Agentes foram identificados em reportagem publicada no GLOBO
[qual a razão do Ministério Público não demonstrar interesse em apurar o assassinato de 120 PMs, no Estado do Rio, só este ano?
Um bandido morre imediatamente é investigado, a turma dos direitos humanos acusa a polícia; já quando um policial morre o assunto é tratado com desprezo e antes de qualquer investigação o policial assassinado é considerado bandido enquanto o bandido é uma vítima inocente.
Saiba mais sobre a proteção que dão a bandidos, lendo Onda Retrógrada.]
O
Ministério Público estadual fará um pente-fino em todos os casos de mortes em
confronto que envolvem os 20 policiais militares identificados numa reportagem
publicada neste domingo no GLOBO. O trabalho ficará a cargo do Grupo
de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp), coordenado pela
promotora Andrea Amin. De 2010 a 2015, esses PMs tiveram participação em 273
autos de resistência, nas quais 356 pessoas foram mortas, o que representa mais
de 10% do total de vítimas de policiais no período. Os promotores vão solicitar
e analisar todos os inquéritos e os processos em que os agentes foram citados, para
verificar se houve irregularidades.
A fachada
do 39º BPM (Belford Roxo), na Baixada Fluminense, região onde aconteceu a maior
parte dos autos de resistência em que estão envolvidos os 20 policiais listados
pelo GLOBO - Hermes de Paula / Agência O Globo
Se levada
a cabo, a medida vai obrigar uma mudança no foco do Gaesp. A maior parte dos
casos em que os 20 PMs estão envolvidos ocorreu em municípios da Baixada
Fluminense, principalmente na área do 39º BPM (Belford Roxo). O Gaesp, porém,
até hoje elencou como prioridade a investigação de mortes nas áreas do 41º BPM
(Irajá), do 7º BPM (São Gonçalo) e do 12º BPM (Niterói), onde os índices eram
mais altos. Por questões
legais, o grupo do MP não pode assumir um caso sem autorização do promotor da
vara onde a ação tramita. Ele pode, no entanto, oferecer ajuda. A unidade
também já fez o acompanhamento de processos a pedido de parentes de vítimas da
violência policial, por exemplo. — Nós
fazemos esse trabalho de ir até os promotores e oferecer a ajuda do Gaesp. E
também é bom que exista o compartilhamento desses dados (entre a imprensa e o
MP) — disse a promotora.
Segundo
Andrea Amin, alguns policiais citados pelo GLOBO já tiveram inquéritos no
Gaesp. É o caso do cabo Fabio de Barros Dias, hoje lotado em atividades
burocráticas no 31º BPM (Recreio). Em 30 de março deste ano, o PM foi filmado
executando um criminoso ferido, já caído no chão. Na mesma operação, um de seus
disparos matou a adolescente Maria Eduarda Alves da Conceição, de 13 anos,
dentro de uma escola municipal em Acari.
— O
Fabio, por exemplo, eu já denunciei duas vezes. Acabei arquivando outros casos,
mas pedi a prisão dele, e o juiz negou. Depois, ele matou aquele homem em Acari
e acabou atirando na Maria Eduarda. Se tivesse sido preso antes, ele não teria
matado aquela menina — criticou a promotora.
EM SEIS
ANOS, 16 AUTOS DE RESISTÊNCIA
No
período do levantamento feito pelo GLOBO, de 2010 a 2015, o cabo Fabio se
envolveu em 16 autos de resistência (mortes em confrontos). Procurado pelo
GLOBO, o advogado que defende o policial pediu que perguntas fossem enviadas
para ele por e-mail, mas nenhuma delas foi respondida. [o policial está em uma ação contra bandidos, com troca de tiros, sendo esperado (apesar de não desejado) que hajam mortes;
Deus protegeu o policial fazendo com que este tenha sobrevivido - é crime, não ser assassinado por um bandido em tiroteio?]
A
promotora Andrea Amin ressalta a dificuldade de apurar as mortes em confronto
devido a falhas cometidas por policiais civis e militares. Segundo ela, a cena
do crime sempre deve ser preservada. A reportagem do GLOBO mostrou que, em
69,9% dos autos de resistência, os corpos das vítimas foram removidos do local
sem a realização de perícia:
— Todo
caso de letalidade policial deveria ir para a Divisão de Homicídios. Com a
expertise e os peritos da especializada, talvez tivéssemos um resultado melhor
do que temos hoje, porque as delegacias distritais não têm condições de fazer
as perícias. O local do crime ser desfeito é uma dificuldade que sempre
encontramos. Se a vítima morreu, e o policial a leva para algum lugar, é fraude
processual. A preservação da cena do crime é extremamente importante. [a perícia não é feita por delegacia de bairro e sim por peritos do Instituto de Criminalística.]
