Na França, é cada vez mais evidente o namoro com o autoritarismo sob o disfarce da racionalidade, da competência administrativa, do bem comum, da justiça social
Bem pouca gente ouviu
falar muita coisa a respeito da história que será contada a seguir — é
praticamente impossível, hoje em dia, ler, ouvir ou ver informações
sobre fatos que estorvam a visão do certo e do errado que existe na
cabeça da mídia mundial. Mas o fato é que acaba de ser cometido na
França um ataque especialmente vicioso, pervertido e hipócrita contra a
liberdade de expressão. Em perfeita simetria com a intenção dos seus
autores, é também uma missa cantada para celebrar a submissão do
indivíduo ao Estado — e promover um novo avanço da autoridade pública em
sua escalada para tornar-se o elemento mais valioso, e mais
privilegiado, da sociedade francesa.
A partir de agora, por força do Artigo 24 da “Lei de Segurança Global” que acaba de ser aprovado, as pessoas estão sujeitas a um ano de prisão e a € 45 mil de multa (ou perto de R$ 300 mil) se divulgarem “a imagem do rosto ou de qualquer outro elemento de identificação de um policial ou de um gendarme em ação de serviço”. Ou seja: os repórteres fotográficos, ou quem mais estiver com a câmera do seu celular ativada, ficam legalmente proibidos de registrar, por exemplo, imagens de policiais baixando o cacete em qualquer tipo de manifestação pública, ou prendendo cidadãos suspeitos de não observância do “distanciamento social”. Para amarrar a coisa pelos sete lados, o Artigo 24 também exige que os veículos de comunicação apaguem o rosto de policiais de qualquer foto ou vídeo que porventura vierem a obter e a publicar.[aqui no Brasil além da proibição de foto de 'di menor' criminoso ser divulgada, ainda tem que ser mencionado apreendido em vez de preso, ato infracional substituindo crime e por aí vai.
Quanto aos bandidos adultos, até mesmo os condenados cumprindo pena, recolhidos em presídio, possuem o direito absurdo de ter a imagem preservada. Placas de veículos envolvidos em ocorrência policial, são sempre borradas. Já os policiais são mostrados em todos os ângulos.]
O veneno contido na lei
teve efeito imediato: dois jornalistas já foram detidos ao cobrir
manifestações de protesto contra o próprio Artigo 24. Está claro que o
propósito do governo Macron, dos deputados que lhe dão apoio e dos
sindicatos de policiais é reprimir os cidadãos e jornalistas que querem
(ou precisam) registrar atos de violência ilegal e de arbitrariedade
cometidos pela polícia — e não proteger seus agentes do terrorismo. O
ministro do Interior, que foi o principal corretor público da nova
legislação, admitiu que não tem nenhuma estatística a respeito de casos
em que a captação e a divulgação de imagens de policiais possam ter
provocado algum ataque contra eles. Também não soube informar quantos
funcionários da polícia, até hoje, foram importunados socialmente por
verem a sua atividade divulgada em público. O que sobrou, no fim das
contas, foi a prisão e a multa.
E se Bolsonaro ou Trump propusessem algo parecido com o tal Artigo 24? [com certeza tentariam levar os dois para o tronco; agora que a democrática Franca reconhece que necessita proteger seus policiais fica mais fácil a adoção de medidas do tipo em outros países.] A
lei diz que as punições deverão se limitar aos casos em que houver a
intenção deliberada, por parte de quem gravou as imagens, de atentar
contra a “integridade física ou psíquica” dos policiais — mas, na
prática, é a própria polícia quem vai decidir se a imagem foi captada
com malícia ou de forma inocente. O que você acha que vai acontecer na
vida real? No caso dos repórteres fotográficos, por exemplo: sua função
profissional inclui, obrigatoriamente, o registro da presença da polícia
e das ações praticadas por ela durante uma manifestação pública, e sua
intenção é mesmo divulgar as imagens que colheu.
Como é que fica, então?
Se a imagem com o rosto do policial for publicada no jornal ou na
televisão, ele estará sujeito, por definição, a um atentado terrorista.
[o risco é claro e precisa ser eliminado ou no mínimo reduzido.] Para cumprir a nova lei, portanto, o jornalista não poderá mais
fotografar ou filmar livremente nenhuma manifestação em que a polícia
esteja presente.
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A
pergunta que interessa, depois disso tudo, é a seguinte: existe no
Brasil alguma coisa parecida com esse Artigo 24? Não existe nem nunca
existiu — na verdade, é provável que nunca tenha passado pela cabeça de
ninguém fazer algo assim por aqui. Imagine-se, agora, o que o presidente
Macron, seus admiradores e as classes intelectuais, jornalísticas e
bem-educadas da França estariam dizendo se o presidente Jair Bolsonaro
mandasse para o Congresso Nacional um projeto de lei propondo exatamente
o que o governo francês acaba de fazer. (Pior: e se a ideia viesse de
Donald Trump? É melhor nem pensar.)
No mundo das ideias, o Brasil
visto da França de Macron e dos Estados Unidos de Joe Biden é um
inferno político onde a população é oprimida diariamente por uma
ditadura militar-fascista, que persegue os índios, os negros, os gays,
as mulheres e os pobres — além de queimar a Amazônia e praticar o
genocídio, porque o presidente não usa máscara, promove “aglomeração”
quando fala em público e recomenda o uso da cloroquina. No mundo dos
fatos, a França está jogando na cadeia repórteres que fotografam ou
filmam policiais em manifestações de rua.
A nova “Lei de
Segurança Global” é uma aula magna sobre a progressiva e inquietante
descida da França em direção ao totalitarismo estilo 2020 — essa mistura
pretensamente fina de supressão das liberdades individuais com a
transferência cada vez maior das decisões para a esfera dos altos e
médios servidores das máquinas estatais, das nações ou das entidades
“globais”. (A propósito: a proibição de captar imagens leva o nome de
“Lei Global”.) Não é algo que esteja acontecendo só na França. [essa suposta 'queda' da França rumo ao totalitarismo é consequência do excessivo descontrole de tudo que preservava valores que deveriam ser caros a toda a democracia - o desmonte a destruição desses valores e sua substituição por tudo que não presta, por tudo que agride a FAMÍLIA, aos BONS COSTUMES, aos VALORES CRISTÃOS, à MORAL, à VERGONHA, às CRIANÇAS, o DIREITO À PROPRIEDADE,à ORDEM, atingiu um ponto em que se tornou necessário aplicar um freio de arrumação e iniciar a reconstrução de tudo que foi, ou está sendo, destruído. A França já reconheceu, esperamos que o Brasil e muitas outras nações também reconheçam.] Na
Alemanha, praticamente no mesmo dia, a maioria governista que controla o
Parlamento aprovou a supressão de direitos individuais inscritos na
Constituição alemã para pôr em vigor a sua “Lei de Prevenção das
Infecções”, com restrições que vão da suspensão de liberdades por conta
do lockdown até a vacinação obrigatória. (Levantaram-se, na hora,
lembranças da “Lei Habilitante” de março de 1933, na qual esse mesmo
Parlamento, então chamado Reichstag, deu plenos poderes a Adolf Hitler.)
É
o avanço, nas democracias tidas como as mais avançadas do mundo, da
ideia geral de que as pessoas, no fundo, não sabem o que é bom para
elas; para não serem enganadas pelo “populismo”, que as leva a escolher
indivíduos inconvenientes para os governos, devem se submeter a um novo
“contrato social”. Por esse contrato, a autoridade, basicamente, deve
ficar a cargo dos que têm “qualificação técnica” para governar — as
camadas superiores dos ministérios disso ou daquilo, os altos burocratas
dos organismos internacionais, do FMI à Organização Mundial da Saúde,
os detentores do saber universitário e os funcionários públicos que se
encontram entre um galho e outro dessa árvore toda. À população cabe
cumprir ordens — da proibição de fazer uma imagem à obrigação de tomar
vacina.
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O que os burocratas que
ocupam bons lugares no aparelho estatal estão realmente querendo — seja
nos países, seja nos órgãos transnacionais — é mandar. Quanto mais
mandarem, mais seguros estarão nos seus altos salários, seus cartões de
crédito “corporativos”, suas aposentadorias com remuneração integral e o
resto da festa. Seu lema é: “Cada vez mais governo, mais ‘protocolo’ e
mais poder para quem não foi eleito — e cada vez mais obediência por
parte dos demais”.
A própria aprovação da Lei de Segurança
Global, em si, é um prefácio para esse mundo escuro que está se formando
nas nações mais bem-sucedidas do mundo. A Assembleia Nacional da França
tem 577 deputados. Para a sessão em que o seu Artigo 24 foi aprovado
compareceram apenas 170, ou 30% do plenário total — e a votação acabou
ficando em 146 a favor e 24 contra. [A legislação francesa permite que a Assembleia Nacional delibere com quórum mínimo e dos presentes quase 90% aprovaram a Lei.] Para que serve, então, um Parlamento
desses? Parece o Congresso da Venezuela, de gravata Hermès e bolsa
Vuitton. A reação dos franceses, ao mesmo tempo, foi de uma apatia capaz
de lembrar a postura geral dos chineses diante da ditadura em vigor em
seu país.
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Faz uma tremenda diferença, num país que tem hoje
5,5 milhões de funcionários públicos — cerca de 8% da população
nacional, e nada menos do que 20% da população economicamente ativa (ou
um em cada cinco franceses), descontando-se aí os 3 milhões de
desempregados atuais. Para chegar a esse nível, o Brasil teria de ter
entre 17 milhões e 18 milhões de servidores públicos; temos 12 milhões,
nos três níveis.
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Leia também o artigo de Theodore Dalrymple desta edição, “Burocracia: do absurdo ao sinistro”
J.R. Guzzo, jornalista - Revista Oeste