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domingo, 24 de abril de 2022

Como o Black Lives Matter se tornou um grande negócio

Tom Slater, da Spiked

Movimento angariou muito dinheiro — e causou muito dano 

Faz dez anos desde o assassinato de Trayvon Martin, o jovem norte-americano negro cuja morte prematura faria nascer o movimento Black Lives Matter. Adequadamente, o BLM começou com uma postagem de rede social. Em reação à absolvição de George Zimmerman, o homem que matou Martin, Alicia Garza postou “uma carta de amor ao povo negro” no Facebook expressando seus sentimentos de luto e injustiça. Uma amiga, Patrisse Cullors, repostou o texto com a hashtag #BlackLivesMatter. 
 
Outra amiga, Opal Tometi, registrou o domínio e as contas nas redes sociais. Nasciam um slogan, uma organização e um movimento. Em 2020, ele rodou o mundo. Mas, uma década depois, nesta nova era de agitação “antirracista”, de uma política norte-americana identitária, racial e globalizada, o que o BLM conseguiu fazer? Em primeiro lugar, ele arrecadou muito dinheiro. Polêmicas recentes sobre a “mansão do Black Lives Matter” — um imóvel de US$ 6 milhões comprado discretamente pela Black Lives Matter Global Network Foundation (a organização principal do BLM, conhecida pela sigla BLMGNF), em 2020 — nos ajudaram a lembrar como as quantias são impressionantes. Depois do assassinato de George Floyd, começaram a chover doações de empresas, como ​​Amazon, Microsoft, Airbnb e Unilever. De acordo com a BLMGNF, a organização fechou 2020 com cerca de US$ 60 milhões.
 
Protesto do movimento Black Lives Matter | Foto: Reprodução/Flickr
Protesto do movimento Black Lives Matter | Foto: Reprodução/Flickr

Tudo isso traz à tona a pergunta: quem se beneficia do Black Lives Matter? Ele é, pelo menos em termos de alcance internacional, a maior campanha antirracista da história moderna. Mas não há nenhum sinal de objetivo político ou policial que se possa prontamente atribuir a ele. Sua missão básica parece ser a perpetuação de sua própria narrativa desoladora e apocalíptica, que afirma, de forma grandiosa, em seu site “erradicar a supremacia branca e criar poder local para intervir na violência infligida às comunidades negras pelo Estado e pelos justiceiros”. 

Sua principal conquista tem sido divulgar a ideia de que os Estados Unidos estão totalmente apodrecidos, que a polícia racista está aterrorizando as comunidades negras — sonhos identitários febris que não nasceram de evidências.

O chamado para “desfinanciar a polícia” levou a um recuo das forças policiais em áreas com alto índice de criminalidade

Nada disso quer dizer que o racismo não exista mais, ou que algumas comunidades ainda não estejam lutando contra o legado do racismo e da atual injustiça econômica. Mas, em termos de “experiência vivida”, se é preciso usar essa expressão, dos norte-americanos negros, o Black Lives Matter piorou as coisas. O chamado para “desfinanciar a polícia” após o assassinato de George Floyd levou a um recuo das forças policiais em áreas com alto índice de criminalidade e habitadas principalmente por minorias. Os assassinatos dispararam. Os tumultos disfarçados de protestos pela mídia mainstream — devassaram comunidades negras e urbanas dos Estados Unidos. Uma atmosfera tóxica de censura e cancelamento dificultou até mesmo que se criticasse o que está acontecendo.Minneapolis (EUA) |

Enquanto isso, milhões entraram nos cofres do BLM e — como descobrimos recentemente — no bolso de imobiliárias californianas de luxo. Boa parte veio de monstros corporativos do capitalismo moderno. Google, Apple e Microsoft estavam tão ávidos para doar para o Black Lives Matter que, num dado momento, quase doaram milhões do dólares para uma entidade chamada Black Lives Matter Foundation, que não tem nenhuma relação com o movimento BLM (e, por acaso, é a favor de um aumento das forças policiais).

Os direitistas ignorantes que repreenderam essas empresas por apoiar uma organização “marxista” não entenderam nada. 
O Black Lives Matter nunca foi uma ameaça àqueles que estão em posições de poder. 
Na verdade, ele causou mais danos aos que estão na base, ao mesmo tempo que permite que ativistas comprem casas e empresas comprem virtude.

