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segunda-feira, 15 de maio de 2023

“O governo financia indiretamente as invasões de terra” - Branca Nunes

Revista Oeste

Provável relator da CPI do MST, o deputado federal Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente, acusa o governo federal de financiar o movimento e conta o que espera da disputa pela prefeitura da capital paulista

 

 Ricardo Salles | Foto: Carolina Antunes/PR


A seguir, os principais trechos da entrevista.

 João Pedro Stédile, líder o MST, diz que o senhor tem ódio ideológico do MST. O que o senhor acha dessa afirmação?

O João Pedro Stédile fala que eu sou um inimigo ideológico do MST, mas não é exatamente isso. O problema é que discordo de tudo que eles acreditam. 
Primeiro, o desrespeito à propriedade privada para mim é inadmissível. Segundo: cometer um crime sob o manto de um movimento social? Crime é crime. Ponto final
Terceiro: acho legítimo lutar pela reforma agrária verbalmente, politicamente — embora seja uma ideia que eu também considere superada
Agora, tomar para si o direito de dizer se uma propriedade é produtiva ou de invadir uma propriedade, mesmo que improdutiva, com isso eu também não posso concordar. 
A verdade é que, no Brasil de hoje, praticamente não existem propriedades improdutivas
O agronegócio é tão lucrativo e tão promissor que não tem mais especulação com a terra parada. 
Mesmo que o proprietário rural não queira produzir ou não tenha vocação para isso, ele pode arrendar a terra, tanto para a lavoura quanto para a pecuária. 
Não faz o menor sentido permitir que um movimento social escolha a propriedade que quer invadir, faça ele próprio uma avaliação de produtividade, derrube a cerca, deprede o patrimônio, roube o gado, roube o maquinário, faça churrasco na sede da fazenda e depois vá embora.

“Em 2017, o relator da CPI do MST era do PT. É a mesma coisa de colocar o Alberto Youssef para criar normas antievasão de divisas”

 José Rainha, que comanda um grupo dissidente de invasores de terras, foi preso por extorquir proprietários rurais. Essa é uma prática rotineira?

O caso do Zé Rainha no Pontal do Paranapanema deixou evidente uma prática que muitos já conheciam. 
Essas invasões muitas vezes não passam de um instrumento de extorsão do proprietário rural
O pessoal acampa na porta das fazendas e manda avisar que, se não pagarem determinado valor, eles vão invadir.  
Depois de alguns dias, se não pagam, o movimento invade. 
Pegaram o Zé Rainha e a turma deles recebendo o dinheiro da extorsão. É uma indústria que se retroalimenta. José Rainha | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Serão incluídas na CPI as invasões promovidas por movimentos como o MTST, liderado por Guilherme Boulos?

O conceito dos dois tipos de invasão é o mesmo: o Brasil não pode relativizar o direito de propriedade nem ter uma insegurança jurídica, seja no campo, seja na cidade
A legislação brasileira não permite que se faça justiça com as próprias mãos. 
Claro que a decisão de ampliar a CPI para que as invasões investigadas não sejam apenas as rurais, mas também as urbanas, não depende só de mim, mas de todo o grupo.

Depois de quatro anos praticamente sem registros desse tipo de crime, por que aumentou o número de invasões de terra?

