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segunda-feira, 5 de junho de 2023

Até a “próspera” Albânia: as inspirações estrangeiras dos comunistas brasileiros - Rafael Azevedo

Ideias - Gazeta do Povo

Lula abanando a bandeira cubana ao lado de Raúl Castro.| Foto: Ricardo Stuckert/ Instituto Lula

Nos Estados Unidos existe uma expressão comum, que veio do jargão do beisebol: “three strikes and you’re out”. 
O rebatedor que sofrer três strikes numa jogada está automaticamente fora do jogo. 
A expressão passou usada para uma série de situações do dia a dia. 
Nós, brasileiros, que adoramos uma série de coisas vindas de lá, muitas delas não tão boas, bem que poderíamos importar a expressão. 
Quem poderia ter aprendido muito com isso seriam os comunistas brasileiros, a despeito da ironia de se tentar ensinar um ditado americano para antiamericanistas empedernidos.

A história do comunismo no Brasil se iniciou formalmente em 1922, quando nove representantes de 50 membros fundaram, em Niterói, uma seção da Internacional Comunista com o nome de Partido Comunista do Brasil (na época, ainda tendo como sigla PCB). O modelo, à época, era a recém-criada União Soviética, cuja experiência desastrosa com o socialismo ainda não tinha surtido os efeitos com os quais nos acostumamos e que inspirou tantos modelos malfadados pelo mundo.

Ainda naquele ano, o partido foi posto na ilegalidade, voltando a ser aceito novamente no cenário político brasileiro depois de uma série de reviravoltas ocorridas nos anos seguintes, muitas delas capitaneadas por Luís Carlos Prestes, um ex-militar que contou com grande apoio, financeiro e ideológico, da intelligentsia soviética, depois de passar uma temporada por lá no começo dos anos 1930. 
O partido viria a cair novamente na ilegalidade e perseguido por Getúlio Vargas.
 
À época, o mundo já sabia dos terrores impostos por Lênin e Stalin sobre seu povo e dos fracassos do comunismo na administração do país, mas uma espécie de venda cobria os olhos de muitos no Ocidente, que viam no regime soviético uma utopia de alguma maneira capaz de sanar os defeitos que viam em suas próprias sociedades
Esse foi o caso, por exemplo, do dramaturgo irlandês George Bernard Shaw, que, depois de visitar Moscou, em 1931, onde foi recebido por multidões e fanfarras militares, com direito a um banquete em comemoração ao seu 75º aniversário e uma reunião de duas horas com Stalin – que, segundo ele, estava num “bom-humor encantador” – voltou cantando os louvores do paraíso de prosperidade que tinha visto.

A ideia de um ditador benevolente, capaz de, com um passe de mágica, consertar todos os defeitos que as sociedades ocidentais não tinham paciência nem capacidade de esperar serem consertados, parecia atraente demais para determinados setores da sociedade da época. Nosso glorioso Jorge Amado, por exemplo, descreveu a URSS em 1951 como “pátria dos trabalhadores do mundo, pátria da ciência, da arte, da cultura, da beleza e da liberdade. Pátria da justiça humana, sonho dos poetas que os operários e os camponeses fizeram realidade magnífica”.

O primeiro “strike”
Claro que uma hora os próprios soviéticos caíram na real, embora tenha sido preciso que Stalin morresse para que isso acontecesse. Três anos depois de sua morte, em 1956, durante o XX Congresso do Partido Comunista Soviético, Nikita Khrushchev, o primeiro-secretário que o substituiu, fez um discurso bombástico e inesperado, no qual denunciou os excessos e crimes cometidos por Stálin no poder, bem como o perverso culto à sua personalidade que havia se instaurado no país.

Descrito como “o Segundo Funeral de Stálin”, o discurso de Khrushchev caiu como uma bomba mais letal que qualquer uma jogada pelos Estados Unidos sobre os países comunistas da época. A ele seguiram-se revoltas em diversos países que estavam por trás da “cortina de ferro” imposta pela União Soviética sobre a Europa do Leste, como Polônia e Hungria. Até mesmo na terra natal de Stalin, a Geórgia, protestos maciços forçaram a intervenção de Moscou. O próprio Khrushchev se viu diante de ameaças a seu cargo por parte de ex-aliados de Stalin que temiam ser expostos no processo de “desestalinização” que estava sendo posto em prática.

O ditador da Albânia, Enver Hoxha, denunciou, revoltado, as atitudes de Khrushchev como “antimarxistas” e “revisionistas”, e prontamente rompeu as relações entre os dois países. Já na China, o todo-poderoso Mao Tsé-Tung declarou-se horrorizado com o que ele via como um distanciamento irreversível por parte da URSS dos ideais do “marxismo ortodoxo”. O fato de os soviéticos apoiarem um movimento insurgente no Tibete e tomarem o lado da Índia numa disputa de fronteira entre os dois gigantes asiáticos não serviu para melhorar as relações entre os dois líderes.

A crise explodiu de vez quando, logo depois de ter se recusado a oferecer ajuda à China para produzir armas nucleares, Khrushchev resolveu intervir pela libertação de seis americanos condenados por espionagem pelo governo chinês. Durante o Congresso do Partido Comunista Romeno, em 1960, os dois líderes trocaram publicamente insultos.

