Falar que as urnas do TSE são sujeitas a fraude é infração gravíssima, mas Lula pode dizer que impeachment de Dilma foi ‘golpe de Estado’
Em
nenhum momento, ao longo dos 500 anos de história do Brasil, a
autoridade pública, os tribunais de justiça e a polícia falaram tanto de
democracia
como hoje. Mais que isso: montaram uma espécie de “Comissariado
Nacional de Repressão aos Atos Antidemocráticos”, que deu a si próprio a
autorização para violar as leis quando julga que o “estado de direito”
está ameaçado por alguém ou por algum tipo de ideia.
A manifestação
suprema desta cruzada, que se propõe a nos salvar da “extrema direita”, é
o inquérito perpétuo que o STF
mantém aberto há mais de quatro anos contra os “atos antidemocráticos”.
É um elixir universal. Serve para quem fala mal das urnas do TSE, tem atitudes “golpistas” ou participou da arruaça do 8 de janeiro – que a presidente do STF considerou igual ao bombardeio de Pearl Harbor, que matou 2.400 pessoas e levou os Estados Unidos à uma guerra de quatro anos contra o Japão e a Alemanha nazista.
O
inquérito sem fim também serve para perseguir quem se enrolou com
atestados de vacina, falou mal dos ministros do Supremo, entrou no
WhatsApp para conversar de política – enfim, vai na base do “pega um,
pega geral”. Quer dizer: não é tão geral assim.
Nunca pegou até hoje um
único antidemocrata de “esquerda”, ou admirador do presidente Lula
– e muitíssimo menos o próprio Lula.
Bem que poderia pegar, se o
comissariado de salvação da democracia, que também considera as “fake
news” como crime de lesa-pátria, tivesse alguma preocupação em ser
imparcial.
Mas, aqui, pau que bate em Chico nunca bate em Francisco,
dependendo de quem seja o Francisco.
Dizer que as urnas do TSE são
sujeitas a fraude, por exemplo, é infração gravíssima – o ex-presidente
da República, inclusive, foi declarado “inelegível” por oito anos
porque falou isso numa palestra a embaixadores estrangeiros.
Lula,
porém, pode dizer que uma decisão legítima do Congresso Nacional, o impeachment de Dilma Rousseff por
fraude contábil, foi um “golpe de Estado”.
Pode, até mesmo, exigir uma
espécie de certificado oficial atestando que a sua sucessora é inocente
de todas as acusações e deve ser reconhecida como mártir das causas
populares.
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Dilma foi deposta porque 367 deputados federais votaram a favor do impeachment, e só 137 contra.
No Senado foi
ainda pior: 55 a favor, 22 contra.
O que poderia haver de mais claro
como demonstração da vontade da população brasileira, que só o Congresso
tem direito de representar? Além disso, o STF supervisionou cada
decisão do processo, e aprovou tudo. É o chamado ato jurídico perfeito –
mas pode ser chamado de “golpe”. No Brasil-2023 só é antidemocrático
quem está do outro lado.
J.R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo