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sábado, 27 de agosto de 2022

É proibido escolher - Revista Oeste

J. R. Guzzo

Alexandre de Moraes | Ilustração: Schmck
Alexandre de Moraes | Ilustração: Schmck
 
A opinião deixou de ser um direito básico do brasileiro. A “democracia”, nome que o ministro Alexandre de Moraes, a esquerda nacional e o seu candidato à presidência da República deram ao sistema de poder absolutista, ilegal e pervertido que o alto judiciário criou para governar a sociedade deste país, tornou-se mais importante que a vida de cada cidadão — mais que os seus direitos individuais, as suas preferências políticas e a sua liberdade. 
A proteção por escrito que a Constituição Federal lhe assegura não vale mais
Foram anuladas, para todos os efeitos práticos, as garantias que a lei fornece para a sua palavra, o seu direito de reunião e o seu voto nas eleições para a Presidência da República. 
Democracia no Brasil, hoje, é o que querem o ministro Moraes, as elites que o apoiam e o consórcio nacional contra a liberdade que se formou para apoiar a volta ao governo do ex-presidente Lula. 
Não existe outra opção. Ou você aceita isso ou é condenado por ser “contra o regime democrático”, “a favor da ditadura” e outros crimes políticos hediondos.  
A Polícia Federal, por ordem pessoal de Moraes, pode invadir sua casa ao nascer do dia e levar de lá o que bem entender. 
Suas comunicações pessoais podem ser violadas. 
Suas contas bancárias podem ser bloqueadas. 
Podem “desmonetizar” os rendimentos do seu trabalho. 
Você pode ser interrogado pela polícia. 
Pode ser processado criminalmente. 
Podem lhe enfiar uma tornozeleira eletrônica. 
Podem lhe aplicar multas impossíveis de se pagar. 
Você pode ir para a cadeia; muitos já foram, inclusive um deputado federal em pleno exercício do seu mandato.

É essa a democracia de Moraes, do STF e dos seus devotos — a democracia que persegue emojis

Este é o mundo do ministro Moraes, do STF e de todos os que se uniram na guerra às liberdades públicas e aos direitos individuais. 
Ele funciona na base da perseguição policial, de uma lavagem cerebral agressiva contra o pensamento livre e do uso da máquina do Estado para impor o medo. Nega-se, basicamente, o direito de escolha condição elementar para a existência de qualquer democracia.  
A questão-chave, aí, é muito simples: o STF, as classes intelectuais, a mídia em peso e os grupos com interesses materiais feridos, a começar pelos que perderam o poder e estão exigindo esse poder de volta, querem proibir as pessoas de votarem em Jair Bolsonaro para presidente. 
Não importa, minimamente, se ele fez um governo bom, ruim ou péssimo; isso mal chega a ser falado no meio da gritaria. 
A única coisa que interessa é que Bolsonaro seja destruído, e aí vale qualquer coisa — dizer que ele é genocida, impediu a população de tomar vacina, chefia “milícias” no Rio de Janeiro, é aliado do “centrão”, aumentou a fome e fez mais um monte de horrores cujo único traço em comum é a falta de nexo das acusações. 

]Não se diz, é claro, que o governo federal comprou e pagou 500 milhões de doses de vacina, ou que o “centrão” é integralmente formado por deputados eleitos pelo voto popular, ou que o Brasil está entre os países do mundo que melhor resistiu aos desastres econômicos da Covid

Nada disso é argumento na “democracia” ora em vigor no complexo STF-Lula-elites. Só valem o Tribunal de Inquisição do ministro Moraes e as suas fogueiras; é o ponto mais baixo a que chegaram as liberdades políticas do Brasil desde a imposição do Ato-5.

Trata-se de um jogo que só tem piores momentos, mas ainda assim há momentos piores que os outros. O pior de todos eles até agora, por tudo o que contém de palhaçada grotesca, velhaca e mal-intencionada, bem que poderia ser essa “operação” contra os “empresários golpistas” que o ministro Moraes, a mídia e advogados lulistas acabam de levar ao ar. Pretendem ser heroicos; estão sendo apenas histéricos. 
Não há empresário golpista nenhum; há apenas um grupo de cidadãos que defende a candidatura de Bolsonaro para a Presidência da República. Não fizeram nada de mais. Apenas trocaram mensagens entre si, falando de desejos pessoais, de coisas que gostariam de ter visto, e não aconteceram, e uma porção de outros assuntos que fazem parte do repertório habitual das conversas políticas entre amigos, numa mesa de botequim ou na hora do churrascão — e nas quais, até onde se saiba, a lei garante que cada um diga o que bem entender. 
Não fizeram nenhum comício, não escreveram nada nas redes sociais, não produziram vídeos, nem áudios, nem cartazes — só conversaram entre si, num grupo fechado de WhatsApp cuja privacidade foi violada e teve o seu conteúdo publicado na imprensa. 
Só isso — o resto é pura conversa de polícia secreta em ditadura subdesenvolvida. Golpe pelo WhatsApp? Que diabo de história é essa? 
Um dos participantes do grupo manifestou a sua opinião através de emojis. Golpista por ter clicado uma figurinha de celular? Os inquisidores não percebem o que estão fazendo; não veem limites para a sua comédia. 
É essa a democracia de Moraes, do STF e dos seus devotos — a democracia que persegue emojis.

Por acaso esse grupo de WhatsApp tem armas pesadas para tomar o governo, ou estava organizando grupos armados?

Moraes, a imprensa e o restante do consórcio nacional contra a liberdade estão dizendo o seguinte: você não pode ter uma conversa particular com um amigo dizendo que “este país só tem conserto com um golpe”, que não admite a volta de “um bando de vagabundos” ao governo, ou coisas assim. 
Qual é a lei que impede alguém de dizer, só dizer, isso ou aquilo? E se o sujeito for a favor do AI-5, por exemplo — qual seria o problema? Onde está escrito que isso é ilegal? 
Por acaso é proibido falar dentro da sua própria casa? 
Se um vizinho (ou um jornalista) ouvir o que você está dizendo, ele pode sair correndo para denunciar ao ministro Moraes? 
É onde estamos neste momento de heroísmo e coragem, segundo a mídia, na “luta pela democracia”.  
Os participantes do grupo estão sendo apresentados na imprensa, diretamente e sem nenhuma dúvida, como “empresários golpistas” — isso mesmo, “golpistas”, como se fosse um fato provado e definitivo. 
Como assim, “golpistas”? 
Por acaso esse grupo de WhatsApp tem armas pesadas para tomar o governo, ou estava organizando grupos armados? 
Tem depósitos de munição ou campos secretos de treinamento? Pode mandar os tanques saírem para a rua? 
Dá ordens aos paraquedistas ou aos fuzileiros navais? 
Tem meios para controlar os aeroportos, as usinas de energia elétrica e o abastecimento de óleo diesel? 
Golpe é isso, entre dezenas de outras coisas da vida real — e não existe nada disso, é claro. Também não se informa como os “empresários golpistas” dariam o seu golpe, na prática. 
 Qual é o seu plano de operações? Quem faz o que, quando e onde? Quem comanda? Não existe golpe de Estado sem comando; alguém ter de ser o novo presidente. [o mais absurdo é que os paranoicos do golpe, esquecem que o golpe de Estado que imaginam será dado   por bolsonaristas, apoiadores do presidente Bolsonaro, contra o próprio Bolsonaro - afinal de contas ocorra o 'golpe' no próximo dia 7 ou no dia 2, ou em qualoquer data até 31 de dezembro próximo, independentemente do resultado das eleições, o presidente da República a ser derrubado é Bolsonaro.]   
Vai ser quem, e por quanto tempo? 
Esse mesmo, que já está no Palácio do Planalto? 
Outro? 
Vão fechar o STF? 
E o Congresso — o que será feito com o Congresso? 
Cassa todo mundo? 
E depois de cassar — vai haver eleição de novo? 
Quando? 
Quem pode concorrer? 
Os 27 governadores vão ficar nos seus cargos — ou serão substituídos por 27 interventores federais? 
Os nomes desses interventores já foram escolhidos? 
Por quanto tempo vão ficar nos cargos? 
Está na cara que ninguém organizou coisa nenhuma; é tudo perfeitamente ridículo, nessa armação grosseira que tem como único objetivo atemorizar os militantes da candidatura de Bolsonaro e tentar que calem a boca.
 