Foi aí o primeiro “strike” dos comunistas brasileiros. Quando as notícias do discurso de Khrushchev chegaram ao país, muitos a princípio se recusaram a acreditar na veracidade dos relatos publicados pela imprensa brasileira, dizendo serem uma invenção da CIA. Logo ocorreu um racha dentro do partido, e a posição majoritária foi a de seguir o caminho de um “purismo” ideológico, alinhando-se não mais à URSS, mas à China.

O segundo “strike”
Veio então a ditadura militar brasileira, e, com ela, o retorno do Partido Comunista à clandestinidade. A ideologia maoísta, que defendia uma estratégia mais agressiva e mantinha sua defesa da luta armada como única forma de se atingir o “socialismo real”, passou a pautar o ideário dos militantes. Enquanto Mao implantava em seu país medidas desastrosas, como o assassinato de pardais e de intelectuais, causando inadvertidamente (ou não) a morte de milhões de pessoas, os bravos guerreiros brasileiros organizavam guerrilhas no meio da selva, assaltavam bancos, e sequestravam embaixadores estrangeiros.

Com a morte de Mao, viria o segundo “strike”. Os comunistas brasileiros, que já vinham demonstrando certa inquietação com os rumos tomados por Mao – especialmente depois da visita de Nixon ao país em 1972 se viram totalmente perdidos. O novo governo prendeu a chamada “Camarilha dos Quatro”, radicais considerados como os principais ideólogos por trás da Revolução Cultural, pondo efetivamente um fim a qualquer resquício do maoísmo no país e preparando-o aos poucos para a abertura econômica que viria nos anos a seguir. O Partido Comunista do Brasil nessa época já PCdoB – acusou os chineses de caminharem para o capitalismo e romperam com os chineses, declarando a os líderes albaneses como seus novos luminares.

Sim, a Albânia. Aquele exemplo de desenvolvimento, um verdadeiro farol guiando a Europa durante um período tão turbulento quanto os anos 1970, foi escolhido como eles para ser o novo modelo. Hoxha, o ditador albanês, enviou uma carta furiosa ao governo chinês, declarando-se contra a prisão dos quatro e a crescente aproximação da China com o Ocidente, dizendo-se “leal aos interesses da revolução, do socialismo, e dos povos, (...) contra a burguesia revisionista e capitalista e a favor de sua derrocada”.

O discurso incendiou nossos revolucionários. O jornalista Jaime Sautchuk, à época, visitou a Meca esquerdista do Leste Europeu e publicou o livro “O Socialismo na Albânia”, no qual disse não ter visto qualquer repressão num país onde o povo não precisava de gás de cozinha, pois havia sempre lenha ou carvão, e onde crianças cultuavam desde a mais tenra idade o “titio Enver”, sem que fosse preciso qualquer tipo de incentivo do governo.

O terceiro “strike”
Simultaneamente, o terceiro e derradeiro “strike” do comunismo brasileiro estava sendo preparado: Cuba. 
Já na década de 1970, a intelectualidade do país se derretia em elogios por um regime que não fazia a menor questão de esconder sua falta de apreço por valores básicos como democracia e liberdade de expressão. 
Já em seu livro “A Ilha”, o jornalista Fernando Morais, um fervoroso defensor da ditadura cubana, perguntou a Fidel Castro sobre quantos presos políticos existiam no país, e recebeu a resposta “deve haver uns 2 mil ou 3 mil”. Questionado acerca de liberdade de imprensa, Castro respondeu gargalhando: “Liberdade de imprensa é apenas um eufemismo burguês”.
 
A década de 1980 trouxe a anistia e, com ela, a perda de protagonismo do PCdoB no cenário da esquerda brasileira. 
Militantes e políticos de esquerda se dispersaram e se dividiram em diversos outros partidos, num processo que culminou com o fortalecimento do Partido dos Trabalhadores e o surgimento de Lula como seu novo líder. Ao mesmo tempo, a Albânia começou a implodir, assim como todos os países que orbitavam em torno da União Soviética. 
Depois de décadas de fome, repressão e falta de liberdade, a queda do Muro de Berlim, em 1989, foi o empurrão que faltava para que a população daqueles países decidisse se libertar de vez do jugo de tiranos que por décadas exploraram tudo o que tinham.

Em 1991, o governo comunista da Albânia não resistiu à onda de revoltas populares que tomou conta da Europa do Leste e, no ano seguinte, as primeiras eleições parlamentares da história do país foram realizadas. O que era até então designado pelos militantes brasileiros como “bastião do comunismo mundial” forçaram uma revisão de suas convicções.

No ano seguinte, foi realizado o VIII Congresso do PCdoB, onde um novo caminho foi traçado: um abandono da Albânia como modelo de referência, a oposição ao “neoliberalismo”, iniciado pelos governos de Fernando Collor de Mello e Itamar Franco e posteriormente continuados por Fernando Henrique Cardoso, e a continuidade da “globalização capitalista” e ao “imperialismo americano”. O documento oficial dizia: “Hoje, nós acreditamos que a luta pela construção do socialismo deve seguir as particularidades de cada país”.

