Não é
de hoje que observo nos parlamentos brasileiros, muito especialmente
neles, titulares de mandato receosos em suas relações funcionais com o
Poder Judiciário.
Nem sempre esse sentimento é marcado apenas pela
eventual tensão entre quem faz a Lei e quem faz cumprir a Lei. Com
crescente frequência, o Poder Judiciário cria a lei conforme preceituam,
de modo objetivo e persistente, estranhas correntes do Direito
ensinadas nas Universidades.
Acontece que essas novidades ideológicas
não estão incorporadas à Constituição ou a qualquer convenção
internacional a que o país esteja legalmente submetido por norma
brasileira. Ou seja, é puro abuso de poder.
Gravíssimo
problema surge, então. Quando um tema qualquer chega ao Poder
Judiciário, é dele a última palavra.
E o que disser, terá que ser
cumprido, mesmo que a sentença ou a ordem entre em conflito com o que
estiver escrito na Lei.
Estou falando, já se vê, em insegurança
jurídica.
Na mesma medida em que a base da formação jurídica despeja
mais e mais “operadores do Direito” nas carreiras do Poder Judiciário e
suas cortes, mais difícil fica o trabalho dos advogados que veem a Lei
desfolhar-se sob o vendaval de doutrinas que escapam a seu manuseio. Nem
os membros do próprio Judiciário e das Instituições independentes, que
junto a ele atuam, são imunes ao que aqui descrevo.
Evidentemente,
o resultado disso é poder e lá no topo dos poderes de Estado vai
produzir péssimas consequências para a sociedade. Refiro-me,
especificamente, ao medo que os congressistas passaram a ter do Poder
Judiciário, um sentimento do qual poucos e valentes escapam. Mesmo os
que não têm motivos factuais para recear o braço da Justiça, têm medo de
sua balança, ou de seu mau olhado.
Ponderam as consequências do voto
negado a um candidato a ministro, da redução do orçamento proposto, da
recusa ao pedido de um ministro para rejeição do voto impresso.
Têm medo
de negar a prisão de um deputado irreverente, ou de defender um senador
que caiu em desgraça perante a Corte.
Por isso, é
vedado, mesmo em brincadeira, sugerir o que em público ministros já
disseram um do outro e para o outro. Por isso, é possível assistir a lei
ser violada e a liberdade de opinião e expressão ser submetida a uma
tutela não prevista na Constituição.
É o abandono
da sociedade ao arbítrio. O fenômeno ocorre porque, de algum modo, o
medo de um poder que escapou a todo controle se esconde sob a imitação
vagabunda de uma virtude – a prudência – submetendo quase todos num
constrangido mecanismo de autoproteção. O que, na prática, significa
simplesmente tudo. E nada tem a ver com democracia, ou com Estado de
Direito.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores
(www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país.
Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia;
Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.