Ogolpe dos empresários” se dá num ambiente de psicose política geral. Parece que Bolsonaro, ao longo desses últimos três anos e meio, provocou um curto-circuito definitivo na capacidade de raciocinar dos seus opositores. 
É uma espécie de queda maciça do sistema, como acontece nos computadores — “deu pau” em tudo. 
 A argumentação lógica, aí, foi para o espaço. Não há mais debate político verdadeiro, nem livre trânsito de ideias contrárias; há, unicamente, uma guerra religiosa, fanática e sem limites morais contra o “bolsonarismo”, como é classificado hoje em dia todo o posicionamento de quem queira optar, segundo permite a Constituição, pela reeleição do atual presidente ou de quem não queira votar em Lula.  
Os brasileiros a favor de Bolsonaro (foram quase 58 milhões nas eleições de 2018) são tratados como delinquentes sociais. 
Foram declarados inimigos do “estado de Direito”; na melhor das hipóteses, são considerados idiotas na fronteira da debilidade mental. Pede-se em público a sua eliminação física — da mesma forma como se exibe abertamente um vídeo no qual um grupo de pessoas aparece jogando futebol com a cabeça do presidente da República. 
Como na ditadura comunista da antiga Rússia, onde quem discordava do governo era trancado num hospício, a democracia do STF tem certeza de que os cidadãos que discordam das suas decisões só podem ser loucos. Se não forem loucos, são criminosos. Mordaça neles — ou o xadrez do STF.

É essa psicose coletiva que leva a momentos como os do Jornal Nacional, nessa sua última entrevista com Bolsonaro. Não foi um trabalho de jornalismo; foi um interrogatório em delegacia de polícia, com o delegado querendo falar mais que o interrogado. (A um certo momento, no que possivelmente terá sido uma inovação nas técnicas do telejornalismo contemporâneo, o entrevistador leu uma das perguntas — isso mesmo, leu.) É também o que faz da presença da população nas ruas, neste próximo Sete de Setembro, um ato ilegal a ser punido por lei, segundo se adverte — e se recomenda — em setores da “sociedade civil”

O recado é o seguinte: cuidado. Fique em casa, ou você pode ser preso. É, ainda, a proibição de um anúncio contra o comunismo na parede de um edifício em Porto Alegre; não era um outdoor de campanha, coisa que a “lei eleitoral” proíbe, mas apenas um outdoor com um pensamento. Não pode. O juiz decidiu que é “desnecessário”. 

Eis aí uma definição realmente admirável da nossa atual democracia não é necessário pensar, e nem é recomendado pelas autoridades. A mesma neurose geral explica o pedido do PT para que a justiça proíba Bolsonaro de fazer campanha eleitoral durante o “horário de expediente”. Exigem que ele só fale ao público de madrugada, ou tarde da noite; querem impedir, simplesmente, que o homem faça campanha, uma das situações clássicas de eleição debaixo de ditadura.

esquerda pcc
Painel instalado em prédio de Porto Alegre | Foto: Reprodução

A maioria da mídia está em guerra aberta contra Bolsonaro; a militância deixou as páginas de opinião e passou a contaminar todo o noticiário, onde é comum se ler, em vez de informação, que o presidente “mentiu” para os embaixadores estrangeiros, ou que ouviu “calado” o discurso de posse do ministro Moraes no TSE, esse cabide de empregos criado numa ditadura do passado e que controla as eleições no Brasil. [esquecem que apesar de coinsiderado tosco, o presidente Bolsonaro não é tão mal educado quanto a dupla de 'jornalistas' que o entrevistou no JN; O 'capitão do povo' aprendeu que não se interrompe quem está com a palavra, coisa que os 'interrogadores' do JN não aprenderam. Bolsonaro, educadamente e em um exemmplo de tolerância, não mandou que calassem a boca, fechassem a matraca, os tolerou.]  Quando tem de publicar que a inflação está em queda, diz que não é grande coisa, pois ela também está caindo na Armênia; quando registra a volta do emprego aos níveis de antes da Covid, diz também que o governo não fez nada para diminuir “a fome” — sem demonstrar com fatos, em nenhum momento, que haja fome no Brasil. 

É uma coisa obviamente burra, antes de ser parcial, falsa ou desonesta — e mais uma demonstração da falência geral de órgãos que a ideia fixa do antibolsonarismo foi capaz de produzir no equipamento cerebral dos jornalistas. 

É, seguramente, a fase mais indigente a que a imprensa brasileira chegou em sua existência — situação que coincide, concretamente, com o pior momento em suas tiragens e com sua redução a produto de higiene para cães domésticos, por parte de distribuidores incomodados com material não vendido.

O consórcio nacional contra a liberdade criou um clima de opressão no Brasil: isso faz muita gente esconder que vai votar em Bolsonaro, com receio de represálias na vida social, ou no ambiente de trabalho, ou até na própria família. 