O
relatório final da CPI dos Autos de Resistência, realizada ano passado na
Assembleia Legislativa, aponta que há falhas em todos os órgãos de controle da
área de segurança pública do Rio. O Ministério Público “tem se mostrado
historicamente um grande arquivador de casos, colaborando para a impunidade dos
policiais criminosos”, diz um trecho do documento. Também não faltam críticas
para as polícias Civil e Militar. O relatório foi aprovado por unanimidade na
comissão, mas aguarda desde julho de 2016 a votação em plenário.
Em nota,
o Ministério Público informou que arquiva mais que denuncia, “pois são baixos
os índices de elucidação dos fatos pela polícia judiciária a quem cabe
finalizar o inquérito”. Por isso, o órgão criou em 2015 o Gaesp para tratar os
autos de resistência como prioridade. Em dois anos, promotores do grupo já
ofereceram 40 denúncias contra agentes públicos. Pesquisador
da Human Right Watch, César Muñoz afirma que policiais são constrangidos a
manter silêncio a respeito de crimes cometidos por colegas de farda. Muñoz é
autor do relatório “O bom policial tem medo”, sobre o recorrente acobertamento
de execuções na PM: — Os
códigos disciplinares das PMs estão muito defasados. Tem um conteúdo
incompatível com uma polícia que atua numa democracia.
O
levantamento do GLOBO foi feito nos 3.442 autos de resistência ocorridos de
2010 a 2015. Durante mais de 20 dias, a Polícia Civil foi procurada para
comentar os fatos apurados, mas não houve resposta. Já a Secretaria de
Segurança afirmou que os posicionamentos sobre a reportagem ficariam a cargo
das polícias Civil e Militar. Em nota, a PM informou que em 2015 foram
excluídos da corporação 156 policias. O texto ressalta ainda que “um número
muito pequeno do efetivo” envolvido em autos de resistência “revela que não há
na corporação uma política de segurança voltada para o confronto”.
PM PODE
REABRIR CASOS CITADOS NA REPORTAGEM
A Polícia
Militar também pretende apurar a atuação desse grupo de policiais nas mortes
citadas na reportagem. De acordo com o major Ivan Blaz, porta-voz da
corporação, todo homicídio decorrente de oposição à intervenção policial —
chamado de auto de resistência — gera hoje um inquérito policial-militar (IPM)
para que a conduta dos policiais seja investigada. Segundo Blaz, caso sejam
identificados novos fatos não apurados durante esses procedimentos, a PM irá
reabri-los. Como a reportagem mostrou, em pelo menos dez casos foram
encontrados indícios claros de execução ou fraude processual. — Existem
inúmeras apurações na corregedoria sobre mortes em confronto — disse o major. —
Se houver algum fato novo, vamos investigar.
Um dos
episódios novos apresentados pela reportagem ao comando da PM envolve o caso do
jovem Wagner Nunes, morto em 26 de janeiro de 2014. Aos 24 anos, ele já
trabalhava havia três anos como técnico em telecomunicações e tinha sido
aprovado no concurso para a Escola de Sargentos de Armas (EsSA) do Exército. No
dia da morte, dirigia o carro do tio.
Um dos
PMs envolvidos na morte de Wagner é Flávio Pereira Morais, que de 2010 a 2015
se envolveu em 22 mortes em confronto. No relato oficial, o carro de Wagner
trafegava em alta velocidade pela Estrada do Quitungo, em Cordovil, e homens em
seu interior teriam disparado contra a viatura, dirigida por Flávio. No revide,
Wagner teria sido atingido na cabeça e batido o carro. O jovem que ia no banco
de trás, Josiel Gomes de Souza, foi morto com um disparo à queima-roupa. O
terceiro ocupante do veículo foi preso e processado por porte ilegal de arma e
resistência, mas foi absolvido.
No
processo, o sobrevivente contraria a versão dada pelos policiais. Ele contou
que estava com Wagner no carro quando Josiel, que era traficante, pediu carona,
garantindo que não portava armas ou drogas. Mesmo com certo receio, Wagner
teria cedido. Em seguida, contou a testemunha, o carro foi alvo de tiros. O
jovem afirma que sobreviveu porque se fingiu de morto após a batida. Ele
afirmou ainda que nenhum dos três estava armado. Por medo, parentes de Wagner
decidiram não levar o caso adiante. — Ele
tinha sonhos como todo mundo, mas tudo foi interrompido. Tenho que viver com
esse vazio. Por que matam um inocente assim? — lamentou uma parente.
No fim de
2015, um sistema de controle interno da PM fez um alerta para um possível uso
excessivo da força por parte de Flávio Morais. Naquele ano, o sargento fez 606
disparos, tornando-se o policial que mais atirou no estado, segundo o Sistema
Informatizado de Material Bélico. Procurado, o PM não quis comentar o caso.
— Não
tenho a intenção de divulgar nada para vocês — limitou-se a dizer antes de
desligar o telefone.
O Globo