Em
16 de março de 1990, quando a ministra Zélia Cardoso de Mello anunciou à
imprensa e a um seleto público as medidas de contenção da inflação do
Plano Collor, no fundo do salão, entre xícaras e cafeteiras, um garçom
do palácio antecipou-se à plêiade de economistas presentes, exclamou e
foi ouvido: “Não vai dar certo!”.
O mesmo
puderam dizer da Constituição de 1988 os mais sábios constitucionalistas
do país.
Não, o Brasil não precisa que ministros do STF profiram
tolices para viver suas crises.
Nossas crises estão
constitucionalizadas. Basta ler os artigos da CF de 1988 que tratam dos
poderes de Estado para saber que as exigências de Sarney, introduzidas
sabe-se lá de que jeito pelo Centrão, provocariam as crises
institucionais e morais com que desde então convivemos.
Elas são
inevitáveis! Nenhum presidente se elege com maioria parlamentar,
mormente numa realidade partidária em que dezenas de partidos cercam
todo governo como hienas cercam sua caça. Então, ou se instala a crise
moral com permanente compra e recompra da base de apoio, ou se instala a
crise institucional e o governante não governa, ou não conclui o
mandato. A crise, contudo, é certa.
Durante
muitos anos sob essa Constituição, o STF se manteve equidistante dos
embates políticos. Afinal, tucanos e petistas, primos-irmãos para quem
conhece os avós comuns, têm rusgas, mas se entendem como bem demonstram
as cenas de carinho entre FHC e Lula e a recente tentativa de namoro
entre o petista e Geraldo Alckmin. No entanto, ao se tornar
eminentemente petista, o STF resolveu assumir um protagonismo jamais
visto. Tornou-se a principal fonte dos noticiários, o poder político
proativo.
Emissora de TV que queira ter audiência precisa ligar-se ao
canal do Supremo. Bye, bye Congresso!
Bolsonaro aninhou-se nas redes
sociais. Partidos de esquerda, de diversos portes abandonam o plenário e
levam suas pautas direto para quem manda. E os conservadores,
vitoriosos na eleição de 2018? Bem, para nós ameaças, dentes à mostra,
censura, mordaça, cadeia.
Toffoli, em
seu sincericídio lisboeta, explicitou o que tantas vezes escrevi e a
maior parte do jornalismo brasileiro ocultava da sociedade: o STF, pela
imensa maioria de seus pares, usurpa uma função constitucional
inexistente, assumindo-se como pai da pátria, poder moderador da
República, palavra final na Política e no Direito.
Assim como
em Cuba tive medo do Estado, hoje tenho medo do STF e desse poder
moderador ilegítimo, não coroado nem eleito, a que se refere Toffoli.
Medo de também nos tomarem a esperança. Sinto em muitos a dormência
dessa perda e me lembro das palavras lidas por Dante no sinistro portal
do Inferno: “Por mim se vai a cidade dolente; por mim se vai a eterna
dor; por mim se vai a perdida gente...”.
E, ao fim do verso, a sentença
terrível que, há sete séculos, ecoa com letras escuras nas horas
sombrias: “Lasciate cognição speranza voi ch’entrate” (Deixai toda esperança, vós que entrais).
Todavia,
não! Este é o país de Bonifácio, de Pedro II, de Isabel, de Nabuco, de
Caxias!
Esse STF fala por si e haverá de passar! Os corruptos de ficha
lavada não nos convencem nem nos vencem. Trouxeram-nos aos umbrais do
Inferno. Exibiram-nos o portal de Dante. Que entrem sozinhos.
Perseveraremos.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de
dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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