O Estado de S. Paulo
[A própria CCJ deixa duvidas sobre sua condição, competência e imparcialidade, de avaliar o notório saber jurídico dos indicados.]
Diante das afrontas do presidente Jair Bolsonaro e seu entorno ao
Supremo Tribunal Federal (STF), as atenções estão voltadas para o nome
que ele indicará para substituir o ministro Celso de Mello, que
completará 75 anos em novembro – idade máxima para permanecer na ativa.
Além de decano da Corte, ele é o relator do pedido de abertura de
inquérito enviado pela Procuradoria-Geral da República contra Bolsonaro
para apurar seu envolvimento em crimes denunciados pelo ex-ministro da
Justiça Sérgio Moro. Mello também se tornou a voz de autoridade
institucional do STF, respondendo às diatribes contra a democracia
feitas por Bolsonaro.
Pela Constituição, a escolha de um ministro do STF é feita pelo
presidente da República e o nome escolhido é enviado ao Senado, para ser
sabatinado. Após a sabatina, a Comissão de Constituição e Justiça
decide se o indicado preenche os requisitos de “reputação ilibada” e
“notável saber jurídico”. Se for aprovado, a indicação será levada a
votação em plenário onde, para ser confirmada, precisa ter o voto
favorável de 41 dos 81 senadores.
Esse modelo de indicação é semelhante ao adotado nos Estados Unidos,
cujas instituições serviram de inspiração para a construção do Estado
brasileiro após a proclamação da República. Desde a Constituição de
1891, o modelo sofreu poucas alterações. Entre os pré-requisitos, a
Carta exigia reputação ilibada e “notável saber”. A expressão “notável
saber jurídico” surgiu na Constituição de 1934. As demais constituições –
inclusive na época da ditadura militar – atribuíram ao Senado a
prerrogativa de votar o nome indicado pelo chefe do Executivo. A exceção
foi a Constituição fascista de 1937, que submetia a escolha a um
Conselho Federal.
Ainda que nos Estados Unidos o mandato dos ministros seja vitalício,
enquanto no Brasil ele expira aos 75 anos, [o conceito indiscutível que que NINGUÉM É INSUBSTITUÍVEL e exemplo recente, tornam conveniente que a idade teto volte aos 70 anos.] a maior diferença entre os
dois modelos não é de caráter formal, mas substantivo. Nos Estados
Unidos as sabatinas dos indicados para a Suprema Corte são rigorosas e
duram dias. Os indicados têm de demonstrar conhecimento de direito, de
jurisprudência e de doutrinas jurídicas. Suas vidas e carreiras são
minuciosamente escrutinadas. No Brasil, as sessões são protocolares.
Costumam durar algumas horas e – com raras exceções, como nas sabatinas
de Dias Toffoli, Edson Fachin e Alexandre de Moraes [o ministro Fachin, foi ciceroneado no Senado por Ricardo Saud, delator da JBS.] – os senadores se
limitam a fazer elogios aos indicados.
Nos 131 anos de Brasil republicano, só foram rejeitadas cinco indicações
– todas feitas por Floriano Peixoto. Nos Estados Unidos, em mais de 230
anos o Senado já rejeitou 12 indicações da Casa Branca e em 11 vezes a
Casa Branca retirou os nomes indicados para evitar que fossem
rejeitados. Há casos em que os próprios indicados declinaram da
indicação, quando perceberam que seriam rejeitados, e em que os
senadores impediram a votação, fazendo discursos intermináveis durante
as sessões. Os últimos casos são exemplares. Um ocorreu em 1987, quando
Ronald Reagan indicou Douglas Ginsburg, que foi rejeitado depois que se
soube que fumara maconha quando adulto. O outro ocorreu em 2005, quando
George W. Bush indicou uma assessora, Harriet Miers.
Considerada despreparada até pelos senadores governistas, só não sofreu
uma rejeição humilhante porque desistiu da indicação antes do início da
votação.
Diante das tensões institucionais que o País enfrenta, é de esperar que o
Senado brasileiro se inspire no americano e passe a ser mais rigoroso
nas sabatinas. Entre outros motivos, porque os nomes que têm sido
aventados pelo Planalto para a vaga de Celso de Mello não são de
ínclitos juristas, mas de bacharéis formados em cursos de segunda linha,
sem maior experiência jurídica e notório saber. Se o Senado não tiver
disposição para cobrar sólida formação jurídica e coragem de rejeitar
indicações medíocres, ele estará comprometendo as instituições. Como
pode a Suprema Corte zelar pela Constituição se passar a contar com um
ministro sem preparo e que não hesitará quando tiver de optar entre os
interesses obscurantistas de seu padrinho político e o Estado de
Direito?
O Estado de S. Paulo - Editorial