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quinta-feira, 4 de maio de 2017

União precisa assumir seu papel na segurança

Fronteiras vulneráveis permitem a entrada no país de drogas e armas, que estão na raiz dos problemas de violência em vários estados, incluindo o Rio de Janeiro 

Quem observasse do alto as colunas de fumaça preta que se erguiam de pontos da Avenida Brasil e da Rodovia Washington Luís, na manhã de anteontem, poderia pensar que testemunhava um bombardeio na Síria. Mas era só mais uma batalha da guerra cotidiana do Rio. Traficantes haviam ateado fogo a nove ônibus e dois caminhões em represália a uma ação da polícia na Cidade Alta, em Cordovil, onde facções rivais se enfrentavam. Em consequência, algumas das vias mais importantes da Região Metropolitana tiveram de ser bloqueadas, enquanto motoristas e passageiros ficavam reféns da situação, alguns em meio a tiroteios. Para completar o caos, ainda houve saques às cargas dos caminhões incendiados.

São vários os motivos que contribuem para esse descontrole da segurança no Rio. A começar pela grave situação fiscal do estado, que praticamente paralisou a administração, impactando setores essenciais — o governo chegou a admitir que a polícia corria o risco de parar este mês por falta de combustível. Soma-se a isso a fragilidade do governo Pezão, que tem se mostrado incapaz de reagir à crise, ficando à espera do socorro da União na medida em que a situação só se agrava. 

Acrescente-se ainda o enfraquecimento das UPPs. Reportagem do GLOBO com base em pesquisa da FGV mostrou que, embora o número de homicídios não tenha voltado a patamares pré-UPP, houve um aumento de 23% entre 2012 e 2016. E já há crimes que se situam nos mesmos níveis de 2006. É mais um sinal de alerta para as autoridades. O projeto das UPPs, de retomada de territórios dominados pelo tráfico, representou m ganho importantíssimo para a sociedade. Por isso, é fundamental que o programa seja recuperado, dentro dos princípios que o nortearam, como o policiamento de proximidade que desestimularia ações desastradas da PM em comunidades.

Mas, acima de tudo, o controle da segurança depende do governo federal. E não apenas para enviar a Força Nacional ou contingentes das Forças Armadas em situações de emergência, como agora. A União precisa assumir o protagonismo na segurança. Não só no Rio, porque hoje a atuação das quadrilhas ultrapassa os limites dos estados e mesmo do país. Isso ficou comprovado nas sangrentas rebeliões em presídios do Norte-Nordeste com participação de facções do Sudeste. Ou no roubo a uma transportadora de valores em Ciudad del Este, Paraguai, por bandidos brasileiros.

Fronteiras vulneráveis permitem a entrada no país de drogas e armas, que estão na raiz dos problemas de violência em vários estados, incluindo o Rio. Durante a operação na Cidade Alta, anteontem, a polícia apreendeu 32 fuzis, quantidade maior do que a que foi recolhida em todo o mês de março. Nenhum deles foi fabricado no estado. O problema demanda ações coordenadas de inteligência. Sem que União e estados resolvem essas questões, cidadãos continuarão reféns dos bandidos, vivenciando cenas que estão mais para Aleppo do que para o Rio.


Fonte: Editorial - O Globo 

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Imagens pavorosas do assassinato do embaixador russo na Turquia

O embaixador russo em Ancara, Andrei Karlov, foi assassinado nesta segunda-feira por um jovem policial turco diante das câmeras, em uma cena pavorosa.

 Andrei Karlov jaz no chão após ser baleado por Mevlut Mert Altintas


As imagens mostram o autor dos disparos, Mevlüt Mert Altintas, de terno, gravata e uma pistola na mão junto ao corpo do embaixador, caído no chão com os braços abertos. Antes de atirar, o policial se colocou discretamente atrás de Karlov, durante a inauguração de uma exposição de fotos, como se fosse um guarda-costas.
Segundo várias testemunhas, o policial de 22 anos atirou nas costas do embaixador. Em meio ao pânico das pessoas na galeria de arte, o policial permaneceu tranquilo, completamente indiferente aos gritos, e revelou que agia para vingar o drama da cidade síria de Aleppo. Após matar o embaixador, "disse algo sobre Aleppo e sobre uma vingança", declarou à AFP Hasim Kiliç, repórter do jornal Hürriyet, que estava no local.
Também gritou "Alá Akbar" (Alá é Grande) e conclamou em árabe os "que juraram lealdade à Jihad".
"Não esqueçam a Síria, não esqueçam Aleppo", gritou em turco em duas ocasiões, constatou a AFP no vídeo do crime. "Todos os que participam desta tirania prestarão contas, um a um", diz o policial, membro das forças especiais em Ancara. Imediatamente após os disparos, ocorridos às 19H05 (14H05 Brasília), policiais de uma delegacia próxima seguem para o local e trocam tiros com o assassino.
Em seguida, chegam homens da força de intervenção especial da polícia e o atacante é "neutralizado" pouco depois. Fotos que circulam na Internet mostram Altintas no chão, com o tórax crivado de balas. Segundo o ministro do Interior, Süleyman Soylu, o embaixador russo chegou ao hospital de Ancara às 19H53 (14H53), mas já não apresentava sinais de vida.
Durante a noite, a polícia realizou uma batida na casa de Altintas e deteve seus pais e sua irmã, no oeste da Turquia, para interrogá-los. O prefeito de Ancara, Melih Gökçek, sugeriu no Twitter que o atirador pode estar ligado a Fethullah Gülen, o pregador islâmico residente nos Estados Unidos que a Turquia acusa de orquestrar a tentativa de golpe de 15 de julho.