Outros, simplesmente, não abrem a boca para não levantarem a ira do ministro Moraes e a arbitrariedade dos seus inquéritos policiais
Que democracia é essa, onde a livre preferência política passa a ser um sentimento clandestino? 
Nunca houve no Brasil, como agora, tanto ódio político e tão pouca esperança na volta da paz. O fato é que Bolsonaro seria mais tolerado se fosse um ditador boçal que está no governo por força de um golpe de estado. Mas ele não é isso. 
Daí a democracia a la STF entra em parafuso. 
Não se admite que o governo tenha sido eleito, que seja popular e que esteja obtendo uma inflação de 7% ao ano. 
Não se admite que, ao fim de 2022, a inflação brasileira será menor que a dos Estados Unidos
Não se admite que esteja em vigor um auxílio familiar de R$ 600 por mês, em dinheiro, para os pobres. Não se admite que neste preciso momento haja queimadas na França e na Espanha e não na Amazônia ou que os incêndios na floresta amazônica foram cinco vezes maiores nos governos Lula do que na gestão de Bolsonaro. 
Não se admite que o preço da gasolina esteja caindo.

“Essa gente” tem mesmo de ser detida, diz a democracia do ministro Moraes. Comete o crime de pensar

Não se admite, acima tudo, que possa haver vida inteligente no governo; os formadores de opinião ficam doentes com isso. 
Poucos episódios poderiam demonstrar essa frustração tão bem quanto uma comparação feita com humor, recentemente, numa visita do ministro Paulo Guedes à França. Guedes disse que seria idiota acusar o governo francês pelo incêndio da Catedral de Notre Dame, em Paris. Da mesma forma, observou, é idiota criticar o governo do Brasil pelas queimadas na Amazônia, que ocupa uma área territorial maior que a Europa — e não um quarteirão de cidade como a igreja matriz dos parisienses. Foi um ataque generalizado de nervos. 
Como um bolsonarista pode ter um momento como esse? 
Como pode dizer uma coisa espirituosa, ou engraçada? Não pode. “Essa gente” tem mesmo de ser detida, diz a democracia do ministro Moraes. Comete o crime de pensar — e isso é terminantemente proibido no Brasil que está a caça de “empresários golpistas”, de genocidas e de outros indesejáveis.

Leia também “A democracia caolha do ‘11 de agosto’”

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Um caso de amor com a tirania - Revista Oeste

Na França, é cada vez mais evidente o namoro com o autoritarismo sob o disfarce da racionalidade, da competência administrativa, do bem comum, da justiça social

Bem pouca gente ouviu falar muita coisa a respeito da história que será contada a seguir — é praticamente impossível, hoje em dia, ler, ouvir ou ver informações sobre fatos que estorvam a visão do certo e do errado que existe na cabeça da mídia mundial. Mas o fato é que acaba de ser cometido na França um ataque especialmente vicioso, pervertido e hipócrita contra a liberdade de expressão. Em perfeita simetria com a intenção dos seus autores, é também uma missa cantada para celebrar a submissão do indivíduo ao Estado — e promover um novo avanço da autoridade pública em sua escalada para tornar-se o elemento mais valioso, e mais privilegiado, da sociedade francesa.

Foi aprovada, agora neste final de novembro, uma prodigiosa sequência de atos destinados a proteger a polícia dos cidadãos em geral e sobretudo dos jornalistas. Você não leu errado. É isso mesmo: o governo do presidente Emmanuel Macron, com o apoio maciço dos deputados da Assembleia Nacional, declarou que a população se tornou um perigo para o Estado francês e para os seus agentes. Em consequência, tem de ser tratada com repressão. A desculpa é aumentar a segurança dos policiais no combate ao terrorismo — e punir os cidadãos com sanções penais caso a polícia decida que está sendo posta em risco por eles. [A França é uma democracia que sempre foi elogiada pelo imprensa e a medida aqui criticada teve o apoio quase unânime da Assembleia Nacional, o que mais que justifica sua adoção.
 
O objetivo é impedir que as ações policiais tenham seus agentes expostos por abuso da imprensa e da própria população em fotografar policiais em ação, combatendo o terrorismo e outros ilícitos. O argumento de que seu principal objetivo é aumentar a segurança dos policiais no combate ao terrorismo é inteiramente procedente e comparar tal fundamento a uma desculpa é até aviltante. Qual o interesse de um cidadão fotografar agentes policiais no legítimo exercício do dever legal?
 
Macron com sua insinuação de invadir o Brasil não goza de nossa simpatia, mas sua proposta de mais segurança para os que combatem o crime é um exemplo a ser seguido pelo Brasil - até mesmo para impedir que franceses ou outros tentem internacionalizar a Amazônia.]

