Sérgio
Machado propõe uma espécie de vacina contra a Lava Jato, para que se possa
trabalhar em paz, livre de operações desse tipo e acima da lei
“Que
tristes são as coisas consideradas sem ênfase.” Concordo com esse verso de
Drummond, mas as coisas, às vezes, se misturam com as pessoas, como o sutiã, o
chapéu e os óculos. E às vezes aterrorizam a vida das pessoas como a bomba, ou
anunciam novos tempos, como o transistor, computadores.
Lembro-me
da aparição do ar-condicionado e de como os restaurantes brasileiros anunciavam
com orgulho: temos
ar-condicionado. A tornozeleira
eletrônica é um dado novo no cotidiano brasileiro. Teoricamente pode ajudar
o país a atenuar o problema carcerário. Permite que um
pequeno número de funcionários possa controlar muitos condenados, reduzindo a
superlotação e economizando os custos com tanta gente presa.
Como todas
as outras coisas, a tornozeleira pode
ter um uso equivocado. Para mim foi surpreendente o
pedido de Rodrigo Janot para colocar tornozeleira eletrônica em José Sarney, um
ex-presidente de 86 anos. O tema nos chegou pela metade. Janot pede a
prisão de parte da cúpula do PMDB, inclusive Renan Calheiros e Romero Jucá.
Eduardo Cunha também teve sua prisão preventiva pedida. Seu caso é óbvio. Mas
os outros ainda dependem de dados que até o momento não conhecemos.
O que se sabe de Sarney, pelas gravações, é que aconselhou Sérgio Machado a falar com
um amigo de Teori Zavascki, para influenciá-lo. E é
contra a delação premiada para quem esteja na prisão. O que Sarney
disse, nas gravações, é que um projeto de mudar a delação premiada mostraria
que, realizado com presos, esse instrumento legal parece tortura.
Um vice-líder do governo Dilma
foi mais longe: a delação premiada é a tortura do século XXI.
Tanto
ele como Sarney conhecem pouco de tortura e menos do século XXI. Com a polícia investigativa e bem equipada,
o preso é confrontado com tantas evidências que a delação premiada acaba sendo
um alívio para ele. Sempre defendi a delação premiada, inclusive contra a
bobagem de Dilma ao compará-la ao caso do delator Joaquim Silvério dos Reis. Aquilo aconteceu na Inconfidência Mineira; uma coisa são
conspiradores anticoloniais, como Tiradentes, outra coisa são políticos e empreiteiros que assaltaram a maior empresa
nacional. No debate sobre a delação ironizo os que se colocam contra ela,
ou mesmo os que querem reduzir seu alcance. No entanto, não vejo crime ao
discordarem.
A cúpula do PMDB é conhecida de
todos. Muitos
acham que, por alguma razão, seus expoentes deveriam
estar presos. Isso não exime os procuradores de apresentarem as razões
de uma forma inequívoca. Para começar, são mais hábeis que o PT e, habitualmente, não se defendem atacando, mas com base em
alguns princípios do estado de Direito, como, por exemplo, a liberdade de opinião.
Por mais
problemáticas que sejam as propostas sobre
acordo de leniência e redução do âmbito da delação premiada, ambas dignas
de um combate sem trégua, é impossível deixar de ver nelas o que, para mim, é a única condição
em que um parlamentar merece o foro especial: o direito de falar e votar
livremente. Esperamos Janot durante
todo esse tempo. Ele andou muito lentamente com a parte da Lava Jato que lhe
compete; isto é, a que envolve políticos e ministros. De repente, veio de uma
forma brusca, como se quisesse compensar sua lentidão anterior.
Quem se
interessa pelo futuro da Lava Jato a vê como um excelente trabalho de combate à
corrupção e um alento democrático ao demonstrar que a lei vale para todos. Qualquer deslize não é apenas ameaçador
para os acusados, mas sim para aqueles que desejam o sucesso da operação e
querem resguardá-la de todo tropeço inútil. A resistência é dura e bem articulada.
Nas
gravações, Sérgio Machado fala da necessidade de preservar não apenas este
governo, mas todos os que virão. Ele propõe uma espécie de vacina contra a Lava
Jato, para que se possa trabalhar em paz, livre de operações desse tipo. É uma espécie de sonho de consumo do sistema político
brasileiro: colocar-se acima da
lei. É um sistema político que
merece ser implodido. Mas nunca realizamos nossa tarefa num vazio histórico: há
uma crise profunda e um esforço de reconstrução econômica. Mesmo sem esses
componentes, pedidos de prisão precisam
ser fundamentados e, em caso de vazamento, expostos na totalidade do texto.
Fixei-me
na tornozeleira eletrônica de Sarney não só por sua história, mas também por
sua idade. Aos 86 anos, a teia de limites que a
própria biologia nos impõe —
reumatismo, varizes, crises de gota — é
muito mais eficiente do que os painéis de controle eletrônico. Se tudo for bem apurado e processado,
haverá cadeia para todos os envolvidos no processo de corrupção, inclusive o
montado por Sérgio Machado que drenou milhões da Transpetro. É preciso realizar
esse trabalho de depuração, em plena crise econômica e dentro dos parâmetros do
estado de Direito, propostos pela Lava Jato: a lei vale para todos.
Que o diga o Japonês da Federal, que de tanto levar gente presa, acabou preso na própria PF
de Curitiba.
Fonte: Blog do Gabeira - http://gabeira.com.br/blog/
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