Resumo da reportagem
- O presidente Lula defendeu a legitimidade democrática da Venezuela, uma visão questionada por observadores e instituições internacionais.
- Relatórios apontam que a Venezuela falha em critérios essenciais para democracia, incluindo eleições justas, respeito aos direitos humanos, Estado de direito, pluralismo político e participação cidadã.
- Acusações sérias como manipulação de eleições, violações de direitos humanos e censura à imprensa reforçam há uma ditadura na Venezuela: é um fato objetivo, não flexível à relativização.
“Presidente, eu fui preso na Venezuela três anos atrás”, informou Lopes. “O senhor diria hoje que a Venezuela é uma democracia?” Em resposta, Lula deu uma série de argumentos que sugerem que, para ele, a resposta é afirmativa. “Tem gente que não quer aceitar o resultado eleitoral. Nem todo mundo é como o Lula”, disse. Ele insinuou que o jornalista “não conhece o assunto profundamente” e arrematou que “quem quiser derrotar o [Nicolás] Maduro, derrote nas próximas eleições”.
1. Eleições livres e justas
Democracias devem ter um sistema para os cidadãos escolherem seus líderes por meio de eleições regulares e justas. Em dezembro de 2020, houve eleições parlamentares na Venezuela. Contudo, observadores viram claros sinais de ilegitimidade no pleito.
A Universidade Católica Andrés Bello (Ucab, melhor instituição de ensino superior da Venezuela) e o Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (Idea, entidade sediada em Estocolmo com 33 países membros, incluindo o Brasil) concluíram, em relatório conjunto, que a ditadura de Nicolás Maduro manipulou o pleito pela eleição de um novo Conselho Nacional Eleitoral sem a aprovação da Assembleia Nacional, a única casa legislativa do país; intervenção de juízes em partidos, aumento ilegal do número de parlamentares e ameaça a eleitores que, de alguma forma, dependessem de auxílio do regime, além de supressão da liberdade de imprensa. Problemas similares foram observados na votação de 2018 que “reelegeu” Maduro, para a qual observadores internacionais não foram convidados.
2. Respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais
Regimes democráticos devem respeitar o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, bem como a liberdade de expressão, pensamento, imprensa, religião e reunião. O regime de Maduro viola todos esses direitos e liberdades.
No período aproximado de um ano e meio desde a reeleição ilegítima de Maduro em 2018, a ONU registrou 6.856 execuções partindo diretamente de um órgão de repressão fundado pelo ditador.
4. Pluralismo político e responsabilidade
Na democracia, a diversidade de opiniões políticas deve ser permitida e respeitada, com transparência nas ações do governo e responsabilização dos funcionários por suas ações.
Em 2020, o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela, capturado pela ditadura, destituiu autoridades e líderes de partidos políticos da oposição e indicou outras pessoas para liderá-los, à revelia da vontade dos membros. Foram alvos os partidos Voluntad Popular, Acción Democratica e Primero Justicia, os principais da oposição ao PSUV — Partido Socialista Unido de Venezuela, fundado pelo falecido ditador Hugo Chávez, antecessor de Maduro, em 2007.
Até os dias atuais, isso não mudou. Dias após a alegação de Lula de que basta alguém concorrer contra Maduro para tirá-lo do poder, a Controladoria-Geral da Venezuela tornou inelegível por 15 anos a pré-candidata de oposição María Corina Machado, do partido de centro Vente Venezuela. A Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos condenou a decisão e a caracterizou como “contrária ao Estado de direito”.
Portanto, na Venezuela a diversidade política oficialmente reconhecida é fajuta, manipulada pelo partido que detém o poder para assegurar sua própria continuidade. A Anistia Internacional estimou que o país soma entre 240 e 310 presos políticos recentemente.
Uma democracia não se faz apenas do aparato estatal e as regras que ele segue. Os cidadãos devem ter o direito e os meios de participar do processo político, sem discriminação arbitrária. Como resultado de todas essas violações, o povo venezuelano está batendo em retirada.