Leia também:  Delírios de um ditador: como a morte de pardais levou ao canibalismo na China

O que a história do primeiro presidente negro do Brasil tem a ver com os dias atuais

Como os soviéticos resistiram à violenta campanha antirreligiosa comunista

O imaginário do comunista brasileiro, no entanto, seguiu povoado por Fidel, Che, e a imagem de uma Cuba próspera, farol que guia a América Latina, onde educação e saúde de qualidade são gratuitos e “nenhuma criança dorme nas ruas”.

[Albânia, o país que os comunistas brasileiros consideravam exemplo de sucesso, progresso,  modernidade sempre representou o atraso, agora defendido pelo ex-presidiário presidente que tem um único objetivo: destruir tudo que represente progresso e desenvolvimento no país em que a maioria fez o L - e agora começam a chorar de arrependimento.]

Curiosamente, a foto de Stalin não estava presente neste encontro do partido. E nunca mais esteve em qualquer outro depois.

Rafael Azevedo, colunista - Gazeta do Povo - Ideias


domingo, 27 de fevereiro de 2022

PUTIN É O “LOBO DO HOMEM” - Sérgio Alves de Oliveira

Atribui-se a Platus, dramaturgo romano, a origem da frase “O Homem é o Lobo do Homem” (Homo Homini Lupus), que foi mais difundida através do filósofo inglês Thommas Hobbes, em “Leviatã”, publicado em 1651. Trocando em miúdos,essa frase quer dizer que o homem é o maior inimigo do próprio homem.

Em sentido metafórico, a frase criada por Platus, e difundida por Hobbes, indica que o homem é capaz de grandes atrocidades contra a sua própria espécie. Em “Leviatã”, Hobbes argumenta que a paz e a união social só podem ser alcançadas mediante estabelecimento de um “contrato social”,com um poder central com autoridade absoluta para proteger a sociedade, na busca de paz e uma sociedade civilizada,ordenada e desenvolvida.

O lobo-homem muitas vezes se materializa sob o sentimento que os “fins justificam os meios”, possuindo um grande potencial tanto para o bem, quanto para o mal.

Divergindo do filósofo francês Jean Jacques Rousseau, em “Contrato Social”, segundo o qual “l’homme nait bom,c’est la société que le corrompt” ( o homem nasce bom,é a sociedade que o corrompe),Hobbes considerava que o individualismo em estado natural do ser humano o compele a viver em guerra uns com os outros,e que a tendência é exploração do mais fracos pelos mais fortes,significando que o principal predador do homem é o próprio homem.

Com base nessa “introdução”, não é nada difícil concluir que o ditador russo Vladimir Putin encarna melhor que ninguém o “monstro” que muitas vezes se apossa da alma humana, o “Leviatã”,desde o momento em que,  ”covardemente”, invadiu a Ucrânia por terra, ar, e mar, possuindo um aparato bélico no mínimo dez vezes superior ao do “inimigo”. É o “leviatã” do mais forte agredindo o mais fraco.

Tanto quanto a Rússia, a Ucrânia é membro das Nações Unidas.Mas a Rússia integra o Conselho Permanente de Segurança da ONU, juntamente com outras quatro nações,a saber, Estados Unidos,o Reino Unido, França e a República Popular da China. Enquanto isso,o Conselho de Segurança da ONU tem mais 10 (dez) países-membros, rotativos.

Sem dúvida a invasão da Rússia à Ucrânia, procedida na madrugada de 22 de fevereiro de 2022, fere a Carta das Nações Unidas, da primeira à última letra. Especialmente no que tange à invasão de uma soberania de Estado integrante da ONU, por “outra” soberania também filiada à ONU.

Convocado às pressas o Conselho de Segurança da ONU,a invasão russa à Ucrânia foi repelida pelos votos de 11 (onze)membros (Estados Unidos, Reino Unido,França,Brasil,Albânia,Gabão,Ghana,Irlanda,Quênia,México e Noruega), 3 (três) abstenções (República Popular da China,Emirados Árabes e Índia),e um voto contrário,”vencido”,”coincidentemente”, o da própria Rússia, determinando-se ao “invasor” o encerramento das hostilidades e a imediata desocupação da Ucrânia.

E foi com base no direito de “veto” que tem qualquer um dos 5 (cinco) membros do Conselho Permanente de Segurança da ONU, contra decisão do próprio Conselho, ou decisão do órgão superior da ONU, a Assembleia Geral, que a Rússia se opôs e “vetou” resolução do Conselho de Segurança, negando-se terminantemente a abandonar o território invadido da Ucrânia.

