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sábado, 7 de outubro de 2017

A ditadura venezuelana agoniza



Sem remédios, sem cirurgias e sem esperança, os venezuelanos padecem sob o regime de Nicolás Maduro 


Era bem cedo e estávamos tomando café da manhã quando ele engasgou. Tossiu um pouco e começou a vomitar. Primeiro vieram pedaços de pão; depois, o sangue. Bastante sangue. Desde que não conseguimos mais comprar o remédio de que ele precisa tem sido assim. As varizes que ele tem no esôfago não suportam a pressão do sangue, se rompem e ele vomita sangue. Eu não consigo encontrar esse propranolol desde o ano passado. 

Alenxon Gòmez,5 anos (Foto: Karla Calderon)
De vez em quando, alguém nos dá uma cartela e ele toma, mas é raro. Os médicos já me avisaram que, se eu não conseguir os remédios, ele pode morrer. A veia pode se romper e ele ter uma hemorragia. Pode morrer dormindo. Eu sei que ele tem um pé aqui na Terra e o outro no Céu. Isso nem é o pior. O pior é quando ele tem dores e chora. Dou remédio para febre, que é o único que tenho. Aí torço para ele dormir, para cansar da dor e dormir. Passo a noite fazendo carinho na barriga dele, no peito, é tudo que eu posso fazer para diminuir a dor. Algumas vezes funciona. Em outras, não.

"Eu sei que ele tem um pé aqui na terra e o outro no céu"
Ninoska Torrealba

 Ninoska Torrealba, de 50 anos, acompanha seu neto Alenxon Gomes, de 5, em sua agonia no Hospital de Niños J.M. de los Ríos, em Caracas. Pernas finas, cabelo curto, ele deveria estar brincando, não naquela cama. Suas varizes no esôfago poderiam ser curadas com uma cirurgia. Mas o hospital não tem o kit básico para a operação. O rompimento dos vasos poderia ser tratado com remédios, mas eles não estão disponíveis. Ao menos as dores poderiam ser aliviadas com analgésicos; mas estes também não existem nas farmácias. Alenxon sofre de algo plenamente curável, como sofria um doente há 100 anos, apenas porque vive na Venezuela. 



Os amplos corredores iluminados pela luz tropical que atravessa as grandes janelas da ala de infectologia do Hospital Universitário de Caracas dão um ar de grandiosidade decadente a esse conjunto de três prédios dos anos 1950, símbolo da arquitetura modernista da Bauhaus, considerado Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Há um bosque ao redor. O piso vermelho de cimento queimado reluz de tão limpo, enquanto armários, cadeiras e mesas de metal pintados de bege, já enferrujados, fazem tudo ali parecer velho, antigo. 

Nos cantos, pacientes aguardam ser atendidos. Muitos estão debilitados.  Outros trazem sacolas com comida, água ou medicamentos de que seus familiares internados vão precisar. São observados por idosos, homens e mulheres, metidos em fardas militares dois ou três números maiores. Eles integram os chamados Milicianos do Povo, responsáveis por vigiar quem entra e sai e se alguém faz fotos. Fazem parte da rígida segurança instalada nos hospitais venezuelanos desde que os problemas crônicos na saúde pública ganharam contornos de crise humanitária.

>> O colapso da Venezuela - A ditadura agoniza

>> Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana

 

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Pijama e tornozeleira



Sérgio Machado propõe uma espécie de vacina contra a Lava Jato, para que se possa trabalhar em paz, livre de operações desse tipo e acima da lei
“Que tristes são as coisas consideradas sem ênfase.” Concordo com esse verso de Drummond, mas as coisas, às vezes, se misturam com as pessoas, como o sutiã, o chapéu e os óculos. E às vezes aterrorizam a vida das pessoas como a bomba, ou anunciam novos tempos, como o transistor, computadores.

Lembro-me da aparição do ar-condicionado e de como os restaurantes brasileiros anunciavam com orgulho: temos ar-condicionado. A tornozeleira eletrônica é um dado novo no cotidiano brasileiro. Teoricamente pode ajudar o país a atenuar o problema carcerário. Permite que um pequeno número de funcionários possa controlar muitos condenados, reduzindo a superlotação e economizando os custos com tanta gente presa

Como todas as outras coisas, a tornozeleira pode ter um uso equivocado. Para mim foi surpreendente o pedido de Rodrigo Janot para colocar tornozeleira eletrônica em José Sarney, um ex-presidente de 86 anos. O tema nos chegou pela metade. Janot pede a prisão de parte da cúpula do PMDB, inclusive Renan Calheiros e Romero Jucá. Eduardo Cunha também teve sua prisão preventiva pedida. Seu caso é óbvio. Mas os outros ainda dependem de dados que até o momento não conhecemos.

