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terça-feira, 23 de novembro de 2021
O moderador - Gazeta do Povo
Alexandre Garcia
Discrepâncias do Judiciário
Quem
quer que leia a Constituição vai perceber que decisões da mais alta
corte não estão batendo com o que está escrito na lei maior. Essas
discrepâncias vinham sendo comentadas nesses últimos tempos como
denúncia de que algo está errado. Em Lisboa, num simpósio jurídico, o
ex-presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, mostrou às claras o que
vem acontecendo: o Supremo é o poder moderador da República.O poder moderador que tivemos foi na Constituição de 1824, em que o
Imperador, estando acima dos poderes, poderia intervir em conflitos e
manter a harmonia entre eles. Ele era o quarto poder.
Se o Supremo,
hoje, é o poder moderador,então ele abarca, ao mesmo tempo, dois
poderes - mesmo sem ter, para isso, o voto que é a origem do poder.
Estátua em frente ao Supremo Tribunal Federal: ministro disse que Judiciário é o poder moderador.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
O
Imperador não fazia ativismo político, não alterava a Constituição, não
inventava leis nem mandava prender, como tuitou o deputado Luiz
Philippe de Orleans e Bragança. Ademais, há registro algum na
Constituição a erigir um poder moderador - como afirmou a presidente da
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, deputada Bia Kicis. O
jurista Ives Gandra Martins, ao interpretar o art. 142 da Constituição,
entende que esse poder é das Forças Armadas, como “garantia dos poderes
constitucionais”.
Não foi um ato falho do ministro Toffoli; afinal, ele
estava falando de Lisboa para o Brasil; mais parece uma proclamação de
que o poder moderador é o Supremo - embora sem apoio na Constituição e
muito menos no voto.
Toffoli também afirmou que o
sistema de governo no Brasil é o semipresidencialismo - embora ele tenha
se referido ao adjetivo semipresidencial.Na terra de Camões poderia
ser mais cuidadoso com a língua. Isso é verdade.
A constituinte que
acompanhei escreveu uma base de sistema parlamentar com uma emenda
presidencial.
E criou o seguinte princípio: o presidente, que tem a
responsabilidade pelo governo, não tem os poderes para governar; o
Congresso, que não tem essa responsabilidade, é que tem esses poderes.
O
presidente Sarney, no dia da promulgação, quando o entrevistei, disse:
“Com esta Constituição, o Brasil fica ingovernável”. Ele foi o primeiro
semipresidente. Nelson Jobim, que foi o relator executivo, me disse que
os constituintes estavam sob a síndrome do autoritarismo, e
enfraqueceram o chefe do Executivo.
É uma agressão à
representatividade do povo, origem do poder,que o exerce diretamente ou
por seus representantes eleitos, como está no primeiro artigo da
Constituição. Ora, hoje, presidentes eleitos com mais da metade dos
votos válidos nomeiam seus auxiliares e tomam decisões administrativas
que têm sido vetadas pelo “poder moderador”.Não custa lembrar que no
referendo pós-constituinte, o sistema presidencial teve 70% dos votos.O
ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo, ex-ministro do PT e ex-PCdoB, no
seminário do Instituto Villas-Bôas, que conduzi sexta-feira, pregou um
governo com presidente forte, com democracia“pois o Brasil não aceita
ditadura de ninguém, de patrões ou trabalhadores, de militares ou do
judiciário. Só democracia”.E democracia não comporta imperadores
mandando nos poderes eleitos.
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