatou o Supremo ao
recusar-se a receber a intimação do oficial de Justiça, e ainda foi
mantido no cargo por uma maioria refeita às pressas para evitar que a
crise se alastrasse.
A incoerência das duas votações, uma a 3 de novembro, a outra
ontem, por si só mostra quão difícil deve ter sido organizar essa nova
maioria. Ela foi formada por três votos dados pela primeira vez – Carmem
Lucia, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli – e três dos ministros
reformularam seus votos, a começar pelo decano Celso de Mello, que teve
papel preponderante nos dois julgamentos. No primeiro, fez questão
de dar seu voto mesmo após Toffoli pedir vista do processo. Com a
decisão, Celso de Mello parecia querer dar a maioria à tese de que um
réu não pode ficar na linha de substituição do presidente da República,
neutralizando o pedido de “vista obstrutiva” de Toffoli.
Mas ontem ele retificou parte do voto proferido no julgamento de
mérito da ADPF 402, alegando que constatou ao ler “o voto escrito do
relator”, que em suas conclusões Marco Aurélio Mello “foi além da
compreensão que tive.". Ontem ele também votou fora de hora, sendo o
primeiro em vez de o último, como a indicar a seus pares o caminho a
seguir.
Disse ele: “Os agentes públicos que detêm as titularidades
funcionais que os habilitam constitucionalmente a substituir o chefe do
Poder Executivo da União, em caráter eventual, caso tornados réus
criminais perante esta Corte, não ficarão afastados ipso facto dos
cargos de direção que exercem na Câmara dos Deputados, ou no Senado
Federal, ou no Supremo Tribunal Federal. Apenas sofrerão interdição para
exercício do ofício eventual e temporário de presidente da República.”
Mais dois ministros mudaram seus votos, reduzindo a maioria
anterior aos três que repetiram ontem a posição anterior: o relator
Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Luis Fachin. Teori Zavascki mostrou-se
preocupado com as consequências políticas da decisão: “Em nada
contribui para um julgamento sereno e seguro a manutenção de um cenário
político tenso, que propicia críticas pejorativas de caráter pessoal”.
Luiz
Fux, que votara a favor da tese que um réu não pode estar na linha de
substituição, considerara que a própria Constituição estabelece regras
que resguardam a dignidade e a moralidade do cargo de presidente da
República. Ontem, mudou o entendimento, ressaltando a questão política:
“Não teríamos o mais tênue temor, estamos agindo com responsabilidade
política que nos impõe. […] Não há na Constituição Federal a previsão de
que recebida a denúncia o presidente do Senado ou da Câmara deva ser
afastado. Podemos construir esse afastamento por analogia com o que a
Constituição prevê para o presidente da República. Mas o periculum in
mora (perigo de demora na decisão) é inverso”.
É verdade que até o final do julgamento os ministros podem mudar
seus votos, e o da ADPF 402 não terminou pois Toffoli pediu vista e
ainda não liberou o processo ao plenário. Mas o que houve ontem foi, a
meu ver, um entendimento equivocado de construção de acordo político
para garantir a governabilidade.
O STF deveria ter mantido sua coerência, evitando a insegurança
jurídica que uma mudança de tal dimensão em questão de dias provoca.
Além do que já havia jurisprudência firmada, mais radical ainda, com o
afastamento do deputado Eduardo Cunha não apenas da presidência da
Câmara como do mandato parlamentar. O Supremo, na pessoa de seu então presidente Ricardo Lewandowski, que
já havia dado uma interpretação criativa ao impeachment da então
presidente Dilma, livrando-a da perda de direitos políticos, ontem fez a
mesma coisa em relação ao senador Renan Calheiros, fatiando a pessoa
dele do presidente do Senado.
A sensação de que houve um acordo para acalmar a reação do Senado
é inevitável, depois que os ministros do STF reuniram-se com o
vice-presidente do Senado, Jorge Vianna. O próprio Renan antecipou para
quem quisesse ouvir qual seria a decisão do plenário do STF já na noite
de terça-feira. Na manhã de ontem, já se sabia até mesmo que Celso de
Mello daria o primeiro voto.
Fonte: Merval Pereira - O Globo
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quinta-feira, 8 de dezembro de 2016
Renan, o intocável
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