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terça-feira, 25 de abril de 2023

Quando o medo submete (quase) todos - Percival Puggina

         Não é de hoje que observo nos parlamentos brasileiros, muito especialmente neles, titulares de mandato receosos em suas relações funcionais com o Poder Judiciário. 
Nem sempre esse sentimento é marcado apenas pela eventual tensão entre quem faz a Lei e quem faz cumprir a Lei. Com crescente frequência, o Poder Judiciário cria a lei conforme preceituam, de modo objetivo e persistente, estranhas correntes do Direito ensinadas nas Universidades. 
Acontece que essas novidades ideológicas não estão incorporadas à Constituição ou a qualquer convenção internacional a que o país esteja legalmente submetido por norma brasileira. Ou seja, é puro abuso de poder.
 
Gravíssimo problema surge, então. Quando um tema qualquer chega ao Poder Judiciário, é dele a última palavra. 
 E o que disser, terá que ser cumprido, mesmo que a sentença ou a ordem entre em conflito com o que estiver escrito na Lei. 
Estou falando, já se vê, em insegurança jurídica. 
Na mesma medida em que a base da formação jurídica despeja mais e mais “operadores do Direito” nas carreiras do Poder Judiciário e suas cortes, mais difícil fica o trabalho dos advogados que veem a Lei desfolhar-se sob o vendaval de doutrinas que escapam a seu manuseio. Nem os membros do próprio Judiciário e das Instituições independentes, que junto a ele atuam, são imunes ao que aqui descrevo.
 
Evidentemente, o resultado disso é poder e lá no topo dos poderes de Estado vai produzir péssimas consequências para a sociedade. Refiro-me, especificamente, ao medo que os congressistas passaram a ter do Poder Judiciário, um sentimento do qual poucos e valentes escapam. Mesmo os que não têm motivos factuais para recear o braço da Justiça, têm medo de sua balança, ou de seu mau olhado. 
Ponderam as consequências do voto negado a um candidato a ministro, da redução do orçamento proposto, da recusa ao pedido de um ministro para rejeição do voto impresso
Têm medo de negar a prisão de um deputado irreverente, ou de defender um senador que caiu em desgraça perante a Corte.

Por isso, é vedado, mesmo em brincadeira, sugerir o que em público ministros já disseram um do outro e para o outro. Por isso, é possível assistir a lei ser violada e a liberdade de opinião e expressão ser submetida a uma tutela não prevista na Constituição.

É o abandono da sociedade ao arbítrio. O fenômeno ocorre porque, de algum modo, o medo de um poder que escapou a todo controle se esconde sob a imitação vagabunda de uma virtude – a prudência submetendo quase todos num constrangido mecanismo de autoproteção. O que, na prática, significa simplesmente tudo. E nada tem a ver com democracia, ou com Estado de Direito.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Moro será homem de sorte se não acabar preso - Vozes

JR Guzzo

Fim da Lava Jato

Depois de sete anos de trabalhos, a força-tarefa da Lava Jato de Curitiba foi encerrada pelo procurador-geral Augusto Aras.

Durante sete anos, o Brasil não foi o Brasil. Esteve em operação, ao longo desse tempo, a Lava Jato – e a Operação Lava Jato era exatamente o contrário da política brasileira como ela sempre foi. No Brasil da Lava Jato os políticos e os demais corruptos, de todo porte e espécie, se arriscavam a ir para a cadeia. Foram presos um ex-presidente da República, o dono da maior empresa de obras públicas do país, governadores de Estado, um ex-presidente da Câmara dos Deputados e por aí afora. Os próprios ladrões se comprometeram a devolver aos cofres públicos R$ 15 bilhões da montanha de dinheiro que tinham roubado.

Em qualquer país sério é precisamente assim que as coisas se passam; lei é lei, e tem de ser aplicada para todos. Só que o Brasil não é assim. A vida pública, na verdade, é o contrário disso. A Lava Jato, enquanto durou, refletiu um país que não existe. Nada mais natural, assim, que ele voltasse à sua verdadeira natureza. É o que acaba de acontecer, oficialmente, com a dissolução formal da operação toda, por ordem de ninguém menos que o próprio procurador-geral da República Aí sim. Eis, enfim, o Brasil de novo sendo como o Brasil realmente é: o chefe dos investigadores decide que é proibido investigar.

A Lava Jato sempre foi a principal inimiga dos que mandam no Brasil: gente da política e do governo, seus parentes e amigos, empreiteiros de obras, fornecedores do Estado, donos de empresas estatais, altos barões do Judiciário e empresários que vivem do Tesouro Nacional. Seu grande objetivo na vida, nesses sete anos, foi acabar com a Lava Jato; todos, nesse bonde, têm um sistema natural de rejeição à honestidade.

No começo, com medo do imenso apoio popular às novas regras, o mundo oficial fingiu que apoiava a operação. Depois, com o tempo, passaram a aparecer queixas de que estaria havendo “exageros” nas investigações e sentenças contra os corruptos. Mais um pouco, as reclamações viraram uma guerra aberta e sem quartel;  
a Lava Jato, no fim, estava sendo acusada em pleno Supremo Tribunal Federal de criar “um regime de exceção” no país, a “República de Curitiba”.

Foi um momento de exceção, de fato: pela primeira vez em sua história, possivelmente, a Justiça e o aparelho de Estado brasileiros consideraram que roubar dinheiro público era ilegal. Assim que foi possível voltar à vida de sempre, naturalmente, eles voltaram: enterrar a Lava Jato sempre foi o objetivo número 1 das elites brasileiras, seja no governo Lula-Dilma, seja no governo Temer, seja no governo Bolsonaro – a cujo procurador-geral, no fim, coube a grande honra de dar o tiro de misericórdia.

Do jeito que vão as coisas, o ex-juiz e ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, será um homem de sorte se não acabar preso.[além de eventuais ilícitos que pode ter cometido na condução da Lava Jato, o ex-juiz cometeu delitos outros, entre eles o de denunciação caluniosa contra o presidente da República.]

Leia também:  Essas carreatas só provaram que, até agora, ninguém quer impeachment nenhum

J R Guzzo, jornalista - Gazeta do Povo - VOZES