O Estado de S.Paulo
Única forma de seguir o conselho de Bolsonaro é punir responsáveis por nossa tragédia
“Tá
chegando em 100 mil (talvez hoje). Mas vamos tocar a vida e buscar uma maneira
de se safar disso daí.” A frase, já inscrita na Enciclopédia Geral da Infâmia
que Jair Bolsonaro resolveu compor durante a pandemia do novo coronavírus,
foi dita por um presidente serelepe ao lado de um
ministro interino da Saúde bonachão na última quinta-feira, numa das lives que
ele insiste em impingir a um País traumatizado. O
número que ele previu como quem joga no bicho, depois de com a mesma
sem-cerimônia dizer, lá no início da pandemia, que os mortos não chegariam a
800, não chegou naquele dia, mas o vaticínio nefasto se cumpriu neste fim de
semana.
A única maneira aceitável de “tocar a vida” para que o Brasil não saia dessa tragédia ainda mais dilacerado em todas as suas dimensões é apontar as omissões, as ações criminosas, os ardis políticos e autoritários e o cinismo que nos jogaram nesse buraco, e apontar e punir em todos os fóruns cabíveis os responsáveis por ela. A começar por esse presidente que insiste em cuspir na cara daqueles que deveria governar perdigotos de imbecilidade com relação a uma situação que não faz a menor ideia de como ao menos tentar mitigar. Ele olha para a cara de uma Nação em que mais de 3 milhões foram oficialmente infectados e 100 mil perderam a vida e dá de ombros, como se esses números num intervalo de menos de seis meses fossem toleráveis.
[atualizando:
o número de 100 mil, oficialmente, mortos pela covid-19, foi alcançado ontem e lembrado das mais variadas formas - houve até memória antecipada: o número foi alcançado no final da tarde de sábado, 8, e na praia de Copacabana houve 'lembrança' pela manhã.
Foi decretado luto oficial nos Poderes Legislativo e Judiciário, ex-ministro aproveitou a ocasião, buscando ser lembrado na tentativa inútil de adiar seu ocaso político. (o que conseguiu foi fornecer à SECOM-PR um 'gancho' para informar o muito que o Poder Executivo da União obteve de êxitos no combate à pandemia.
Esqueceram o Alcolumbre, que também lembrou do infausto acontecimento, fingindo esquecer que quando um juiz autorizou que os recursos dos inúteis Fundos Eleitoral e Partidário fossem utilizados no combate ao coronavírus, foi ele que na condição de presidente do Senado recorreu a instância superior e conseguiu a revogação da autorização.
Quanto ao presidente Bolsonaro só resta aconselhar para que os responsáveis pela tragédia sejam punidos - ele é chefe apenas do Poder Executivo e os culpados estão nos dois outros Poderes (que são, ou deveriam ser, harmônicos e independentes entre si), nos municípios e nos estados.]
Nenhum
governante do Brasil, dos mais nocivos que já passaram por aquela cadeira
eleitos ou usurpando-a, teve em relação aos problemas que enfrentou ou provocou
a desídia de Bolsonaro. Ele nem sequer finge que está tomando qualquer
providência. Jair
Messias Bolsonaro mente diariamente ao dizer que o Supremo Tribunal Federal impede
o governo federal de coordenar a resposta à pandemia.
Deveria ser advertido ou punido pelo próprio STF por isso, pois esta não foi a
decisão da Corte. Em um País sério um presidente jamais repetiria essa
empulhação sem que fosse admoestado, sequer.
Jair
Messias Bolsonaro mente diariamente ao dizer que cloroquina e hidroxicloroquina
têm efeito para tratar covid-19. Ele atenta contra a saúde pública ao impor ao
Ministério da Saúde acéfalo um protocolo sem nenhum amparo científico indicando
esses remédios para casos leves e moderados. Ninguém responsabiliza o
presidente e o ministro, o Conselho Federal de Medicina não vai à Justiça, e o
tal protocolo anticientífico está em vigor há mais de 3 meses. O STF, o
Ministério Público e o Congresso apenas assistem. [se o presidente Bolsonaro dá um espirro mais forte e seus inimigos vêem possibilidade de acusá-lo, a acusação ocorre imediatamente;
o silêncio dos órgãos citados pode ter como causa que o protocolo não é criminoso;
Crime ocorrerá, quando uma vacina, comprovadamente, eficaz for fabricada e alguma autoridade - incluindo o presidente da República - proibir o seu uso, compelindo ao uso de outro produto.
Até o presente momento o tratamento da covid-19 tem sido feito via adaptação de várias drogas medicamentosas.]
Jair
Messias Bolsonaro promoveu aglomerações, cumprimentou pessoas depois de tossir
e assoar o nariz com a mão, anunciou que estava coronado diante de repórteres e
câmeras e tirou a máscara para isso, cumprimentou garis sem máscara já doente.
Ele comete essas nojeiras diante de um País enlutado, traumatizado,
desamparado. É aplaudido por um grupo de celerados e não é impedido por algum
dos muitos encarregados pela Constituição de contê-lo e lembrá-lo de que ele
tem de governar, e não mostrar cloroquina para a ema.
Jair
Messias Bolsonaro não decretou luto oficial quando os mortos foram mil, cinco
mil, dez mil, vinte mil, cinquenta mil, cem mil. Ele assiste a esse número de
vítimas, pessoas que tinham vidas, sonhos, famílias e planos como quem
acompanha entediado uma partida de futebol comezinha com uma daquelas camisas
de time falsificadas que adora envergar.
Jair
Messias Bolsonaro condena o Brasil a ser um dos piores países do mundo na chaga
da covid-19 e se fia na conta cínica de que os pobres coitados socorridos com
auxílio emergencial vão lhe reeleger em 2022, sua única preocupação genuína. E
quem deveria responsabilizá-lo assiste a todas essas atrocidades com cara de
paisagem.
[uma vida importa, isto não se discute.
Só que decretar luto oficial, fazer pronunciamento, emitir nota oficial em nada vai alterar a tragédia.
Sem ser motivo de regozijo, mas, em prol da notícia, apresentamos alguns dados sobre número de mortos:
"A taxa de óbitos no país (48 por 100 mil) é, no momento, menor que as registradas na Bélgica (86), Reino Unido (70), Peru (64), Espanha (61), Itália (58) ou Suécia (57).
Na faixa brasileira estão o Chile (53), os EUA (49) e o México (40).
Por razões aleatórias, algumas áreas de elevada urbanização, na
Espanha, na Itália, na França, na Bélgica, na Suécia e nos EUA, sofreram
extensivos contágios na etapa oculta da pandemia. No Brasil, isso
parece ter ocorrido com São Paulo, Rio, Fortaleza, Recife e Manaus.
Depois desse impacto, com lockdown (Itália, Espanha, França) ou sem ele (Suécia), o gráfico de óbitos já estava traçado, ao menos em linhas gerais." (CONFIRA, CLICANDO AQUI)
ou
Fonte: Demétrio Magnolli - Folha de S.Paulo.]
Vera Magalhães, colunista - O Estado de S. Paulo