A partir de agora, por força do Artigo 24 da “Lei de Segurança Global” que acaba de ser aprovado, as pessoas estão sujeitas a um ano de prisão e a € 45 mil de multa (ou perto de R$ 300 mil) se divulgarem “a imagem do rosto ou de qualquer outro elemento de identificação de um policial ou de um gendarme em ação de serviço”. Ou seja: os repórteres fotográficos, ou quem mais estiver com a câmera do seu celular ativada, ficam legalmente proibidos de registrar, por exemplo, imagens de policiais baixando o cacete em qualquer tipo de manifestação pública, ou prendendo cidadãos suspeitos de não observância do “distanciamento social”. Para amarrar a coisa pelos sete lados, o Artigo 24 também exige que os veículos de comunicação apaguem o rosto de policiais de qualquer foto ou vídeo que porventura vierem a obter e a publicar.[aqui no Brasil além da proibição de foto de 'di menor' criminoso ser divulgada, ainda tem que ser mencionado apreendido em vez de preso, ato infracional  substituindo crime e por aí vai.

Quanto aos bandidos adultos, até mesmo os condenados cumprindo pena, recolhidos em presídio,  possuem o direito absurdo de ter a imagem preservada. Placas de veículos envolvidos em ocorrência policial, são sempre borradas. Já os policiais são mostrados em todos os ângulos.]

O veneno contido na lei teve efeito imediato: dois jornalistas já foram detidos ao cobrir manifestações de protesto contra o próprio Artigo 24. Está claro que o propósito do governo Macron, dos deputados que lhe dão apoio e dos sindicatos de policiais é reprimir os cidadãos e jornalistas que querem (ou precisam) registrar atos de violência ilegal e de arbitrariedade cometidos pela polícia — e não proteger seus agentes do terrorismo. O ministro do Interior, que foi o principal corretor público da nova legislação, admitiu que não tem nenhuma estatística a respeito de casos em que a captação e a divulgação de imagens de policiais possam ter provocado algum ataque contra eles. Também não soube informar quantos funcionários da polícia, até hoje, foram importunados socialmente por verem a sua atividade divulgada em público. O que sobrou, no fim das contas, foi a prisão e a multa.

E se Bolsonaro ou Trump propusessem algo parecido com o tal Artigo 24? [com certeza tentariam levar os dois para o tronco; agora que a democrática Franca reconhece que necessita proteger seus policiais fica mais fácil a adoção de medidas do tipo em outros países.]  A lei diz que as punições deverão se limitar aos casos em que houver a intenção deliberada, por parte de quem gravou as imagens, de atentar contra a “integridade física ou psíquica” dos policiais — mas, na prática, é a própria polícia quem vai decidir se a imagem foi captada com malícia ou de forma inocente. O que você acha que vai acontecer na vida real? No caso dos repórteres fotográficos, por exemplo: sua função profissional inclui, obrigatoriamente, o registro da presença da polícia e das ações praticadas por ela durante uma manifestação pública, e sua intenção é mesmo divulgar as imagens que colheu. 

Como é que fica, então? Se a imagem com o rosto do policial for publicada no jornal ou na televisão, ele estará sujeito, por definição, a um atentado terrorista. [o risco é claro e precisa ser eliminado ou no mínimo reduzido.] Para cumprir a nova lei, portanto, o jornalista não poderá mais fotografar ou filmar livremente nenhuma manifestação em que a polícia esteja presente.

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A pergunta que interessa, depois disso tudo, é a seguinte: existe no Brasil alguma coisa parecida com esse Artigo 24? Não existe nem nunca existiu — na verdade, é provável que nunca tenha passado pela cabeça de ninguém fazer algo assim por aqui. Imagine-se, agora, o que o presidente Macron, seus admiradores e as classes intelectuais, jornalísticas e bem-educadas da França estariam dizendo se o presidente Jair Bolsonaro mandasse para o Congresso Nacional um projeto de lei propondo exatamente o que o governo francês acaba de fazer. (Pior: e se a ideia viesse de Donald Trump? É melhor nem pensar.)

No mundo das ideias, o Brasil visto da França de Macron e dos Estados Unidos de Joe Biden é um inferno político onde a população é oprimida diariamente por uma ditadura militar-fascista, que persegue os índios, os negros, os gays, as mulheres e os pobresalém de queimar a Amazônia e praticar o genocídio, porque o presidente não usa máscara, promove “aglomeração” quando fala em público e recomenda o uso da cloroquina. No mundo dos fatos, a França está jogando na cadeia repórteres que fotografam ou filmam policiais em manifestações de rua.