Para os progressistas genuínos, o trabalho da próxima década será nos livrar do “antirracismo” neoliberal que o BLM nos deixou.


Tom Slater é editor da Spiked. Ele está no Twitter: @Tom_Slater_

Leia também “O caso Kyle Rittenhouse e a histeria das elites”

Revista Oeste

 

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Ciência e bate-boca - Alon Feuerwerker

Análise Política

A mais importante disputa pré-eleitoral nos Estados Unidos é pela narrativa-mestre: se vai ser a deficiência do governo de Donald Trump no enfrentamento da pandemia da Covid-19 ou a acusação republicana de que os democratas de Joe Biden são lenientes com a violência das manifestações #BlackLivesMatter. O andamento das coisas dirá quem levou vantagem.


Contra a linha propagandística de Trump pesa o fato de todas as pesquisas mostrarem simpatia majoritária pela rebelião dos pretos contra os recentes eventos de viés racista. Mas os números mais novos trazem algum estreitamento da vantagem democrata. Se é só o normal do pós-convenção republicana ou algo mais estrutural, novamente apenas o tempo dirá. Sobre a Covid-19 e o efeito dela na eleição será preciso também esperar para ver como estarão as coisas em novembro. Depois de criticar e depreciar a vacina russa por ter queimado etapas o Ocidente cogita fazer a mesma coisa: queimar etapas para não ficar para trás. E se Trump aparecer com uma vacina antes da eleição a sensação de algum alívio melhorará o ambiente para ele.

Por aqui na América do Sul parece que a Covid-19, por enquanto, leva jeito de querer equalizar estratégias. Proporcionalmente, a curva do registro diário de mortes na Argentina parece querer cruzar a do Brasil. Sendo que a Argentina tem a mais longa e uma das mais rígidas quarentenas do planeta. O Brasil? Uma das mais descoordenadas nacionalmente. [o Brasil já atingiu índice de contágio inferior a 1,o que reforça a teoria da imunidade de rebanho.]

Argentina e Brasil são dois países com distribuição populacional muito diferente. Ali o grosso da população concentra-se na Grande Buenos Aires, a província. Parece que agora a pandemia vai migrando para o interior. Sobre o Brasil, outra curiosidade. A curva de registro de óbitos no país está num platô bem elevado desde junho, mas parece ser um achado só estatístico.

O G1 tem uma página diariamente atualizada com as médias móveis de casos e falecimentos pelo Brasil e nos estados (leia). A curiosidade: a somatória dos estados vai num platô, mas os estados em si exibem flutuações mais agudas. No final, a resultante fica estável, e com uma esperança de queda diante dos números mais recentes. Por falar em números, eles ajudam a relativizar certas disputas. Se é legítimo, por exemplo, estabelecer uma correlação entre o governo Jair Bolsonaro e as cifras nacionais, também será razoável fazer isso nos estados. Mas a São Paulo do governador João Doria, adversário figadal do presidente, tem, em números redondos, proporcionalmente, um resultado em mortes bastante semelhante ao resto do país.

O que isso permite concluir: talvez seja saudável dar um desconto nas conclusões epidemiológicas baseadas na ciência política. Ainda que pedir racionalidade na política seja amadorismo, ou quixotismo, tanto faz. O fato? Talvez essa tal Covid-19 tenha mistérios para além das certezas que desfilam todos os dias pelas alas da polarização. Um mistério continua sendo a tal imunidade de rebanho. Por que as curvas de casos e mortes se estabilizam e caem se a presença de anticorpos detectados na população está muito longe dos 50, 60, 70% que se diziam indispensáveis para o R mergulhar abaixo de 1? [50% de contágio da população é inviável de ser obtido a curto prazo; imagine, 60, 70, 80%.
O mais sensato é que a imunidade de rebanho é alcançada quando o índice de contágio fica abaixo de 1 =  algo do tio 100 contaminam 98, 98 contaminam 96 e assim sucessivamente, até chegar a taxa de contágio de quase 0. Alguns órgãos da grande impressa, adeptos do fecha tudo, já assumem - meio envergonhados - que o índice de contágio no Brasil é 0,98. A se confirmar. ]  Quem tiver a resposta definitiva, para esta e outras dúvidas, que se apresente. 
Enquanto isso fiquemos com o bate-boca, que também é divertido.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político