Mas parece que passou despercebido pela sua assessoria jurídica pelos próprios órgãos estatutários da ONU a total invalidade do veto russo à desocupação da Ucrânia. É como dizem, ”muitas vezes o diabo mora no detalhe”. E o “detalhe” é que o veto da Rússia à desocupação da Ucrânia não poderia ter sido considerado pelo Conselho de Segurança, pela simples razão dela ser parte “diretamente interessada”,”envolvida”, no assunto. [vamos por partes: com base na nossa notória e incontestável ignorância jurídica - agora palpitando no 'direito internacional' - entendemos que qualquer membro permanente do Conselho de Segurança da ONU pode exercer ser direito ao veto - cuide a matéria debatida de interesse do próprio membro ou cuide de assunto que interesse a um país, ou povo, não membro permanente do CS/ONU = o veto dos Estados Unidos a ações contra Israel quando o Estado hebreu decide testar suas armas, incluindo caças de última geração, contra civis inocentes e indefesos. 
Entendemos que o caminho para convocação de uma Assembleia geral da ONU é repleto de 'saídas' interpretativas. , - que podem impedir uma efetiva convocação. 
Quanto aos lobos, entendemos que são dois, um deles o presidente da Ucrânia - que levou seu país a uma guerra,  por confiar que os seus aliados brigariam pela Ucrânia - e o outro, Joe Biden, que tenta recuperar o antigo prestígio da nação que preside, e com isso favorecer o que mais deseja: a supremacia do esquerdismo progressista.                                                                                           Será que é do interesse dos que interpretam a carta das Nações Unidas, uma ação que dificulte o direito de veto???] 

Nos parece que o  caminho é convocar uma Assembleia Geral da ONU - na qual os membros permanentes do Conselho de Segurança do Conselho Permanente não votam

O inciso (3) do artigo 27 da Carta das Nações Unidas é bem explícito no sentido de que “aquele que for PARTE numa controvérsia se absterá de votar”!!! E o direito de “veto”,é “voto” !!! Deu para compreender?

Sérgio Alves de Oliveira  - Advogado e Sociólogo


domingo, 25 de abril de 2021

O Atleta é mais veloz que a Justiça - Revista Oeste

A promoção de Renan Calheiros a relator da CPI da Pandemia confirma que, no Brasil abastardado pelo Supremo, investigado investiga

 

A linhagem dos grandes inventores de nomes nasceu na entrada dos cinemas e viveu seus momentos mais brilhantes nos anos 50. O show de criatividade era escancarado nos letreiros riscados a giz que identificavam o filme em cartaz. Ninguém conhecia nenhum dos autores daquelas obras de arte, mas eles sabiam perfeitamente com quais plateias lidavam. Sabiam, por exemplo, que quem gostava de faroeste norte-americano não via com entusiasmo títulos reduzidos a uma palavra só. Pouco importava que nos Estados Unidos e em Portugal o clássico estrelado por Alan Ladd fizesse sucesso desde o lançamento, em 1953, com o nome do principal personagem: “Shane”. É pouco para o Brasil, decidiu algum anônimo artista escondido na empresa distribuidora — e Shane foi substituído por um irresistível chamariz em maiúsculas: OS BRUTOS TAMBÉM AMAM

Em Portugal, aliás, a regra era manter o título original ou traduzi-lo literalmente. Filmado em 1969, The Wild Bunch tornou-se nas telas lusitanas Uma Quadrilha Selvagem. Por aqui, foi rebatizado com um achado que induzia o mais pacífico cinéfilo a levar as duas mãos a coldres imaginários já na passagem pela bilheteria: MEU ÓDIO SERÁ TUA HERANÇA. É claro que esses mestres da hipérbole não admitiriam que fosse confinado em míseras cinco letras — Giant — o superfaroeste da safra de 1956 protagonizado por Elizabeth Taylor, Rock Hudson e James Dean. Os portugueses se deram por satisfeitos com um insosso Gigante. Também por isso, merecia figurar nos créditos de abertura, logo abaixo do trio estelar, o reinventor do nome no Brasil: ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE.

A caminho da extinção nos letreiros de cinema, a tribo sobreviveu graças ao surgimento na Polícia Federal, no início deste século, de uma ramificação igualmente inventiva e bem mais prolífica. Por lei, a escolha do nome de uma operação da PF cumpre ao delegado que vai chefiá-la. Com a intensificação das ofensivas, os doutores recorreram a todas as modalidades de cobra, macaco, peixe e outros bichos antes da capitulação: aquilo era coisa para especialistas. E então se sucederam os surtos criativos. 

Em outros países, operações do gênero têm denominações sisudas, que usam terno escuro, falam baixo e jamais sorriem. No Brasil, reina a imaginação sem fronteiras. Há um pouco de tudo na lista de operações: erudição (Satiagraha, Ararath), bom humor (Fatura Exposta), poesia (Rosa dos Ventos), apreço por superlativos (Anel de Gigantes, Ad Infinitum) ou mistério (Ratatouille, Ouvidos Moucos). Há os irônicos: Tergiversação, por exemplo, inspirou-se na palavra que engordara o vocabulário indigente de Dilma Rousseff naquele semestre. E há os inevitáveis, como referências à pandemia no balanço de 2020. A lista anual incluiu, entre outras, as operações Virus Infectio, Placebo, Calvário e Mercadores do Caos.