A sociedade brasileira como um todo tem reprovado as invasões de propriedade
Tanto que o governo precisou emitir sinais de que estava descontente com elas
É possível perceber a diferença de atitude. No começo, quando esses movimentos começaram a invadir, alguns ministros tentaram justificá-las. Quando perceberam que a temperatura da opinião pública era contrária, mudaram o discurso. É uma postura dissimulada. Na prática, o governo estimula as invasões. Ele as incentiva ao dar dinheiro a essas entidades através de programas de educação no campo, de saúde no campo, de moradia.  
Funciona da seguinte forma: os movimentos criam associações cujo objeto não é o da invasão em si, mas o de implantar escolas rurais, por exemplo. As associações recebem o dinheiro do governo, gastam R$ 1 milhão com educação e passam outros R$ 15 milhões para o movimento. O MST e suas subdivisões faziam isso antes do governo Bolsonaro, que cortou tudo. 
As invasões não diminuíram no Brasil só porque o Bolsonaro era contra elas, mas porque houve uma série de medidas efetivas, inclusive financeiras, de esvaziamento da capacidade de ação desses grupos. Medidas que foram revertidas agora pelo governo Lula.
Esta é a quinta CPI sobre o MST. Será diferente das outras?
Neste ano, nós temos inúmeros fatos determinados. Basta pegar cada uma das invasões, com data, dia e hora, e investigá-las. Além disso, a Frente Parlamentar da Agropecuária será maioria na CPI, justamente para evitar que tenhamos uma atividade investigativa de fachada. Em 2017, o relator da CPI era do PT. 
É a mesma coisa de colocar o Alberto Youssef para criar normas antievasão de divisas. Essa é uma grande diferença. A outra é que eu vou trabalhar para que o governo entenda um problema que para mim está na base dos conflitos urbanos e rurais no Brasil, assim como nas terras indígenas e unidades de conservação. A ausência de regularização fundiária causa uma enorme insegurança jurídica. Em vez da luta irracional que travaram durante o governo Bolsonaro contra a MP da regularização fundiária, a qual eles rotularam de MP da grilagem, quem sabe o governo entenda a importância disso. Assim, a gente transforma uma CPI que eles estão achando que será um mero conflito em algo construtivo.

A oposição ficou mais forte no Congresso?
O nível dos deputados da legislatura atual em comparação com a passada aumentou muito. Em 2018, elegeram muitos radicais, gente sem conteúdo. A maior parte dessa nova turma tem um nível melhor. Assim, a oposição está mais qualificada para discutir os assuntos e é mais difícil para o governo impor pautas usando a velha tática “dinheiro, cargo e favores estatais”. Claro que ainda tem gente que se curva a isso, mas o número é menor. O problema acontece quando o governo se alinha com as presidências da Câmara e do Senado. Aí eles são invencíveis. 

Por que essa aliança entre governo e líderes do Senado e da Câmara preferiu não votar o Projeto de Lei 2630?

O que faltou nesse caso foi alinhar também com as bancadas que dão sustentação ao governo. A bancada evangélica, que em tese está com o governo em muitas coisas, nesse assunto falou que não votaria a favor de jeito nenhum. Da mesma forma, os deputados do Cidadania. O alinhamento do governo com as presidências das duas Casas não foi suficiente para convencer a base de deputados. A pressão da opinião pública, que chegou pela internet, também pesou demais. O próprio Arthur Lira denunciou isso. Ele sentiu que a pressão foi insuportável. A vantagem de ter uma internet livre também é essa: você pode pressionar o parlamentar.

O ministro Flávio Dino afirma que, se o PL 2630 não for aprovado pelo Legislativo, será pelo Judiciário ou pelo próprio governo. Isso pode acontecer?

A frase tem uma verdade e uma imperfeição. De fato, o Parlamento muitas vezes na sua história recente se furtou ao papel de legislador e deu espaço para que o STF o fizesse, inclusive na defesa de suas prerrogativas. 
Um exemplo clássico é o da prisão do deputado Daniel Silveira. 
Por outro lado, quando o Flávio Dino diz que o STF vai legislar é um erro. O Supremo não pode fazer isso, não tem voto. 
O Poder Judiciário pode até mandar colocar determinado assunto na pauta, caso o Legislativo esteja postergando, mas para por aí. Por azar do nosso país, temos um Senado totalmente sujeito às vontades do Judiciário, pelo fato de que muita gente tem uma capivara gigantesca. Eles não têm peito para se colocar como o órgão fiscalizador e que, portanto, mantém o equilíbrio entre as instituições.  
Agora, com o presidente do Senado querendo ser ministro do Supremo, isso fica ainda mais difícil. Ministro da Justiça, Flávio Dino, na Comissão de Segurança do Senado | Foto: Pedro França/Agência Senado