O que se sabe de Sarney, pelas gravações, é que aconselhou Sérgio Machado a falar com um amigo de Teori Zavascki, para influenciá-lo. E é contra a delação premiada para quem esteja na prisão. O que Sarney disse, nas gravações, é que um projeto de mudar a delação premiada mostraria que, realizado com presos, esse instrumento legal parece tortura.
Um vice-líder do governo Dilma foi mais longe: a delação premiada é a tortura do século XXI. 

Tanto ele como Sarney conhecem pouco de tortura e menos do século XXI. Com a polícia investigativa e bem equipada, o preso é confrontado com tantas evidências que a delação premiada acaba sendo um alívio para ele. Sempre defendi a delação premiada, inclusive contra a bobagem de Dilma ao compará-la ao caso do delator Joaquim Silvério dos Reis. Aquilo aconteceu na Inconfidência Mineira; uma coisa são conspiradores anticoloniais, como Tiradentes, outra coisa são políticos e empreiteiros que assaltaram a maior empresa nacional. No debate sobre a delação ironizo os que se colocam contra ela, ou mesmo os que querem reduzir seu alcance. No entanto, não vejo crime ao discordarem.

A cúpula do PMDB é conhecida de todos. Muitos acham que, por alguma razão, seus expoentes deveriam estar presos. Isso não exime os procuradores de apresentarem as razões de uma forma inequívoca. Para começar, são mais hábeis que o PT e, habitualmente, não se defendem atacando, mas com base em alguns princípios do estado de Direito, como,  por exemplo, a liberdade de opinião.

Por mais problemáticas que sejam as propostas sobre acordo de leniência e redução do âmbito da delação premiada, ambas dignas de um combate sem trégua, é impossível deixar de ver nelas o que, para mim, é a única condição em que um parlamentar merece o foro especial: o direito de falar e votar livremente.  Esperamos Janot durante todo esse tempo. Ele andou muito lentamente com a parte da Lava Jato que lhe compete; isto é, a que envolve políticos e ministros. De repente, veio de uma forma brusca, como se quisesse compensar sua lentidão anterior.

Quem se interessa pelo futuro da Lava Jato a vê como um excelente trabalho de combate à corrupção e um alento democrático ao demonstrar que a lei vale para todos. Qualquer deslize não é apenas ameaçador para os acusados, mas sim para aqueles que desejam o sucesso da operação e querem resguardá-la de todo tropeço inútil. A resistência é dura e bem articulada.

Nas gravações, Sérgio Machado fala da necessidade de preservar não apenas este governo, mas todos os que virão. Ele propõe uma espécie de vacina contra a Lava Jato, para que se possa trabalhar em paz, livre de operações desse tipo. É uma espécie de sonho de consumo do sistema político brasileiro: colocar-se acima da lei.  É um sistema político que merece ser implodido. Mas nunca realizamos nossa tarefa num vazio histórico: há uma crise profunda e um esforço de reconstrução econômica. Mesmo sem esses componentes, pedidos de prisão precisam ser fundamentados e, em caso de vazamento, expostos na totalidade do texto.

Fixei-me na tornozeleira eletrônica de Sarney não só por sua história, mas também por sua idade. Aos 86 anos, a teia de limites que a própria biologia nos impõe — reumatismo, varizes, crises de gotaé muito mais eficiente do que os painéis de controle eletrônico.  Se tudo for bem apurado e processado, haverá cadeia para todos os envolvidos no processo de corrupção, inclusive o montado por Sérgio Machado que drenou milhões da Transpetro. É preciso realizar esse trabalho de depuração, em plena crise econômica e dentro dos parâmetros do estado de Direito, propostos pela Lava Jato: a lei vale para todos.

 Que o diga o Japonês da Federal, que de tanto levar gente presa, acabou preso na própria PF de Curitiba.

Fonte: Blog do Gabeira - http://gabeira.com.br/blog/