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quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Gestores da calamidade - O Estado de S. Paulo

J R Guzzo

Desde o início da pandemia, a educação pública em São Paulo vem sendo dirigida por sindicatos de professores, médicos oficiais e um consórcio de burocratas e políticos

São Paulo está entrando no segundo ano seguido com as suas escolas basicamente fechadas; elas até podem funcionar, mas só com 35% da sua capacidade e de forma “híbrida”, como dizem os gestores dessa calamidade. Para dois terços dos alunos, aulas “presenciais o único tipo de aula que existe na vida realcontinuam proibidas.  
Os alunos devem ficar sentados em casa na frente dos computadores e, como no ano passado, fazer seus cursos online; no fim do ano serão de novo aprovados para a série seguinte, mesmo que tenham aprendido o equivalente a três vezes zero.

O anúncio foi feito com a naturalidade com que se anuncia os horários de funcionamento para os shopping centers, os borracheiros ou os parques aquáticos. “Qual é o problema?”, perguntam os responsáveis pela decisão. Qualquer coisa, é só procurar o serviço de atendimento digital que está aí para resolver as emergências. Todos eles, ali, vivem num mundo onde tudo se resolve online, no home office e no delivery; não há, para os habitantes dessa bolha, a necessidade de uma vida fora de “casa”.

A pergunta mais sensata que se poderia fazer diante disso tudo é a seguinte: “Os médicos, os professores e as autoridades enlouqueceram?” Não bastou, pelo jeito, manter as escolas fechadas durante o ano de 2020 inteiro; querem dobrar a aposta e repetir a dose em 2021. E depois, se a mídia continuar anunciando 1.000 mortes de covid por dia? As aulas “presenciais” serão suspensas por um terceiro ano consecutivo? E depois? E no ano seguinte?

Nunca, em nenhuma hipótese, os que resolvem essas coisas levam em conta que o mundo desenvolvido, onde os índices da educação pública são umas 150 vezes melhores que os do Brasil, fez questão de manter as escolas abertas durante a maior parte do ano letivo de 2020. Não dá para dizer que a covid esteja sendo mais camarada por lá. 
Ao contrário: Itália, Inglaterra, França, Espanha, Suécia, Estados Unidos e outros tantos países têm mais mortes que o Brasil por grupos de 1 milhão de habitantes. 

Também não é uma boa ideia perguntar aos gestores da covid qual a sugestão que eles fazem para os milhões de alunos que não dispõem de computadores, nem de pais com tempo livre para ficarem acompanhando as lições ao seu lado. Muitos, nos fins de mundo à beira do Rodoanel e outras quebradas, não têm nem escolas; imagine-se, então, escolas online. A qualquer observação desse tipo, os que mantêm as salas de aula fechadas vêm com uma resposta automática: “Negacionismo”.

Desde o início da pandemia, a educação pública em São Paulo vem sendo dirigida por sindicatos de professores, médicos oficiais e um consórcio de burocratas e políticos com a colaboração de muitos grupos de pais de alunos e outros crentes do “distanciamento social”. As autoridades que assinam atos administrativos e aparecem nas entrevistas coletivas foram atropeladas; suas declarações são, na maior parte do tempo, apenas um reflexo das forças que estão realmente tomando as decisões. Vai ser difícil mudar isso.

JR Guzzo, jornalista - Coluna O Estado de S. Paulo - 27 janeiro 2021


segunda-feira, 30 de março de 2020

Opção Safada - J. R. Guzzo

O Estado de S. Paulo 


Nosso pior problema de Saúde Pública não é o coronavírus, é o SUS

Numa coisa dá para se ter confiança de 100% no Brasil: todo o mal que vem de fora sempre pode ser piorado assim que entra aqui. O coronavírus, por exemplo. Embora o seu grau de mortalidade seja baixo, comparado com assassinos desvairados como o H1N1, poucos organismos conhecidos pela biologia se espalham com tanta rapidez. (O H1N1, que apareceu em 2009, contagiou 760 milhões de pessoas em todo o mundo e matou quase 300.000. No Brasil o bicho ainda continuava matando em 2019: foram mais 780 mortos). Mas nem o coronavírus, com toda a sua rapidez, consegue contagiar um país com a velocidade com que a hipocrisia, a mentira e a capacidade de fazer política suja contagiaram o Brasil.

A mãe de todas as falsificações é a repetição, no mundo político, na mídia que se pretende iluminada e nas elites ignorantes, subdesenvolvidas e medrosas que comandam boa parte do combate à epidemia, de uma opção safada:Não se pode colocar a economia acima das vidas”. Parece um pensamento generoso. É apenas falso. Alguém está propondo que vidas sejam sacrificadas para abrir shopping centers? O que está se dizendo é que as duas tarefas, a de defender a saúde pública e a de fazer a economia funcionar, são indispensáveis e precisam obrigatoriamente ser executadas ao mesmo tempo. É possível – e, se não for assim, não haverá um país vivo depois do coronavírus.

Será que não havia doença nenhuma no Brasil antes do coronavírus? 
E foi preciso paralisar todo o sistema produtivo nacional para tratar delas? 
Estaríamos confinados em casa há 100 anos, se fosse assim – com as indústrias e o comércio fechados, sem transporte, sem escolas, sem comida, sem nada. E não é que nossas doenças sejam coisa simples, que se cura com uma colherinha de sal de frutas Eno. Só em 2019 as doenças cardiovasculares mataram quase 300.000 pessoas no Brasil – simplesmente 30% de todas as mortes que houve no País. A pneumonia matou 60.000 brasileiros, 80% deles idosos. Morre-se de tuberculose, uma doença da miséria, neste país; houve 70.000 casos em 2018, o último ano em que há estatísticas, com 5.000 mortos. A morte por coronavírus valeria mais que essas?

Não passou pela cabeça de ninguém “confinar” a população em casa por  “tempo indeterminado” para combater as doenças devastadoras citadas acima. A economia brasileira não parou nem um minuto para se tratar da  saúde pública e não dá realmente para dizer que o SUS é ruim porque as indústrias produzem e o comércio vende. O que uma coisa poderia ter a ver com a outra? 

Na verdade, não dá para dizer muitas coisas que estão sendo ditas por aventureiros em busca de chances políticas, repetidas pelo síndico do prédio e encampadas, com casca e tudo, pelos meios de comunicação.

Não é verdade que o Brasil caminha para um genocídio em que podem morrer “até 2 milhões de pessoas”. Não é verdade que sugerir alternativas ao confinamento-isolamento total seja um “desafio” ao que pregam “todas as grandes autoridades da ciência mundial”. Não é verdade que a Organização Mundial da Saúde tenha autoridade científica para ser levada a sério; é apenas uma entidade política terceiro-mundista. Não é verdade que o coronavírus seja “o pior problema de saúde pública do Brasil nos últimos 30 anos”. Nosso pior problema de saúde dos últimos 30 anos é o SUS.
[Nota:
O colunista em artigo anterior a este

Não é esta, é claro, a opinião de quem jamais pôs os pés no SUSmas decide o que você tem de fazer e de saber sobre a epidemia. Poucas coisas são tão estúpidas nesta vida quanto deixar decisões importantes a cargo de quem não vai sofrer nada com as suas consequências. É exatamente o que estamos fazendo neste momento.

J. R. Guzzo, jornalista - O Estado de S. Paulo