J. R. Guzzo
Presidente disse que sua ‘história’ pessoal é ‘garantia da existência inabalável da democracia’ e ministro do STF fez oração irada contra ‘apaziguamento’, nome que dá aos esforços em busca de paz política no Brasil
A tentativa de transformar o dia 8 de Janeiro
em data nacional destinada a celebrar a sobrevivência da democracia no
Brasil acabou sendo uma cena de comédia.
A qualidade das autoridades que
apareceram sentadas na fila de cadeiras do palco já era uma garantia de
nível limitado – o que ficou confirmado, a seguir, pelo que disseram em seus discursos.
Lula fez
um dos piores. Disse, num desses surtos de mania de grandeza que tem
tido depois que saiu da cadeia (e com frequência cada vez maior), outro
disparate em estado bruto – o de que a sua “história” pessoal é uma
“garantia da existência inabalável da democracia neste país”.
O ministro
Alexandre de Moraes
(a quem chamou de “companheiro da suprema corte”) ficou no mesmo
padrão. Fez uma oração irada contra o “apaziguamento”, nome que ele dá
aos esforços em busca de paz política no Brasil radicalizado de hoje – e
exigiu mais uma vez a “regulamentação imediata das redes sociais”, ou seja, a censura.
Mais humilhante que tudo, para os organizadores, foi a absoluta falta de povo na sua celebração.
Um
acontecimento que, segundo eles próprios, foi um dos mais graves da
história moderna do Brasil, tinha de ser lembrado com algum tipo de
presença popular.
Se o Brasil, como dizem, foi salvo de uma catástrofe
de proporções desconhecidas, então seria preciso que algum brasileiro de
carne e osso aparecesse para dar apoio às celebrações – e agradecer a
dádiva recebida de Lula e dos companheiros da “suprema corte”.
Afinal, a
ex-presidente do tribunal comparou o patético quebra-quebra de Brasília
com o ataque do Japão a Pearl Harbour – o bombardeio contra o Havaí que
deixou 2.400 mortos em 1.941 e levou os Estados Unidos a entrarem na
Segunda Guerra Mundial.
Se foi isso tudo, então o povo teria de lotar a
Paulista de ponta a ponta para comemorar a salvação da pátria.
Mas o que
houve foi exatamente o contrário: uma reuniãozinha a portas trancadas
num salão do Senado Federal, com proibição de entrada do público e 2.000 policiais em volta do prédio, para impedir que qualquer cidadão chegasse perto.
É a democracia “não-presencial” do Brasil de hoje. Os gatos gordos
ficam no salão do Senado, onde são filmados pela televisão, elogiam-se
uns aos outros e são aplaudidos pelos jornalistas.
O povo fica em “home
office”, ou em ambiente “remoto” – ou em qualquer lugar, desde que não
apareça.
Não se trata, naturalmente, de um erro de planejamento do governo.
A
comemoração do dia 8 de Janeiro não teve a presença da população
brasileira porque nada do que o governo Lula e o STF organizarem tem a
mais remota chance de atrair o povo brasileiro para a praça pública. Foi
assim porque tinha de ser assim.
Quanto à “vitória sobre o golpe”
especificamente, há uma dificuldade suplementar: o povo, simplesmente,
não acredita que foi salvo de nada, porque sabe que não foi ameaçado,
nem correu risco algum.
Como poderia ser diferente se, para começar, a
imensa maioria dos brasileiros não leva a sério a fábula que o governo
está contando há um ano?
Uma das últimas pesquisas sobre o assunto
informa que só 20% das pessoas acreditam que houve uma “tentativa de
golpe” – o que é perfeitamente natural, levando-se em conta que não
houve nenhuma tentativa de golpe.
A grande maioria condena os atos de
vandalismo cometidos contra os edifícios dos Três Poderes.
Mas não
acredita no que Lula, o STF e a mídia dizem.
É inevitável, assim, que
grandes eventos para festejar o triunfo da democracia acabem do mesmo
jeito que acabaram as comemorações do 8 de Janeiro – como uma
caricatura.
J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo