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quarta-feira, 4 de março de 2020

Uma superterça na economia - Míriam Leitão

O Globo

Desafio da economia global é achar formas de debelar crise com coronavírus 

Na economia também foi uma superterça. O movimento de ontem no mercado americano mostrou o tamanho da crise provocada pelo novo coronavírus. O Fed fez uma reunião de emergência e cortou os juros. As bolsas subiram e depois despencaram. A ação foi entendida não como um estímulo, mas como alerta. Mais cedo, a Austrália também havia cortado os juros. E a Malásia. Houve casos na Argentina e no Chile. O FMI avisou que talvez não faça o encontro de abril. O Banco Central brasileiro soltou nota indicando futuros cortes. O Banco Mundial anunciou linha para auxiliar os países a enfrentaram os efeitos da crise, e o G7 fez uma reunião para discutir o que pode ser feito. Os BCs europeu e inglês defenderam medida para equilibrar a economia. No Japão, informou-se que os Jogos Olímpicos podem ser adiados.

O grande problema da epidemia do covid-19 é quais são os instrumentos econômicos apropriados para lidar com uma crise como esta. A produção está caindo não por uma desaceleração clássica, mas porque há falta de peças e componentes. O consumo está encolhendo porque as pessoas suspendem reuniões e evitam lugares públicos. Os instrumentos convencionais não funcionam.  A revista “Economist” usou um título recente que define o momento: “Globalização em quarentena.” 

A reportagem tratava de um assunto específico, mas o título reflete de forma ampla o momento de separação entre países, controle de fronteiras, redução da circulação de mercadorias. O fechamento de fábricas na China afetou países em série e isso terá impacto sobre a economia mundial. Estão sendo revistas no mundo inteiro as previsões de crescimento. Do Brasil, só ontem, a consultoria Capital Economics cortou a projeção de crescimento em 2020 de 1,5% para 1,3% e o Goldman Sachs cortou de 2,2% para 1,5%. Outras instituições estão esperando o resultado do PIB de 2019, que sai hoje, para voltar a fazer contas.

A OCDE cortou a projeção do PIB mundial em meio ponto, para 2,4%, no melhor cenário, de impactos mais localizados na China. No pior, a desaceleração chegará a 1,5%, com a epidemia espalhando pela Ásia, Pacífico e hemisfério Norte. As estimativas da China sofreram o maior corte, de 5,7% para 4,9%. Para o Brasil, foram mantidas em 1,7% este ano e 1,8% no ano que vem.  A entidade explicou que o vírus atingiu a economia em várias frentes. As medidas de contenção levaram a quarentenas, restrições de viagens e fechamentos de espaços públicos. Pelo lado da oferta, fábricas ficaram fechadas, serviços deixaram de ser fornecidos com impactos nas cadeias de suprimento.
 Pelo lado da demanda, houve queda da confiança, redução do turismo e de serviços de educação e entretenimento.

A economia chinesa hoje representa mais de 15% do PIB mundial, mais de 10% do comércio e 9% do fluxo de turistas. Por isso, a desaceleração do país preocupa e terá efeitos em cascata. Os países exportadores de commodities serão afetados. Para se ter uma ideia, a China importa quase 60% de todo o alumínio vendido mundialmente, mais de 50% do cobre e quase a metade do níquel.  Se na China há falta de informação sobre o tamanho real da paralisação no país, aqui no Brasil entidades setoriais têm feito sondagens para medir os impactos econômicos do coronavírus. O presidente da Abinee, que representa o setor de eletroeletrônicos, Humberto Barbato, explica que o problema é que algumas informações são consideradas estratégicas pelas companhias.  — Ninguém quer mostrar o seu nível de estoque. É uma informação guardada a sete chaves porque pode demonstrar vulnerabilidade. Nossa melhor expectativa é que a China consiga superar a crise neste mês de março e volte a produzir plenamente em abril— explicou.

Os segmentos de telefonia celular e computadores têm sido os mais afetados dentro do setor de eletroeletrônicos no Brasil, pela falta de peças e componentes. E não há outros fornecedores disponíveis no mundo para se importar. Até porque é preciso um período de testes que minimizem o risco das fábricas brasileiras. O maior problema sempre será a proteção da vida humana e a luta para vencer um vírus que ainda não está sob o controle dos médicos e dos cientistas. Ainda se aprende a cada dia sobre sua capacidade de dispersão e letalidade. Enquanto isso, a economia mundial oscila entre o pânico e a incerteza.

Míriam Leitão, jornalista  - Com Alvaro Gribel, São Paulo - O Globo