Todos os poderes de Estado, expostos ou não ao referendo popular, todos os órgãos públicos, todas as empresas privadas ou estatais, todos os prestadores de serviço, do presidente da República ao entregador de pizzas, estão sujeitos a reclamações e a manifestações de desagrado e inconformidade.
São reflexões que me vieram à mente ao ler hoje (20/12), com dose dupla de irritação, editorial do Estadão mencionando um discurso do ministro Luiz Fux. O jornal ainda reverbera seu desconforto com a indicação de alguém que serviu o governo Bolsonaro para uma cadeira no STF, agravado tal ato pela condição religiosa do novo ministro. Em seus editoriais, como se sabe, o Estadão tem meia dúzia de pautas em torno de um único assunto: ferro no Bolsonaro.
Em momento algum passou pela cabeça do editorialista o fato de estar, o pleno do STF, repleto com sólida maioria de indicados que passaram pelo crivo ideológico de José Dirceu, bem como por servidores do PT, dos governos petistas e do governo Temer. Em meio a tantas anomalias jurídicas e atos de arbítrio, a única figura que o jornal suspeita estar no lugar errado é o ministro André Mendonça.
Com muitos adjetivos, advérbios e poucos substantivos substanciais, o jornal manifesta sua irritação com as críticas de Bolsonaro ao jornalismo militante, que o ataca em fluxo contínuo, só interrompido em “nossos comerciais, por favor”. Imagino com quanta alegria o editorialista comentou este discurso do ministro Fux no encerramento do ano judiciário, exaltando de boca própria o poder a que pertence:
“Esta Suprema Corte e o Poder Judiciário como um todo enfrentaram ameaças retóricas que foram combatidas com a união e a coesão de seus ministros. E ameaças reais, enfrentadas com posições firmes e decisões corajosas desta Corte”.
O que vejo é parte expressiva do Poder Judiciário silenciada pela Lei Orgânica da Magistratura, convivendo calada com aquilo que o ministro, muito impropriamente, chama “decisões corajosas” da nossa Suprema Corte. Algumas delas, segundo interpretação de muitos, incluem atos que extrapolam o Estado de Direito e interferem na autonomia dos poderes, e atos que ameaçam a liberdade, em inquéritos cujo sigilo não se sabe se encobre algo real ou fantasmas criados pela mente.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Nenhum comentário:
Postar um comentário