Fonte: AFP
 

domingo, 1 de maio de 2016

Ruínas humanas

‘Onde está a ira daqueles com poder e obrigação de parar com esta carnificina?’, indagava a chefe da MSF na Síria

Em outubro passado, apesar da rotineira penca de novas erupções no conflito do Afeganistão, o fotojornalista australiano Andrew Quilty decidiu fazer uma pausa na insanidade da desgraceira, para melhor mostrá-la. Uma semana antes um AC-130 da Forca Aérea americana havia bombardeado “por engano”, um hospital operado pela organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) na cidade de Kunduz, em levas sucessivas que duraram uma hora.

A morte de 42 civis, inclusive vários integrantes da equipe médica, causara indignação mundial num ataque que a MSF cogitou qualificar como crime de guerra. A cobertura da mídia fora maciça, porém focada no horror imediato e na sucessão de versões enganosas criadas pelo alto comando para acobertar responsabilidades.  Mas, diante da multiplicidade de guerras em curso no mundo islâmico, também esparramadas pelo Oriente Médio e Norte da África, noticiário, atenção e mídia veem-se premidos a também migrarem de acordo com os focos de matança.

Quilty, porém, optou por não arredar pé de Kunduz. Queria fazer o necrológio do centro traumatológico bombardeado. Havia se passado uma semana desde o ataque. Começou pelo centro cirúrgico. Numa das salas havia o corpo de um homem ainda estendido sobre a cama em que seria operado. Estava de bruços, tinha uma sonda no braço esquerdo e um fixador de aço a amparar-lhe a coxa direita. Um pedaço do teto lhe cobria o abdome e o campo cirúrgico havia desmoronado sobre seu peito e ombros. Da cabeça restava apenas o queixo barbado.

O ensaio fotográfico feito por Quilty do que viu e publicou na revista “Foreign Policy”, acompanhado do perfil desse pai de 4 filhos que estava amarrado à mesa cirúrgica, já anestesiado, deveria ser material didático mundo afora. É o retrato de uma humanidade em ruína. A nossa. Dois dias atrás, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos por fim reconheceu erro humano e um encadeamento de procedimentos catastróficos que resultaram nos bombardeios múltiplos do hospital claramente sinalizado como tal. Embora o relatório admita que houve violação de leis envolvendo conflitos armados, nenhum dos 16 implicados será rebaixado de patente ou expulso das Forças Armadas. Sofrerão punição, porém seus nomes não serão divulgados.

Por uma horrenda ironia, também esta semana outro hospital apoiado conjuntamente pela Médicos Sem Fronteiras e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha tornou-se alvo de bombardeio. Desta vez não foi no Afeganistão, mas em Aleppo, na Síria, e o ataque não foi de AC-130 americanos. As explosões múltiplas com dois minutos de intervalo estão sendo creditadas ao regime de Bashar al Assad, apoiado pelos russos. Para quem vive entre escombros há cinco anos, a nacionalidade da bomba há muito deixou de importar.

Até a noite de sexta feira, entre as ruínas do que era um centro de referência pediátrica numa região em que cada vida humana já é um milagre, contabilizavam-se 27 mortos. Entre eles, Mohammed Wasim Moaz, um dos últimos pediatras ainda com capacidade de atuar. Este foi o sétimo hospital da Síria destruído desde o início da guerra civil. “Onde está a ira daqueles com poder e obrigação de parar com esta carnificina?”, indagava Muskilda Zancada, chefe de missão na Síria da entidade ganhadora do Prêmio Nobel da Paz em 1999.

No mesmo dia, um montinho de gente — duas mulheres, quatro crianças e seis homens — embarcava na ilha grega de Lesbos rumo ao campo de Adana, na Turquia. Viajavam escoltados por agentes da Frontex, a agencia europeia da gestão de fronteiras externas. Haviam conseguido escapar da guerra, mas pisaram na Europa depois de 20 de marco. Tornaram-se, por isso, o primeiro grupo de refugiados sírios que, desde o polêmico acordo de 18 de março assinado entre a União Europeia e a Turquia, terá de seguir novas normas para poder requerer asilo — fora do continente.

Por enquanto, é o que têm a oferecer aqueles com poder a que se referia Zankada. A obrigação de parar com a carnificina fica mais uma vez adiada. E a ira? Onde foi parar a ira do mundo?

Fonte: O Globo -  Dorrit Harazim, jornalista