Merval Pereira
A disputa do Estado de Direito com o Estado bandido, com as milícias, os comandos de criminosos de diversas facções é uma questão-chave de que o Brasil não cuida há muitos anos
Se não ficarmos atentos, se o governo não tomar providências drásticas, corremos o risco de ser submetidos a um estado narcotraficante, como aconteceu na Colômbia durante anos. Foi muito difícil acabar com esse domínio lá, foi preciso ajuda maciça dos Estados Unidos, com dinheiro e forças militares. É uma situação a que não podemos chegar.
A criação de um Ministério da Segurança Pública, concretizada no governo Temer e revertida no de Bolsonaro, voltará à discussão. É o que sempre acontece quando fica evidente que o crime organizado está ampliando suas ações, nacionalizando e até internacionalizando sua presença na distribuição de drogas.
Mas há uma cautela historicamente apartidária para tratar a questão, para que ela não contamine o presidente da República. Em 1997, o então presidente Fernando Henrique Cardoso criou a Secretaria Nacional de Segurança Pública, mas ligada ao Ministério da Justiça. No primeiro governo petista, houve a sugestão de que esse secretário ficasse subordinado diretamente ao Palácio do Planalto, e foi escolhido o antropólogo Luiz Eduardo Soares. Questões políticas impediram a eficácia da mudança. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, não queria perder o controle dessa função crítica, e o ministro da Casa Civil, José Dirceu, tinha discordâncias políticas com Soares e convenceu Lula de que não deveria vincular sua figura presidencial a tema tão delicado politicamente.
No final de 2003, Dirceu lançou a tese de que deveria ser criada a figura do czar antidrogas no Brasil, a exemplo do que existe nos Estados Unidos. Chegou a dizer que gostaria de assumir a tarefa. Nada disso aconteceu. O governo federal deveria coordenar as políticas de segurança estaduais. O combate ao crime organizado não pode ser responsabilidade exclusiva dos estados, como teimam em interpretar a Constituição.
Narcotráfico e tráfico de armas são crimes federais, transnacionais, entram pelas fronteiras. A disputa do Estado de Direito com o Estado bandido, com as milícias, os comandos de criminosos de diversas facções é uma questão-chave de que o Brasil não cuida há muitos anos.
Este caso de agora é gravíssimo, porque é um lance a mais na tentativa
de controlar a sociedade. Praticar atentados contra autoridades
públicas, ameaçar as instituições é passo ousado que tem de ser
combatido. Tem razão o ministro Flávio Dino quando diz que não se pode
politizar a ação repressiva de ontem. Nem para ressaltar a ação
governamental como se fosse demonstração de “democracia e civilidade”,
por estar envolvido o ex-juiz Sergio Moro, muito menos para tentar
insinuar que o PT tem a ver com a ameaça, como quis Bolsonaro.[saiba mais sobre declaração de Lula sobre o assunto.]
Merval Pereira, colunista - O Globo
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