Sem sentido: Lula vai ao Japão defender Argentina e fugir de Zelensky
Uma política externa que acumula erros amadores e desnecessários, mesmo considerando-se que o Brasil tem que se equilibrar na questão da guerra
O que o Brasil ganhou com a participação do presidente Lula da Silva como um dos convidados da cúpula do G7?
É triste ter que responder que absolutamente nada. Ou talvez uma comprovação, a nível mundial, de que está tudo errado. Até o New York Times, tão pró-Lula que publicou um editorial dizendo que o “futuro do mundo” dependia da eleição presidencial brasileira do ano passado, teve um ataque de sinceridade e o chamou de “aliado próximo” da Rússia.
Mesmo pelos padrões de comprometimento moral e político criados pelo apoio implícito da política externa brasileira à Rússia — revelado, mais uma vez, nas críticas plantadas na imprensa à “narrativa ucraniana”, como se invasão e atrocidades múltiplas fossem fruto de imaginação —, foi um fiasco.
Tentar culpar Volodymyr Zelensky pela reunião que não houve, acusá-lo de fazer “uma proposta de rendição” da Rússia — imaginem um sindicalista que não sabe que quaisquer discussões começam com exigências lá em cima — e dizer que ficou “chateado” foram atitudes infantis que não esconderam o verdadeiro ânimo do presidente e da diplomacia brasileira no momento.
E como entender a campanha intensiva que ele tem feito em favor, não da Argentina, mas de seu amigo Alberto Fernández?
A gratidão de Lula ao presidente argentino, que o visitou na época da prisão, é um sentimento compreensível, mas não justifica a falta de noção de usar o palanque global para defender a seguinte posição: “O endividamento externo de muitos países, que vitimou o Brasil no passado e hoje assola a Argentina, é causa de desigualdade gritante e crescente, e requer do Fundo Monetário Internacional um tratamento que considere as consequências sociais das políticas de ajuste”.
É necessário reconhecer que o Brasil, sob qualquer governo, tem uma posição obrigatoriamente complexa em relação à guerra da Ucrânia. O imperativo moral é claro, mas os interesses pragmáticos, incluindo a dependência dos fertilizantes russos, não podem ser desprezados.
O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, está numa situação mais dependente ainda: o petróleo russo, mais barato por causa do boicote europeu, é um dos combustíveis, literalmente, do crescimento acelerado da economia que ele promove.
Diplomatas e assessores do presidente, aparentemente embriagados pelo slogan autoelogioso “o Brasil voltou”, não perceberam que os Estados Unidos e aliados, ao convidarem países como o Brasil e a Índia, queriam criar um ambiente propício a posições mais sensíveis sobre a Ucrânia. Não era preciso necessariamente dar uma grande guinada, apenas aqueles gestos que fazem parte do balé da diplomacia.
Lula estava mais preocupado com a Argentina, a ponto de “achar” espaço na agenda para interceder, de novo, em favor do vizinho num encontro com a diretora do FMI, Kristalina Georgieva. Diante do desastre de imagem que foi a rejeição a Zelensky, o entorno saiu plantando que Lula havia colocado horários disponíveis para “receber” o presidente ucraniano e não foi correspondido. Alguém acreditou?
Mestre do jogo de cintura e da política de contato físico, Lula muito provavelmente se sairia bem e tomaria a iniciativa de partir para o abraço — a técnica de inteligência emocional que Zelensky usa com governantes de quem se sente mais próximo, como o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, um substituto sem graça de Boris Johnson, com quem o ucraniano tinha uma intimidade de contar piadas de caserna.
Lula foi mal orientado ou tomou a iniciativa de vetar o encontro bilateral? Em qualquer hipótese, saiu perdendo.
As atenções mundiais se focam onde quer que Zelensky esteja, mas no Japão os holofotes foram maiores por causa dos dramáticos acontecimentos dos últimos dias. Primeiro, os Estados Unidos liberaram aliados europeus para ceder caças F16 à Ucrânia, o objetivo de todos os esforços diplomáticos de Zelensky nos últimos meses. Holanda e Dinamarca já prometeram 45 aviões.
Logo em seguida, e provavelmente para disputar o foco com o ucraniano no Japão, o chefe mercenário russo Ievgueni Prigozhin anunciou a tomada definitiva de Bakhmut. Ainda há focos de resistência, mas a sorte parece selada. Pelo menos Vladimir Putin acredita nisso: elogiou o Grupo Wagner pela conquista, “com apoio da artilharia e da aviação da frente sul” — um acréscimo necessário, considerando-se como Prigozhin tem sapateado na cabeça dos comandantes convencionais.
Militarmente, a queda da cidade quase 100% destruída não tem relevância vital. Sua importância é mais simbólica. Por que tantas vidas ucranianas foram sacrificadas para defender um lugar que não muda o rumo da guerra, contrariando os conselhos dos Estados Unidos?
Essa foi uma posição unânime dos comandantes militares — são eles que decidem questões assim, deixando a Zelensky o papel de trabalhar diplomaticamente pela propagação da causa ucraniana e pelo fornecimento de armamentos — um papel que cumpre muito bem, tendo voltado de Hiroshima coberto de promessas de apoio inquebrantável e mais dinheiro para a defesa do país.
Aviso a quem já se meteu até a colocar a Crimeia num acordo de “paz”: o povo está do lado da resistência — 85% dos ucranianos são contra concessões territoriais “mesmo que por causa disso a guerra dure mais”.
A rejeição inclui 89% da população que fala ucraniano e 76% dos que falam russo (como Zelensky: o presidente precisou aprimorar o ucraniano, que só falava fluentemente, antes da guerra, quando não estava sob tensão, segundo contou sua mulher). Até os “russos” ficam contra a Rússia quando veem o que ela faz.
“Não tem mais um único soldado ucraniano em Bakhmut, pois paramos de fazer prisioneiros”, jactou-se Prigozhin. “O que tem é um grande número de corpos de ucranianos”.
Assumir publicamente crimes de guerra teria sido uma adesão à “narrativa ucraniana”?
Vilma Gryzinski, colunista - Mundialista - VEJA
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