Foi a mais célebre e bem-sucedida operação da História que revelou a existência de uma maloca habitada por descendentes da tribo que brilhou nos letreiros de cinema e continua a fazer bonito na Polícia Federal. Alojados num setor semiclandestino da construtora Odebrecht que se tornaria conhecido como Departamento de Propinas, os craques em batizado criavam codinomes que mais revelaram do que esconderam a identidade dos políticos que tiveram o caixa dois irrigado por dinheiro da empreiteira e se refugiaram no pântano devassado pela Lava Jato. É o caso da trinca formada por senadores que se aquecem para entrar em ação na CPI da Pandemia.  
Humberto Costa, do PT pernambucano, virou caso de polícia quando era ministro da Saúde de Lula e se envolveu no escândalo dos Sanguessugas, produzido por gente que desviou com voracidade de vampiro verbas destinadas à área da Saúde. Ganhou da Odebrecht o codinome perfeito: Drácula
Tão perfeito quanto o Whisky extraído de uma das mais caras predileções de Jader Barbalho, morubixaba do MDB paraense e pai do atual governador Helder Barbalho (codinome Cavanhaque). 
Mas nenhum é tão irretocável quanto o nome de guerra de Renan Calheiros: Atleta. A folha corrida do senador denuncia um maratonista da delinquência. O prontuário do gerente do MDB alagoano é coisa de matar de inveja até um campeão de bandalheiras promovido a chefão do PCC.

José Renan Vasconcelos Calheiros, natural de Murici, entrou no saloon da baixa política pela última porta do corredor à esquerda de quem chega: nos anos 70, enquanto cursava a Faculdade de Direito em Maceió, matriculou-se no PCdoB e logo se elegeria deputado estadual com o apoio da seita comunista. O rebanho tinha mudado de bússola. Trocara a China pela Albânia, Mao Tsé-tung por Enver Hoxja, o mato pela capoeira. O livro de pensamentos do ditador albanês era tão profundo que as cabras montanhesas daquele grotão europeu poderiam, como a formiguinha de Nelson Rodrigues, atravessá-lo com água pelas canelas. 

Quem serve voluntariamente nas galés de um Enver Hoxja embarca em qualquer canoa, confirma o ziguezague de Renan. Achou boa ideia transformar o prefeito e depois deputado federal Fernando Collor em alvo predileto. “É o príncipe herdeiro da corrupção”, recitou anos a fio. Achou melhor ainda a ideia de aceitar o convite do governador Fernando Collor e assumir a Secretaria da Educação. “Apesar de adversários no passado, sempre fomos amigos”, fantasiou. Nunca seriam amigos. Foram cúmplices quando as circunstâncias recomendavam.

Renan estava no famoso jantar em Pequim durante o qual emergiu a ideia que parecia conversa de fim de noite num botequim de Maceió
que tal transformar o governador na cabeceira da mesa em presidente da República? 
Meses depois, ambos homiziados numa esperteza batizada de Partido da Reconstrução Nacional (PRN), Collor e o líder da bancada do governo na Câmara dos Deputados subiram juntos a rampa do Planalto. O aliado Renan Calheiros defendeu com veemência o conjunto de medidas hediondas que incluiu o confisco da poupança. “Quem não entender que o Brasil mudou perderá o bonde da História”, comunicou à nação. O desafeto Renan Calheiros defendeu com igual veemência o impeachment do ex-parceiro que não subira no bonde que fretou para eleger-se governador. O bucaneiro oportunista mandou chumbo em tudo que se movesse no navio corsário do qual saltara ao pressentir o naufrágio. Só poupou Itamar Franco. Depois trocou Itamar por Fernando Henrique Cardoso e ganhou o Ministério da Justiça. Em seguida trocou Fernando Henrique por Lula. Em fevereiro de 2005, aos 55 anos, virou presidente do Senado.

O clássico da chanchada pornopolítica em que contracenou com a jornalista Mônica Veloso apressou a barganha repulsiva: em 4 de dezembro de 2007, para escapar da cassação do mandato por quebra de decoro (corrupção graúda, em língua de gente), renunciou ao comando do Senado e seguiu usando a carteirinha de congressista. Voltou ao palco meses mais tarde. Arrendado por Lula para liderar a guerra pelo sepultamento da CPI da Petrobras, o general da banda podre convocou para o combate o de novo comparsa Fernando Collor, rebaixado a ajudante de ordens, e foi à luta. 

Nas semanas seguintes, Renan foi mais Renan do que nunca. Caprichando no sotaque de cangaceiro, insultou quem dele discordava, valeu-se de chantagens e extorsões para inibir oposicionistas, achincalhou o Conselho de Ética, desmoralizou a CPI e conseguiu cumprir a missão abjeta que Lula lhe encomendara. De lá para cá, continuou a fazer o que pode e o que é proibido para transformar o Senado num clube de cafajestes da terceira idade.

Em nações civilizadas, o Atleta da Odebrecht estaria na cadeia há muito tempo. Num Brasil abastardado pelo Supremo Tribunal Federal, Renan segue driblando a capivara cevada pela pilha de processos e inquéritos. Em vez de temporadas na gaiola, coleciona mandatos na presidência do Senado. Até agora são três. Vai começar a campanha para chegar ao quarto na quinta-feira, fantasiado de relator da CPI da Pandemia. Só no País do Carnaval um investigado investiga. O criador do codinome do senador merece alguma condecoração. Sem sair da Praça dos Três Poderes, sem se afastar de cargos relevantes, Renan Calheiros foge da Justiça há quase 30 anos. É o nosso Usain Bolt da corrupção. É um tremendo Atleta.

