A máquina de propaganda do
governo e a doutora Dilma têm um especial carinho por trens. Em 2004
Nosso Guia perfilhou um projeto de ligação ferroviária entre o Rio e São
Paulo. Era o trem-bala. Faria percurso de 500 quilômetros em 90
minutos, cobraria o equivalente a R$ 120 e nada custaria à Viúva.
Ficaria pronto para a Copa de 2014.
Atrasando, era certo que rodasse em
2016 para a Olimpíada. Deu em nada. Ou melhor, deu em parolagem e pariu
uma empresa estatal, a EPL. Quando o projeto naufragou, surgiu a palavra
mágica ouvida por Machado de Assis em 1883: “lingu”. Ele não esclareceu
o que isso queria dizer, mas talvez significasse “investimento”: os
chineses bancariam o projeto do trem-bala. Pouco depois um mandarim
explicou: “Pedir que uma empresa chinesa assuma um risco tipicamente
governamental é uma grande piada”.
Antes do desembarque do
primeiro-ministro chinês Li Keqiang, saiu da caixa de mágicas do
Planalto o projeto de uma ferrovia transoceânica ligando o Atlântico
brasileiro ao Pacífico peruano. Teria 4.400 quilômetros. Nas palavras da
doutora Dilma “ela atravessará os Andes”. Custaria entre US$ 5 bilhões e
US$ 10 bilhões. As dúvidas foram desfeitas quando o companheiro
Li assinou 53 acordos com a doutora. Na mesa havia apenas o interesse
mútuo de começar os estudos básicos da viabilidade do projeto. A
ferrovia que iria do litoral brasileiro ao peruano era um exagero. O
memorando assinado cuidava apenas da conexão da linha Norte-Sul, que
iria de Campinorte, em Goiás, à costa peruana. A linha para o litoral
atlântico é uma tarefa brasileira. Se tudo der certo, esse estudo deve
ficar pronto em maio de 2016. O que era um estudo básico para analisar a
viabilidade do projeto virou uma ferrovia que “atravessará os Andes”.
Cuidando
dos seus interesses, os chineses assinaram diversos compromissos,
compraram aviões, alugaram navios e arremataram um banco. Todos esses
negócios são bons para eles e para o Brasil. Não havia por que botar o
“lingu” de Machado de Assis numa ferrovia transoceânica. A agenda
chinesa é sempre precisa. Em geral eles querem recursos naturais e
proteínas. Além disso, vendem serviços, bens e máquinas. Jogo jogado. A
isso junta-se um interesse do Império do Meio de fornecer sua mão de
obra para os projetos onde põe dinheiro. São mais qualificados, conhecem
a empresa e às vezes custam menos. Há cinco anos eram 740 mil, de
Angola ao Uzbequistão. Obras chinesas no Brasil já tentaram importar
operários mas foram barradas. Esse pode vir a ser um bom debate, pois o
que é preferível, um pasto goiano com 50 vaqueiros ou a obra de uma
ferrovia com 500 chineses e 500 brasileiros?
Esse item da agenda
chinesa chamou a atenção de Machado de Assis. Em 1883, quando o andar de
cima queria imigrantes para substituir a mão de obra escrava, chegou ao
Rio o mandarim Tong King-sing. Veio acompanhado de um secretário negro,
fez o maior sucesso com suas roupas e foi recebido por D. Pedro II. O
imperador disse-lhe que não tinha simpatia por seu projeto e, no melhor
estilo chinês, ele foi-se embora. À época, comentando a visita do
mandarim, Machado de Assis escreveu uma cronica, transcrevendo uma carta
que teria recebido dele. Esclareceu que preferiu manter a grafia do
autor.
A certa altura, como se fosse hoje, Machado/Tong escreveu:
“Xulica Brasil pará; aba lingu retórica, palração, tempo perdido, pari mamma.”
Uma aula sobre o falecido Trem-Bala
Ainda
não se conhecem as fantasias que acompanham a ferrovia Transoceânica,
mas está na rede uma detalhada narrativa do que foi a maluquice do
trem-bala de Lula e Dilma.
É a reportagem “Um trem para Bangladânia”, de
Leandro Demori. (A mistura de Bangladesh com Albânia é um neologismo
criado pelo professor Mario Henrique Simonsen.)
Ele foi das raízes
do sonho do trem de alta velocidade até a morte do projeto da empresa
italiana que vendeu a novidade ao governo. Nela havia planilhas mágicas e
um roteiro inexplicável, pois o trem não parava ao longo do percurso. O
primeiro administrador do projeto, José Francisco das Neves, o “doutor
Juquinha”, dormiu umas noites na cadeia, por malfeitos cometidos na
ferrovia Norte-Sul, aquela que cruzará com a Transoceânica.
O
repórter Leandro Demori trabalhou 11 meses no assunto, conversou com 30
pessoas e colheu documentos brasileiros e italianos. Conseguiu o apoio
da Contributoria, uma plataforma independente ligada ao jornal inglês
“The Guardian” e seus leitores. Quem quiser pode inscrever seus temas.
Os leitores do “Guardian” votam, e quem não for assinante do jornal deve
pagar US$ 3 por mês para participar das escolhas. A ajuda é dada
relacionando-se o número de votos que o tema recebeu e a quantia que o
jornalista pede. Aprovado o financiamento, o beneficiado vai à luta e
fica livre para colocar o texto onde quiser. Demori preferiu hospedar
seu texto na plataforma Medium, de Ev Williams, o criador do Twitter.
Os repórteres, como o Fantasma das Selvas, são imortais.
Andar de cima
Não
se conhece uma só voz saída da banca para condenar o ajuste fiscal
enquanto ele avançou sobre despesas que beneficiavam desempregados,
pensionistas e aposentados. Agora que a doutora acrescentou ao
ajuste a pimenta da taxação dos lucros bancários, será interessante
entender a reação dessa tão fiel torcida.
Renato Duque
A entrada do filho de Renato Duque na roda do dinheiro e das investigações da Lava-Jato assustou o comissariado. O
ex-diretor de serviços da Petrobras seria o arquivo que guarda as
conexões do PT e de alguns de seus comissários com as
petrorroubalheiras. O “amigo Paulinho” só concordou em colaborar
com o governo quando os investigadores mostraram-lhe que envolvera
familiares em práticas criminosas. Até então, o PT considerava
“satisfatórias” as patranhas que ele contava.
A Lava-Jato já
custou a Renato Duque uma coleção de arte de novo rico e o equivalente a
R$ 68 milhões depositados em Mônaco. Sua defesa diz que esse dinheiro
não é dele. Amanhã, Eremildo, o Idiota, pretende se habilitar à sua
titularidade.
Choque à vista
O senador
Renan Calheiros e o deputado Eduardo Cunha, ilustres figuras da lista de
parlamentares investigados pelo Ministério Público, decidiram jogar
pesado contra a possível recondução de Rodrigo Janot ao comando da
Procuradoria Geral da República. Rejeitá-lo, caso seja indicado
pelo Planalto, além de ser uma imensa carapuça, poderá levar a uma
inédita mobilização do Ministério Público, refletindo-se em setores do
Judiciário, inclusive em seus gaveteiros.
Fonte: Elio Gaspari - O Globo