A nova “Lei de Segurança Global” é uma aula magna sobre a progressiva e inquietante descida da França em direção ao totalitarismo estilo 2020 — essa mistura pretensamente fina de supressão das liberdades individuais com a transferência cada vez maior das decisões para a esfera dos altos e médios servidores das máquinas estatais, das nações ou das entidades “globais”. (A propósito: a proibição de captar imagens leva o nome de “Lei Global”.) Não é algo que esteja acontecendo só na França. [essa suposta 'queda' da França rumo ao totalitarismo é consequência do excessivo descontrole de tudo que preservava valores que deveriam ser caros a toda a democracia - o desmonte a destruição desses valores e sua substituição por tudo que não presta, por tudo que agride a FAMÍLIA, aos BONS COSTUMES, aos VALORES CRISTÃOS, à MORAL, à VERGONHA, às CRIANÇAS, o DIREITO À PROPRIEDADE,à ORDEM,  atingiu um ponto em que se tornou necessário aplicar um freio de arrumação e iniciar a reconstrução de tudo que foi, ou está sendo, destruído. A França já reconheceu, esperamos que o Brasil e muitas outras nações também reconheçam.]  Na Alemanha, praticamente no mesmo dia, a maioria governista que controla o Parlamento aprovou a supressão de direitos individuais inscritos na Constituição alemã para pôr em vigor a sua “Lei de Prevenção das Infecções”, com restrições que vão da suspensão de liberdades por conta do lockdown até a vacinação obrigatória. (Levantaram-se, na hora, lembranças da “Lei Habilitante” de
março de 1933, na qual esse mesmo Parlamento, então chamado Reichstag, deu plenos poderes a Adolf Hitler.)

É o avanço, nas democracias tidas como as mais avançadas do mundo, da ideia geral de que as pessoas, no fundo, não sabem o que é bom para elas; para não serem enganadas pelo “populismo”, que as leva a escolher indivíduos inconvenientes para os governos, devem se submeter a um novo “contrato social”. Por esse contrato, a autoridade, basicamente, deve ficar a cargo dos que têm “qualificação técnica” para governar — as camadas superiores dos ministérios disso ou daquilo, os altos burocratas dos organismos internacionais, do FMI à Organização Mundial da Saúde, os detentores do saber universitário e os funcionários públicos que se encontram entre um galho e outro dessa árvore toda. À população cabe cumprir ordens — da proibição de fazer uma imagem à obrigação de tomar vacina.

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O que os burocratas que ocupam bons lugares no aparelho estatal estão realmente querendo — seja nos países, seja nos órgãos transnacionais — é mandar. Quanto mais mandarem, mais seguros estarão nos seus altos salários, seus cartões de crédito “corporativos”, suas aposentadorias com remuneração integral e o resto da festa. Seu lema é: “Cada vez mais governo, mais ‘protocolo’ e mais poder para quem não foi eleito — e cada vez mais obediência por parte dos demais”.

A própria aprovação da Lei de Segurança Global, em si, é um prefácio para esse mundo escuro que está se formando nas nações mais bem-sucedidas do mundo. A Assembleia Nacional da França tem 577 deputados. Para a sessão em que o seu Artigo 24 foi aprovado compareceram apenas 170, ou 30% do plenário total — e a votação acabou ficando em 146 a favor e 24 contra. [A legislação francesa permite que a Assembleia Nacional delibere com quórum mínimo e dos presentes quase 90% aprovaram a Lei.] Para que serve, então, um Parlamento desses? Parece o Congresso da Venezuela, de gravata Hermès e bolsa Vuitton. A reação dos franceses, ao mesmo tempo, foi de uma apatia capaz de lembrar a postura geral dos chineses diante da ditadura em vigor em seu país.

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Faz uma tremenda diferença, num país que tem hoje 5,5 milhões de funcionários públicos cerca de 8% da população nacional, e nada menos do que 20% da população economicamente ativa (ou um em cada cinco franceses), descontando-se aí os 3 milhões de desempregados atuais. Para chegar a esse nível, o Brasil teria de ter entre 17 milhões e 18 milhões de servidores públicos; temos 12 milhões, nos três níveis.

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Leia também o artigo de Theodore Dalrymple desta edição, “Burocracia: do absurdo ao sinistro”

J.R. Guzzo, jornalista - Revista Oeste