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Como a Carta de 1988, a Constituição do atraso, inviabiliza o desenvolvimento do país

Selma Santa Cruz

As distribuidoras de energia têm o direito de suspender o fornecimento do serviço a clientes inadimplentes durante os fins de semana?
 Os bancos do Estado de Santa Catarina devem ser obrigados a implantar sistemas de segurança
 Determinada obra de infraestrutura contestada pelo Ministério Público poderá ser retomada? 
E a delação premiada do corrupto da vez, será ou não homologada? 
O país já se habituou a depender das deliberações da Justiça para resolver praticamente qualquer assunto. Questões mais comezinhas até as que acarretam desdobramentos políticos ou econômicos relevantes, como mostram os exemplos acima, estiveram na pauta do Supremo Tribunal Federal nas últimas semanas. Embora já não cause espanto, em meio a tantos descalabros do nosso ordenamento jurídico institucional, esta é apenas uma das inúmeras consequências perversas da Constituição de 1988, que completa 32 anos neste mês e está na origem de boa parte das mazelas nacionais.

Por seu feitio exageradamente minucioso e dirigista, cujo propósito é regular na prática tudo na vida dos cidadãos, ela terminou por criar um ambiente de insegurança jurídica permanente, engessar a economia e dificultar a governabilidade. Além de ter corrompido a democracia, já que o modelo político esquizofrênico que adotou impede a efetiva participação da sociedade nas decisões sobre o país — contribuindo, ao contrário, para perpetuar no poder uma casta oligárquica de políticos profissionais.

Trata-se, portanto, de um aniversário que não mereceria sequer ser lembrado, considerando-se a quase unanimidade de críticas aos defeitos de nascença da Carta, e sobretudo o preço que o país tem pago por eles em termos de atraso econômico, político e social. A menos que se aproveite a data para retomar o debate sobre a necessidade de um arcabouço jurídico alternativo, a partir do diagnóstico dos malefícios provocados pelo atual. O qual tem sido questionado por uma respeitável lista de juristas e economistas praticamente desde sua criação. “Com quimeras e tolices, a Nova República e sua douta Constituinte meteram o povo brasileiro num trem-bala para Bangladânia”, lamentou à época, referindo-se à pobreza de Bangladesh e ao isolamento da então socialista Albânia, o falecido economista Mário Henrique Simonsen (1935-1997), um dos mais brilhantes de sua geração.

Uma Carta dirigista num momento em que países em desenvolvimento se abriam aos mercados globais

De 1988 para cá, à medida que o tempo escancara a gravidade dos equívocos da Carta, a advertência de Simonsen sobre “o risco de se optar pelo atraso”, e sua previsão de que ela poderia “levar o país ao colapso”, reverberam com cada vez mais força. Apenas dois anos depois, em 1990, o título de uma coletânea de artigos de notáveis, Constituição de 88: o Avanço do Retrocesso, reforçou o consenso sobre o espírito retrógrado da Carta, que já nascera provecta e na contramão da história. Pois optava pelo dirigismo estatizante e uma plataforma nacional-desenvolvimentista justamente num momento em que o mundo caminhava na direção oposta.

Sob a liderança de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, os Estados Unidos e o Reino Unido encerravam o longo domínio das políticas keynesianas do pós-guerra para destravar suas economias por meio de privatizações e desregulamentação. Na Ásia, países como Coreia do Sul e Singapura despontavam como “tigres” do crescimento, ao abraçar o livre mercado e abrir-se à globalização. E até os gigantes comunistas começavam a curvar-se aos benefícios do capitalismo, com a liberalização promovida por Mikhail Gorbachev na União Soviética e por Deng Xiaoping na China.

Já o Brasil, apenas dois anos antes do desmoronamento dos regimes comunistas e da Queda do Muro de Berlim, preferiu retomar a agenda esquerdista e populista da década de 1960, multiplicando encargos e benefícios trabalhistas de país rico, fechando-se ao capital estrangeiro, e chegando ao cúmulo de tentar controlar a taxa de juros por força de lei — essa última excrescência só seria abolida uma década e meia mais tarde, em 2003. O pensamento dominante entre os constituintes, como recordou mais tarde o então ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, guiava-se por uma série de “ismos” já então comprovadamente ineficientes: “socialismo, marxismo, estatismo, intervencionismo, patrimonialismo, assistencialismo, corporativismo e garantismo”.

Em retrospecto, parece difícil acreditar que essa Constituição tenha sido saudada como “Constituição Cidadã”, termo criado pelo presidente da Assembleia Constituinte, o falecido deputado Ulysses Guimarães (1916-1992), no estilo laudatório típico da demagogia da época. “Será luz, ainda que lamparina, na noite dos desgraçados”, exagerou ele, abusando da hipérbole. “Será redentor o caminho que penetrar nos bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria.” Tratava-se, como se viu mais tarde, de puro ato de ilusionismo, já que não foi possível abolir a miséria nem promover o desenvolvimento apenas com uma vara de condão legiferante, como sonharam os constituintes.

Uma generosa coleção de direitos sociais e econômicos, como se o papel fosse capaz de torná-la realidade

Uma combinação heterogênea de perfis, que incluía artistas de televisão, banqueiros, sindicalistas e ex-guerrilheiros além de lobistas e políticos profissionais, como não poderia deixar de ser —, os eleitos para redigir a nova Constituição espelhavam o ambiente político exacerbado da época, após o Movimento das Diretas Já e o fim do regime militar. Trabalharam, nesse sentido, mais olhando para o passado, visando a contrapor-se à legislação de exceção do período, do que focalizando o futuro, o que exigiria uma visão estratégica, um projeto novo de país.

Em  clima de happening, preferiram ignorar a referência de Cartas Magnas consagradas, a exemplo da norte-americana, que se limitam basicamente às garantias dos direitos civis fundamentais e princípios gerais, a ser transformados em leis à luz das demandas de cada época. A pretexto de inovar, inscreveram minuciosamente no texto uma generosa coleção de direitos sociais e econômicos, como se a Constituição fosse capaz, por si mesma, de torná-la realidade. Embalados pela utopia de resgatar a histórica dívida social brasileira, contudo, esqueceram-se de levar em conta que seria preciso também prover os meios para a concretização desses direitos. O que pressupõe um ambiente de negócios propício ao crescimento econômico, muito diferente daquele desenhado pela Carta, com a infinidade de entraves à atividade empresarial que se conhece.

Tentou-se, em suma, de forma idealista e nada pragmática, criar um Estado de bem-estar social incompatível com a capacidade do país, como reconhece, entre outros, o constitucionalista Gustavo Binenbojm. “O Brasil precisa compreender que levar direitos a sério significa levar o problema da escassez de recursos a sério, o que impõe uma série de escolhas trágicas envolvidas na sua alocação, sem ceder às tentações populistas e à ilusão fiscal.” O resultado foi um calhamaço com 245 artigos e mais de 400 páginasa terceira mais longa Constituição do mundo, segundo o Comparative Constitutions Project, um estudo comparativo de 180 Cartas, ficando atrás apenas das da Índia e da Nigéria.

Para piorar as coisas, o igualmente extenso capítulo tributário criou um intrincado sistema de transferência de recursos da União para Estados e municípios, que ganharam competência para também arrecadar tributos. Como a descentralização das receitas não foi acompanhada por uma diminuição proporcional dos gastos federais, no entanto, o Executivo lançou mão da criação e majoração de alíquotas de tributos não partilhados — as famigeradas “contribuições”. Em decorrência, os brasileiros passaram a carregar o peso de duas camadas de Estado superpostas, como apontou o economista Eduardo Giannetti de Fonseca em outro artigo de título sugestivo sobre a Constituição: “Retrato do fracasso”, publicado em 2013.

Levando em conta que a Carta também impulsionou a proliferação desenfreada e oportunista de municípios, podemos considerar que se trata na verdade de três camadas superpostas. Desde 1990, mais de mil municípios foram criados, na maioria sem condições de bancar as próprias despesas, mas que foram responsáveis por aumentar, só com suas câmaras de vereadores, em pelo menos 200 mil o número de servidores públicos cujo salário é pago pelo contribuinte. Não surpreende que a carga tributária, que era da ordem de 24% do PIB antes da “Constituição Cidadã”, tenha explodido para os cerca de 35% de hoje. A Constituição transformou o Estado brasileiro em um monstro obeso, opressivo e inoperante.

A Constituição transformou a política no país em um negócio empresarial lucrativo

A disposição dos constituintes para invencionices estendeu-se também, e com consequências igualmente deletérias, ao modelo político adotado, um sistema híbrido que mistura características do presidencialismo norte-americano com as do parlamentarismo da tradição europeia. Criou-se o malfadado presidencialismo de coalizão, que dificulta a governabilidade e favorece negociações nem sempre republicanas entre o Legislativo e o Executivo, na conhecida prática do “é dando que se recebe”. Cujo exemplo mais escandaloso foi a compra de votos praticada pelo Partido dos Trabalhadores durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com pagamento aos parlamentares, em forma de mesada e dinheiro vivo, na boca do caixa bancário — o infame Mensalão.

Em paralelo, a Constituição de 88 beneficiou políticos e partidos com tantos privilégios que acabou por transformar a política no país em um negócio empresarial lucrativo, que raramente tem qualquer relação com os interesses da população ou o bem comum. Do voto proporcional — artifício pelo qual a maioria dos brasileiros geralmente não sabe sequer o nome de quem elegeu — à proibição de candidaturas independentes, passando pelo foro privilegiado e pela consolidação do Fundo Partidário, criado durante o regime militar, tudo tem se somado, ao longo das últimas três décadas, para impedir a efetiva  participação e representatividade da sociedade na política. Haja vista o absoluto descaso do Congresso com as demandas de mudanças expressas a partir das manifestações de 2013.

Por essa ótica, a Constituição que nasceu para consagrar a democracia, e cujo mérito inquestionável foi a garantia dos direitos civis fundamentais, hoje é vista, paradoxalmente, como falha também nesse aspecto. Em vez de uma democracia substantiva, fundada na isonomia de direitos e deveres entre todos os cidadãos, e que extrapola portanto a mera realização periódica de eleições, deu origem a uma democracia de fachada, como afirma o jurista Modesto Carvalhosa. “No Brasil, o Estado é hegemônico, não restando à cidadania nenhum papel em nossa construção civilizatória. A sociedade civil é dominada por um Estado que se estruturou para preencher todos os espaços.”

