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quarta-feira, 28 de julho de 2021

Alexandre Garcia: "Trabalho e Previdência têm ligação umbilical com recuperação pós-pandemia"

''Contam-se 20 milhões de idosos provedores de famílias. Noventa por cento dos idosos contribuem com o orçamento de casa. Os benefícios previdenciários representam 75% da renda de quase 6 milhões de lares''

Volta a ter status de ministério o Trabalho e a Previdência. Nem deveria ter perdido a força política e virar uma secretaria especial do Ministério da Economia, porque é um dos setores mais importantes do Poder Executivo Federal. A Previdência está presente em todas as famílias, que têm alguém aposentado, pensionista, doente, desempregado ou contribuinte. E o Trabalho cresce de importância em tempos da pandemia que fechou, desempregou e derrubou a renda.

Politicamente, é uma imensa força. João Goulart começou como ministro do Trabalho de Getulio Vargas e acabou presidente da República. Recentes ministros da Previdência viraram governadores, como Jair Soares, Antônio Brito e Waldir Pires. Na vizinha Argentina, o Ministério do Bem-Estar Social, com a Previdência e o Trabalho, foi a força que sustentou o peronismo. Em ano pré-eleitoral, também um imenso instrumento político.

A Previdência é um gigante. Tem o regramento do FGTS e do FAT, o INSS, a Previdência Complementar, a Previdência do Servidor Federal, o Dataprev, a Fundacentro — e seus conselhos. 
Questões presentes e futuras ligadas ao trabalho, ao emprego e à Previdência Social têm ligação umbilical com a recuperação econômica pós-pandemia, isso sem contar o socorro a 60 milhões de brasileiros, a maioria informais, sem carteira assinada.  
Além disso, é bom lembrar que a tão necessária reforma da Previdência foi desidratada. Falava-se em trilhões, depois reduziu-se ao trilhão, caiu para R$ 800 milhões e agora deve estar aquém disso. E há milhares de benefícios ilegais que ainda precisam ser investigados e cortados.

É uma questão social importantíssima. Contam-se 20 milhões de idosos provedores de famílias. Noventa por cento dos idosos contribuem com o orçamento de casa. Os benefícios previdenciários representam 75% da renda de quase 6 milhões de lares. O ministro Onyx Lorenzoni, que foi o primeiro aliado do candidato Jair Bolsonaro, quer aproveitar ideias do tempo em que era ministro da Cidadania, porque, na outra ponta etária, estão jovens sem emprego e sem rumo profissional. Só isso dá uma pequena noção do tamanho do desafio. Era demais para um único ministro.

Alexandre Garcia, jornalista - Coluna Correio Braziliense


segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Ciência e bate-boca - Alon Feuerwerker

Análise Política

A mais importante disputa pré-eleitoral nos Estados Unidos é pela narrativa-mestre: se vai ser a deficiência do governo de Donald Trump no enfrentamento da pandemia da Covid-19 ou a acusação republicana de que os democratas de Joe Biden são lenientes com a violência das manifestações #BlackLivesMatter. O andamento das coisas dirá quem levou vantagem.


Contra a linha propagandística de Trump pesa o fato de todas as pesquisas mostrarem simpatia majoritária pela rebelião dos pretos contra os recentes eventos de viés racista. Mas os números mais novos trazem algum estreitamento da vantagem democrata. Se é só o normal do pós-convenção republicana ou algo mais estrutural, novamente apenas o tempo dirá. Sobre a Covid-19 e o efeito dela na eleição será preciso também esperar para ver como estarão as coisas em novembro. Depois de criticar e depreciar a vacina russa por ter queimado etapas o Ocidente cogita fazer a mesma coisa: queimar etapas para não ficar para trás. E se Trump aparecer com uma vacina antes da eleição a sensação de algum alívio melhorará o ambiente para ele.

Por aqui na América do Sul parece que a Covid-19, por enquanto, leva jeito de querer equalizar estratégias. Proporcionalmente, a curva do registro diário de mortes na Argentina parece querer cruzar a do Brasil. Sendo que a Argentina tem a mais longa e uma das mais rígidas quarentenas do planeta. O Brasil? Uma das mais descoordenadas nacionalmente. [o Brasil já atingiu índice de contágio inferior a 1,o que reforça a teoria da imunidade de rebanho.]

Argentina e Brasil são dois países com distribuição populacional muito diferente. Ali o grosso da população concentra-se na Grande Buenos Aires, a província. Parece que agora a pandemia vai migrando para o interior. Sobre o Brasil, outra curiosidade. A curva de registro de óbitos no país está num platô bem elevado desde junho, mas parece ser um achado só estatístico.

O G1 tem uma página diariamente atualizada com as médias móveis de casos e falecimentos pelo Brasil e nos estados (leia). A curiosidade: a somatória dos estados vai num platô, mas os estados em si exibem flutuações mais agudas. No final, a resultante fica estável, e com uma esperança de queda diante dos números mais recentes. Por falar em números, eles ajudam a relativizar certas disputas. Se é legítimo, por exemplo, estabelecer uma correlação entre o governo Jair Bolsonaro e as cifras nacionais, também será razoável fazer isso nos estados. Mas a São Paulo do governador João Doria, adversário figadal do presidente, tem, em números redondos, proporcionalmente, um resultado em mortes bastante semelhante ao resto do país.

O que isso permite concluir: talvez seja saudável dar um desconto nas conclusões epidemiológicas baseadas na ciência política. Ainda que pedir racionalidade na política seja amadorismo, ou quixotismo, tanto faz. O fato? Talvez essa tal Covid-19 tenha mistérios para além das certezas que desfilam todos os dias pelas alas da polarização. Um mistério continua sendo a tal imunidade de rebanho. Por que as curvas de casos e mortes se estabilizam e caem se a presença de anticorpos detectados na população está muito longe dos 50, 60, 70% que se diziam indispensáveis para o R mergulhar abaixo de 1? [50% de contágio da população é inviável de ser obtido a curto prazo; imagine, 60, 70, 80%.
O mais sensato é que a imunidade de rebanho é alcançada quando o índice de contágio fica abaixo de 1 =  algo do tio 100 contaminam 98, 98 contaminam 96 e assim sucessivamente, até chegar a taxa de contágio de quase 0. Alguns órgãos da grande impressa, adeptos do fecha tudo, já assumem - meio envergonhados - que o índice de contágio no Brasil é 0,98. A se confirmar. ]  Quem tiver a resposta definitiva, para esta e outras dúvidas, que se apresente. 
Enquanto isso fiquemos com o bate-boca, que também é divertido.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político