O Globo
Desde o início do ano, a inflação preocupa — e não só no Brasil, onde registrou alta de 10,7% nos 12 meses encerrados em outubro. No mesmo período, os preços subiram 6,2% nos Estados Unidos, a maior alta em três décadas. No Reino Unido, os 4,2% foram o maior valor alcançado desde 2011. Na Zona do Euro, os preços também subiram perto disso, 4,1%.
Os últimos dados confirmam o maior temor dos economistas: que não se trate de um movimento temporário, resultado do desajuste provocado pela pandemia — mas de uma inversão de expectativas que retome a corrida entre preços e salários e leve o mundo a um surto inflacionário semelhante ao dos anos 1970. O alarme soou com o resultado anunciado para o núcleo da inflação nos Estados Unidos, número cujo cálculo exclui preços voláteis como energia e alimentos. Ele bateu em 4,6%, quase três pontos acima da meta do Fed, o banco central americano.
Nas previsões do início de outubro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) teve a cautela de afirmar que as expectativas — medidas pelas projeções de juros de longo prazo — continuavam, no jargão dos economistas, “ancoradas” e que o episódio inflacionário seria controlado assim que as cadeias de suprimento voltassem aos níveis pré-pandêmicos e permitissem atender à demanda represada. Mas isso foi antes dos índices de outubro — e o próprio FMI chamava a atenção para a necessidade de ação ágil dos bancos centrais numa emergência.
É sobretudo para os dois maiores — o Fed e o Banco Central Europeu — que se voltam os olhos dos agentes econômicos. E o que veem não é nada tranquilizador. É verdade que ambos decidiram, nos próximos 12 meses, reduzir a zero as compras de títulos que têm injetado US$ 235 bilhões todo mês na economia. Mas pode ser pouco. Pelas projeções, os juros reais continuarão negativos nas principais economias do mundo no ano que vem (o Brasil pode ser exceção se o Banco Central elevá-los no ritmo esperado). Persistiria, no entender dos analistas, o incentivo para a circulação da moeda, aumento da demanda e, em consequência, dos preços.
Contribuem para a incerteza as atitudes do presidente Joe Biden e do presidente do Fed, Jay Powell. Este afirmava até há pouco que a inflação era “temporária”. Biden supõe que as razões da alta da gasolina podem estar em ilegalidades cometidas pelas petrolíferas, exatamente como aqueles que, aqui no Brasil, querem controlar quanto cobra a Petrobras. Nada disso tem cabimento.
Ao insistir na tese da inflação temporária, ambos dão a impressão de que, mesmo que o Fed suba os juros, continuará leniente com os preços. Semeiam, com isso, desconfiança no mercado, que começa a embutir a inflação em seus cálculos. O resultado é a velha espiral de aumentos que pode tornar a inflação um problema permanente. Biden, que começou o governo querendo ser um novo Franklin Roosevelt, poderá acabar como outro democrata: Jimmy Carter, massacrado nas urnas por um eleitorado fustigado pela inflação galopante.
Editorial - O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário