A troca de guarda no Palácio do Planalto não
modificou radicalmente a animosidade que a investigação rigorosa e
imparcial provoca neste país de compadres e seus jeitinhos
Há mais de um ano o jurista Modesto Carvalhosa vem escrevendo, de forma competente e diligente, na página 2 (de Opinião) do Estadão
contra a ação solerte e perseverante da presidente afastada Dilma
Rousseff para, na prática, perdoar as grandes empresas (no caso,
empreiteiras), cujos dirigentes são acusados de corrupção na Operação
Lava Jato. A ideia central da chefe de governo, reeleita em 2014 e à
espera de julgamento de impeachment pelo Senado, é garantir ou devolver
“milhares de empregos ameaçados ou extintos mercê da devassa da Polícia
Federal e do Ministério Público Federal, sob a égide do juiz federal
Sérgio Moro em Curitiba”. O padrinho, patrono e inspirador dela,
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chegou ao desplante de mandar
sindicalistas reunidos em torno de sua voz roufenha procurarem o juiz
citado para convencê-lo a desistir de sua eventual “perseguição”
pessoal, política ou ideológica.
O professor Carvalhosa, especialista na legislação internacional
anticorrupção, que vem sendo aprimorada e tornada mais rigorosa nos
últimos anos, particularmente depois da explosão das torres gêmeas de
Nova York pela Al Qaeda, desconstrói essa teoria, em tudo ilógica. Ele
não limita suas críticas às portarias presidenciais premiando grandes
nomes da empreita privada de obras públicas no Brasil, mas também tem
sido impiedoso quanto a tentativas oficiais de demonizar e desmoralizar o
instituto da dita “delação premiada” por meio de suspeitos e seus
aliados espalhados no governo e na oposição, praticamente todos os
partidos e todos os ofícios. Os procuradores da dita “república de
Curitiba”, por sua vez, continuam pregando a aprovação pelo Congresso
das medidas que consideram essenciais para que providências legais mais
rigorosas cumpram de forma mais efetiva o que a Operação Lava Jato tem
conseguido fazer, com positiva repercussão popular. E debaixo de fogo
cruzado de inimigos, cuja clara intenção é manter o máximo possível as
brechas que garantam impunidade de ricos e poderosos, pela primeira vez
na História da República alcançados pelos braços atrofiados de nossas
leis.
A troca de guarda no Palácio do Planalto não modificou radicalmente a
animosidade que a investigação rigorosa e imparcial provoca neste país
de compadres e seus jeitinhos. O presidente interino, Michel Temer,
repete, automática e cautelosamente, a ladainha de louvores à
operosidade dos policiais, promotores e do juiz do Paraná.
Seu ministro
da Justiça, Alexandre de Moraes, chegou a viajar para Curitiba tentando
vender essa ideia à sociedade seduzida pelos métodos e pelas
consequências do trabalho de Moro e seus pupilos. Mas tudo isso bate
contra o muro sólido e aparentemente impenetrável de reações coordenadas
pelo interesse comum de aliados, que comandam as Casas de leis, ou de
altos dirigentes dos partidos com maior representatividade no Poder
Legislativo, que, em teoria, representa a cidadania. O encontro à
sorrelfa de Temer com o presidente afastado da Câmara dos Deputados,
Eduardo Cunha, no Palácio do Jaburu, domingo é apenas um exemplo do que
se pode estar tramando às ocultas, enquanto o próprio anfitrião e seus
ministros tecem loas a Moro, à PF e ao MPF. Eliseu Padilha, chefe da
Casa Civil do governo interino, viajou para São Paulo para cobrar da
força-tarefa uma previsão sobre o encerramento de sua tarefa, que, pela
própria natureza, não deve explicação nenhuma. E menos ainda uma desse
teor.
Na semana passada, o ministro da Fazenda da nova situação, Henrique Meirelles, deu entrevista exclusiva à Rádio Estadão.
Nela foi franco a ponto de reconhecer que sua tarefa de retirar a
economia brasileira da atual crise, com profundidade abaixo de pré-sal,
depende menos do acerto das providências que vier adotar a competente
equipe econômica federal, sob seu comando, do que das decisões políticas
a serem tomadas por um Congresso minado por legisladores ameaçados de
prisão pela operação. Com sua notória habilidade em comunicar de forma
simples a complexíssima equação da crise cuja extinção depende de duras e
amargas medidas, Meirelles deu resposta cristalina sobre o paradigma de
Dilma e Lula segundo o qual a crise não se deve ao rombo causado pelos
corruptos. Este se deve, sim, à forma delituosa, extensiva, profunda e
invasiva com que a organização criminosa instalada no alto comando da
máquina pública federal minou o patrimônio nacional, dilapidando o
capital de estatais, bancos públicos e até os minguados caraminguás dos
barnabés necessitados de crédito consignado. E não os diligentes
policiais, procuradores e juízes que se dedicam a investigá-los,
processá-los e puni-los.
Infelizmente, contudo, as vozes de Meirelles, como a do professor
Carvalhosa e as de procuradores como Deltan Dallagnol e Júlio Marcelo de
Oliveira assemelham-se a clamores perdidos na poeira do deserto ou ao
canto mudo das andorinhas que, isoladas, não fazem o verão.
Recentemente, a Folha de S.Paulo publicou a notícia de que
prosperava na cúpula do Partido dos Trabalhadores (PT) a ideia de buscar
salvação para a sigla e o próprio sonho num projeto de leniência para
salvar siglas envolvidas em cabeludos casos de ladroagem. No dia em que
os meios de comunicação citavam a prisão pela segunda vez do quarto
ex-tesoureiro do PT encalacrado em acusações da Lava Jato, o colega
Raymundo Costa confirmou no Valor Econômico que, sob a
liderança do notório w.d.(PT-RJ) e a adesão de uma verdadeira
frente multipartidária, o Congresso vai procurar a salvação de seus
suspeitos de furto com a criação de mais uma jabuticaba brasileira: a
leniência para salvar legendas engolfadas na lama da corrupção.
Paulo
Ferreira, o êmulo pátrio do contador de Al Capone, é casado com Tereza
Campello, ex-ministra do Desenvolvimento Social de Dilma, fiel ao perfil
da famiglia lulopetista, assim como o são Delúbio Soares, João
Vaccari Neto e José de Filippi Júnior, todos acusados por delatores e
por provas técnicas irrefutáveis de terem cometido dois crimes: roubar
para o partido e usar a Justiça Eleitoral, que em teoria garante o poder
do voto do cidadão com isonomia na disputa eleitoral, como lavanderia
de dinheiro sujo. d, uma espécie de defensor dos interesses de Lula
na Câmara, já apresentou um projeto de modificação da colaboração com a
Justiça, conhecida popularmente como delação premiada. E o presidente
do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), não desmentiu nenhuma das várias
notícias de que tudo fará para que as condições para a mudança do método
sejam aprovadas de acordo com o gosto e a conveniência dos suspeitos
atingidos.
De preferência antes que o próprio Renan e o patrono de
d, Lula da Silva, percam a liberdade de ir e vir, no caso de as
comprovadas práticas de ladroagem de ambos os incriminarem de uma vez. Por tudo isso e muito mais, talvez convenha desde já batizar alguma das próximas fases da Lava Jato de Valha-nos Deus.
Por: José Nêumanne - Coluna Augusto Nunes