O Globo
Vacinação no Brasil
A Revolta da Vacina 2.0, com o sinal trocado, começou. O governador de São Paulo, João Dória, teve o mérito de alertar para a lentidão do governo Bolsonaro no plano nacional de vacinação contra a Covid-19, e deu a saída para uma rebelião civil a favor da vacina.
Vários outros governadores saíram em busca de uma solução, alguns querendo partilhar com São Paulo as primeiras doses. Aproveitando a onda a favor, Dória exagerou na dose e prometeu vacina para todo brasileiro que estiver em São Paulo, não precisando viver lá, e ainda ofereceu milhões de doses para os Estados que necessitarem.
O resultado previsível é uma corrida para o Estado, e muitos prefeitos de cidades fronteiriças temem uma invasão. Outros governadores querem frear Dória, defendendo uma vacinação nacional concomitante, temerosos de que sejam considerados incapazes comparados com o governador paulista.
O governo Bolsonaro está lento mesmo, e começa-se a desconfiar que está
lento de propósito, porque não leva a vacina a sério, não acha que seja a
solução, e vai retardando suas decisões. O ministro da Saúde, General
Eduardo Pazuello, já tinha descartado a vacina da Pfizer, com a alegação
de que era muito cara sua manutenção. Vários países da América Latina [a Venezuela à frente]
já estão se organizando para recebê-la, países às vezes bem menos
organizados e ricos que nós.
O governador da Bahia, o petista Rui
Costa, começou uma negociação direta com a Pfizer, e iniciou a compra
de refrigeradores compatíveis com a exigência de conservação a - 70. O
ministério da Saúde teve que ficar esperto e já está negociando 60
milhões de doses com a Pfizer. O governador do Maranhão, Flavio Dino, do
PCdoB, já entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo autorização
para usar qualquer vacina aprovada por instituições de controle
sanitário, como a Food and Drugs Administration (FDA), nos EUA. [uma vacina aprovada pela FDA - que confere os resultados apresentados pelo solicitante da aprovação, não se limitando a ler o que os resumos mostram - merece credibilidade e, muito provavelmente, a Anvisa validará para o Brasil tal aprovação. Agora, quanto ao governador petista resta saber quando os refrigeradores que ele diz estar comprando estarão disponíveis para preservar as vacinas que ele diz estar negociando com a Pfizer.]
Era claro que isso aconteceria, porque só os irresponsáveis não sabem que a vacina é a solução. Só um governo irresponsável não dá prioridade a este assunto, e fica inaugurando uma patética exposição da roupa de posse do presidente. Uma lei, publicada logo no início da pandemia, permite [permissão válida se certos requisitos, cuja definição é de responsabilidade da Anvisa, sejam atendidos. Argumento forte não faltará para contestar aprovação de congêneres de alguns países.] o uso de vacinas aprovadas por órgãos oficiais de controle de outros países como Estados Unidos, União Europeia, Japão, China. A ANVISA precisa apenas autorizar, e não aprovar as vacinas, e tem 72 horas para isso. Caso não autorize nesse tempo, a vacina está automaticamente aprovada. [sic] Para recusar, terá que ter argumento muito forte para se contrapor a suas congêneres internacionais.
O governo não quis fazer um plano nacional de vacinação, e perdeu o controle da situação. Agora está tentando retomar o domínio, aproveitando-se de que alguns governadores e prefeitos estão incomodados com a pretensão de Dória de liderar o processo de vacinação. O prefeito eleito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, citado por Doria como pretendente à vacina do Butantan, desmentiu ontem, avisando que vai esperar a vacinação nacional do ministério da Saúde. [o general Eduardo Pauzuello lembrou ontem ao 'bolsodoria' que o Instituto Butantan é do Brasil e não de S. Paulo.]
A Fiocruz, no Rio de Janeiro, está se programando para iniciar a vacinação junto com o ministério da Saúde, em março. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, bolsonarista, acha que Doria está tirando proveito político por ter em seu Estado o Instituto que fez acordo com a Universidade de Oxford e o laboratório AstraZeneca.
O ministro Pazuello tentou colocar Doria contra os demais governadores dizendo que a vacina não é de São Paulo, mas do Instituto Butantan. Acontece que o Instituto foi fundado pelo governo de São Paulo em 1901, e desde então faz parte da Secretaria de Saúde do Estado.
Os movimentos do governador João Doria foram fundamentais para tirar o governo do imobilismo, mas ele precisa conter-se para não deixar a impressão de que está abusando politicamente da vacina. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse recentemente que Doria precisa nacionalizar seu nome, se quiser ser candidato à presidência da República, e parece que o governador paulista está seguindo seu conselho, distribuindo a vacina para quem quiser. É preciso saber se terá tantos milhões de doses necessárias para nacionalizar a vacinação. [as ideias do sociólogo estão há muito vencidas e quando expelidas e interpretadas pelo 'bolsodoria' se tornam problemas.]
Merval Pereira, colunista - O Globo
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