Depois de ler meu artigo da
semana passada, sobre o Congresso encolhido, um ministro do Judiciário
me enviou este endosso: "Super preciso, Alexandre! Temos hoje um
Judiciário hipertrofiado, um Legislativo atrofiado e um Executivo
ideologizado. A democracia despencou com esse tripé."
Isso me faz refletir sobre os "pesos e
contrapesos" com que Montesquieu idealizou o equilíbrio entre os três
poderes. Se o Legislativo se atrofia, não pode ser contrapeso ante o
peso do Judiciário e as seduções do Executivo. E Legislativo atrofiado
significa representação popular atrofiada. Então despenca o significado
de democracia como governo do povo.
Quanto ao Executivo ideologizado, sempre
houve tons de ideologia, mas exacerbou-se quando, depois de três décadas
de esquerda com matizes diferentes no governo federal, a direita antes
silenciosa e tímida reapareceu e surpreendeu ganhando eleição.
Veio a
polarização e os ânimos extremaram as posições.
Agora o
atual quer apagar o anterior. Este primeiro trimestre de novo governo
faz lembrar a "Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal", do Gênesis.
"Sereis como deuses" — prometeu a serpente tentadora.
Quem cai na
tentação, fica convencido que pode estabelecer o que é bem e o que é
mal, julgando-se imbuído desse conhecimento.
O chefe do Executivo fica tentado a cancelar o que tenha sido bem
construído pelo governo anterior, e rotula o bem de mal.
As
consequências apareceram nestes três meses, mostrando que muito de bom
foi substituído por aquilo que hoje não dá certo. [as duas medidas adotadas pelo INcompetente DESgoverno,nos primeiros 90 dias, foram:
- reajuste do salário mínimo em R$ 18;
- em uma tentativa boçal de mostrar serviço, tentou tabelar os juros dos empréstimos consignados para aposentados do INSS - os bancos não aceitaram e o DESgoverno caiu de 'quatro', recuou, aumentou os juros, mas, mesmo assim os bancos não concordaram = decidiram que cada banco fixa taxa de acordo com sua conveniência.]
O Legislativo, como
órgão fiscalizador em nome do povo, parece ter dispensado seus
instrumentos e ainda não percebeu os efeitos disso.
Olimpo No Judiciário,
juízes tentados pelo "sereis como deuses" passam a decidir o que é aproveitável e o que é dispensável na Constituição, e se arvoram também a fazer leis, em vez de limitarem-se a aplicá-las. Revogar direitos pétreos e entregar o poder
de revogá-los a prefeitos e governadores foi ainda mais grave que
desrespeitar a inviolabilidade de parlamentar por quaisquer palavras.
Isso sem falar do inquérito que o ministro Marco Aurélio de Mello chamou
de "Fim do Mundo". Depois das tentações do Gênesis, o Apocalipse.
O primeiro dos poderes numa
democracia — e na Constituição — é o Legislativo, o poder atrofiado.
É o
poder que representa a população e os estados que compõem a União.
Se o
Legislativo não acordar, continuaremos nesse "Estado Democrático de
Direito" apenas como marca de fantasia. Povo e estados
sub-representados.
Talvez precise de diálogo, mas, antes do diálogo,
será necessária a humildade como antídoto ao veneno da serpente — o
orgulho e a vaidade inoculados nos que caíram em tentação.
No período
militar, o Executivo se impunha aos outros poderes — e a História hoje
chama aquele período de ditadura por causa disso. Como se chamará amanhã
o atual período de hipertrofia do Supremo?
Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense
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