Por que nenhum ministro do Supremo critica publicamente essas arbitrariedades?
Se fosse há 30 anos, vários colegas daquela Corte teriam se insurgido contra ações arbitrárias e francamente ilegais. Existem juristas de grande qualidade ali dentro e que estão ameaçando a própria biografia.

Qual será seu maior desafio caso se eleja prefeito de São Paulo?
O que de pior existe na cidade, no Estado e no país, é que não conseguimos até hoje nos livrar dos grupos de interesse, das máfias, dos lobbies que dominam praticamente todos os setores da sociedade. Se for analisar o que acontece nas secretarias e subprefeitura em todas as áreas — transporte, alimentação, creches, lixo, iluminação pública —, há uma dominação da máquina pública, um controle, uma asfixia do legítimo interesse público por grupos que dominam a cidade há anos. Isso é grave. Em vez de termos os melhores serviços pelos menores preços e com isso fazer mais pela população, é o contrário: os piores serviços pelos maiores preços. Por que os subsídios às tarifas públicas de transporte não param de aumentar? Porque não se tem como base o interesse da população em criar políticas públicas e ter concorrência entre os que prestam aquele serviço. Não se consegue trazer novos players para mercado, porque ele se fechou de um jeito que os editais, as concorrências são feitos sempre para os mesmos. A política pública no setor está desenhada para favorecer quem presta o serviço e não para quem usa. A cidade está refém das máfias e nós temos que resgatá-la. 
 
O que o senhor tem a dizer sobre um adversário como Guilherme Boulos?
Me dispus a ser candidato também para impedir que São Paulo caia nas mãos de um grupo cujas características principais são a invasão de propriedade e o desrespeito à ordem pública. É um contrassenso com o que é São Paulo
Aqui é a cidade do trabalho, do mérito, do desenvolvimento, da prosperidade econômica, da oportunidade para todos. A turma do Boulos defende o contrário disso. Ele é contra a meritocracia e desestabiliza o resultado do trabalho ao desrespeitar a propriedade privada. A cidade já está um caos. Imagina na mão dessa turma.

E sobre o atual prefeito, Ricardo Nunes?
Considero igualmente ruim o pessoal do mecanismo, do sistema, que quer manter o jogo como está. Me insurjo contra isso. O Ricardo Nunes até que é boa pessoa no trato pessoal, mas não vai se contrapor a essa realidade, como não fez até hoje. Ele foi colocado lá porque sabiam que o Bruno Covas estava doente e quiseram um vice que fazia parte “do time”. O Ricardo Nunes sempre foi um vereador insignificante.
 

Como o senhor avalia a gestão de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente?
Como eu já esperava, a Marina Silva é uma grande decepção. 
Além dela não ter feito nenhum projeto relevante na área de proteção ambiental, se omitiu completamente quando o governo Lula resolveu destruir o Marco Legal do Saneamento. 
A esquerda nunca se preocupou com a agenda ambiental urbana, que é o maior problema do Brasil. 
Aliás, não podemos esquecer que ela votou contra o Marco do Saneamento. As pessoas precisam entender que prosperidade econômica é pré-requisito para você ter respeito ambiental, não o contrário. Num ambiente de pobreza e miséria não se pensa em preservar o meio ambiente. Eu também poderia ficar aqui dizendo que o desmatamento explodiu na gestão Marina, que foi recorde no cerrado, recorde na Amazônia, mas não é esse o ponto principal. 
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos – 17/1/2023 | Foto: Sandra Blaser/World Economic Forum


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Diretora de Redação - Branca Nunes - Revista Oeste


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