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domingo, 19 de dezembro de 2021

Uma santa vitória dos evangélicos - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo

Evangélicos travaram trama da jogatina na Câmara

Bancada evangélica travou trama que pretendia legalizar os jogos de azar e reabrir cassinos, chamando-os de resorts 

Evangélicos travaram trama da jogatina na Câmara

O filé mignon e o pote de veneno dessa iniciativa estão na abertura dos cassinos. Por trás de uma panaceia arrecadatória e turística, há muito mais

Os bons costumes nacionais devem a boa parte da bancada evangélica da Câmara um grande serviço. Ela travou a trama que pretendia legalizar o jogo em Pindorama. À primeira vista, o que havia era apenas um truque do presidente da Câmara, Arthur Lira, levando ao plenário no escurinho de Brasília um velho projeto, que legaliza os jogos de azar e permite a reabertura de cassinos, chamando-os de resorts. O filé mignon e o pote de veneno dessa inciativa estão na abertura dos cassinos. Por trás de uma panaceia arrecadatória e turística, há muito mais.

Aos fatos:
Em maio de 2018, entrando pela cozinha do Copacabana Palace, o candidato a presidente Jair Bolsonaro e o economista Paulo Guedes se encontraram com o bilionário americano Sheldon Adelson. Ele veio ao Brasil com dois objetivos: obter a promessa da instalação da embaixada brasileira em Jerusalém e tratar da abertura de cassinos em cidades turísticas. Adelson, grande financiador do partido Republicano nos Estados Unidos, tinha cassinos em Las Vegas, Singapura e Macau.

O jabuti andou. Em dezembro daquele ano, o então prefeito do Rio, Marcelo Crivella, defendeu a criação de um complexo hoteleiro com cassino no Porto Maravilha. Meses depois, já na presidência da República, Bolsonaro informou: “Não quero adiantar aqui. Brevemente, estará sendo apresentado aos senhores um projeto que, com todo o respeito ao Paulo Guedes, a previsão é de termos dinheiro em caixa maior do que a reforma previdenciária em dez anos”.

Nas contas dos amigos do jabuti, os cassinos poderiam render à Viúva até R$ 18 bilhões em arrecadação. Bolsonaro teria discutido o assunto num de seus encontros com o presidente americano Donald Trump, dono de cassinos na sua terra. Em novembro de 2019, o ministro Paulo Guedes veio para a vitrine e louvou os cassinos de Las Vegas: “Imagina ter o mesmo na região da Amazônia? Mistério, turismo, entretenimento e um centro mundial de energia sustentável”. Outros príncipes do bolsonarismo circularam pelo circuito mundial da jogatina e pelo escritório de Adelson.

Na famosa reunião do ministério de abril de 2020, o tema dos resorts reapareceu com sua roupagem de vestal do turismo. Foi rebatido pela terrivelmente evangélica ministra Damares Alves: “Pacto com o diabo.” Damares vocalizava uma posição arraigada no meio evangélico que não bebe, não fuma e não joga. O assunto poderia ter morrido, mas Paulo Guedes retomou-o: “Tem problema nenhum. São bilionários, são milionários. Executivos do mundo inteiro. (...) O turismo saiu de cinco milhões em Singapura para 30 milhões por ano. O Brasil recebe seis. (...) O sonho do presidente de transformar o Rio de Janeiro em Cancún lá, Angra dos Reis em Cancún . (...) É um centro de negócios. É só maior de idade. O cara entra, deixa grana lá que ele ganhou anteontem, ele deixa aquilo lá, bebe, sai feliz da vida. Aquilo ali não atrapalha ninguém. Deixa cada um se foder. Ô Damares. Damares. Damares. Deixa cada um ... Damares. Damares. O presidente fala em liberdade. Deixa cada um se foder do jeito que quiser. Principalmente se o cara é maior, vacinado e bilionário. Deixa o cara se foder, pô! Não tem ... Lá não entra nenhum, lá não entra nenhum brasileirinho.”

Ninguém seria capaz de imaginar que esse seria o nível do debate de um doutor pela universidade de Chicago, mas vá lá. A discussão de abril se tornou pública e o projeto continuou sua caminhada pelo escurinho de Brasília. Se uma parte da bancada evangélica tivesse ficado quieta, Arthur Lira teria colocado na pauta a legalização dos cassinos. Com a reação, ele aprovou a urgência, mas se comprometeu a só colocar o mérito do projeto em votação a partir de fevereiro. Até lá, como diz o croupier da roleta: façam seus jogos, senhores.

Sheldon Adelson terá que esperar. Ele morreu em janeiro passado, aos 87 anos, deixando algo como US$ 30 bilhões.

Madame Natasha saúda o neologismo
Madame Natasha adorou ouvir que delegados da Polícia Federal criticaram o espetáculo da ação praticada contra os irmãos Ciro e Cid Gomes na terça-feira, classificando-a de “lavajatismo”.

A expressão Lava-Jato, que designava ações contra a corrupção de políticos e empresários, gerou um neologismo que designa teatralidades intimidatórias, destinadas a condenar suas vítimas pela construção de espetáculos.

Natasha encantou-se com o neologismo, que a remeteu ao grande momento literário de Dean Acheson, o secretário de Estado americano (1949-1953) que ela adorava na sua juventude. Imponente, chique e mordaz, Acheson comeu o pão que Asmodeu amassou nas mãos do senador Joseph McCarthy, que comandou uma caça às bruxas na administração americana. Bebum e mentiroso, ele acabou censurado pelos colegas. Morreu em 1957, levado pela cirrose e pela amargura.

Anos depois, ao escrever suas magníficas memórias, Acheson deu-lhe poucas e memoráveis palavras. Disse que, como o juiz Lynch (pai do verbo linchar) e do capitão Boycott (pai do verbo boicotar), o senador “enriqueceu a língua inglesa” gerando a palavra macartismo.


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