O constitucionalista norte-americano Bruce Ackerman, um dos mais respeitados do mundo e antigo estudioso da legislação brasileira, vê nesse descompasso uma das principais causas da crescente frustração da população com a democracia. E se alinha aos que defendem a convocação de uma nova Assembleia Constituinte. “Uma vez eleitos, os representantes deveriam reconsiderar as decisões-chave da Assembleia de 1988 já que elas, ao longo das décadas, geraram a atual crise de confiança pública”, justificou em artigo recente. Essa é também a proposta de Carvalhosa, que em novembro lançará um projeto de Constituição completo para promover o debate no livro Uma Nova Constituição para o Brasil: de um Ps de Privilégios para uma Nação de Oportunidades.

Seria essa mudança radical do ordenamento jurídico realmente a melhor solução? É fato que os próprios constituintes reconheceram as deficiências de sua criação, já que propuseram a revisão do texto num prazo de cinco anos — uma providência bizarra, visto que cartas constitucionais se pretendem por natureza duradouras. A revisão, contudo, acabou sendo superficial, devido à crise em que o país estava mergulhado em 1993, em função do impeachment do ex-presidente Fernando Collor.  Em vez disso, optou-se por corrigir alguns dos erros mais flagrantes, sobretudo no capítulo da economia, como as restrições ao capital estrangeiro, e por remendos pontuais por meio de emendas. Propostas de mudanças estruturais, por outro lado, vêm sendo seguidamente adiadas, ou desvirtuadas, já que a Constituição se autoblindou, tornando o processo da aprovação de emendas longo e dificultoso.

No momento, parece não haver condições políticas para uma Constituinte, embora o assunto volte à tona com frequência, já tendo sido defendido também à esquerda, pelos ex-presidentes Dilma Rousseff e Lula. Mais recentemente, o presidente do Senado, David Alcolumbre, chegou a aventar essa possibilidade, quase como uma ameaça. Para alguns, como o consultor político Murillo de Aragão, seria mais recomendável aproveitar as crises para avançar nas reformas. Assim como ele, não falta quem alegue que a durabilidade da Constituição de 88, apesar das inúmeras crises que o país atravessou, comprovaria seu valor e resiliência. Para outros, como se viu, a Constituição é ela própria a origem da sucessão de crises.

Seria temerário tentar prever qual caminho prevalecerá. O que parece indiscutível é que o Brasil real no qual vivemos, com sua pesada carga de atribulações, não se parece nem um pouco com aquele idealizado pela Carta de 88. Este talvez seja o argumento definitivo contra ela. “Uma boa Constituição não é suficiente para proporcionar a felicidade de uma nação” resume o constitucionalista francês Guy Carcassonne. “Já a má Constituição pode levar à sua infelicidade.” Parece ser este o nosso caso.

Selma Santa Cruz, colunista - Revista Oeste


segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

UM PODER PARALELO QUE NÃO PERDE ELEIÇÃO: NOSSOS MUITOS SOVIETES - Percival Puggina

Durante décadas fui participante ativo de debates políticos nas emissoras de rádio e TV de Porto Alegre. Eram anos de ostracismo para o pensamento conservador e para as ideias liberais de que o país era tão carente. Contavam-se nos dedos os que se dispunham a enfrentar o esquerdismo que ia dominando a política nestas bandas. Na Rádio Guaíba, um estúdio instalado na esquina da Caldas Júnior com a Rua da Praia proporcionava som e ampla visibilidade ao público que se acotovelava para assistir as discussões do programa Espaço Aberto. Durante a Feira do Livro, o “Estúdio de cristal”, como era chamado, mudava-se para a Praça, e a multidão, literalmente, cercava aquele ringue retórico para ver quem iria às cordas.

À medida que nos aproximávamos do fim do milênio, os partidos de centro-direita e de direita foram virando apoiadores de quaisquer governos, espécie de contrapeso nas disputas eleitorais, deixando sem trincheira ou expressão o ideário conservador e liberal. Fechavam-se, no Rio Grande do Sul, as últimas portas ao debate político que fosse além do bate-boca pelo poder. Ou, com palavras melhores, em que essa disputa não fosse a única finalidade de todo argumento.  Lembro-me de ter ouvido do governador Alceu Collares, num desses debates, pela primeira vez, referindo-se ele aos partidos do espectro esquerdista: “Nós, do campo democrático e popular”. A expressão disseminou-se.

Socialistas, marxistas e a esquerda em geral agarraram-se com braços e pernas ao binômio democrático-popular. Posavam como donos desse “campo”. Nele jogavam futebol e golfe, criavam gado e faziam seus melhores discursos. E criavam conselhos populares... Então, como ainda hoje, eram avessos à propriedade privada, mas o tal “campo” foi cercado, escriturado em seu nome e passou a lhes pertencer o inço que ali crescia.

Não falo, apenas, de uma pretensão local, mas de uma obstinação mundial. É bom lembrar que Albânia, Bulgária, China, Cuba, Camboja, Coréia do Norte, Mongólia, Vietnã, Iêmen, e todas as demais republiquetas africanas, asiáticas e europeias, que em décadas anteriores adotaram o socialismo, se apresentavam ao mundo como “democracias populares”. Enchiam a boca e estatutos constitucionais com sua condição de people’s republic. E o leitor está perfeitamente informado sobre seus principais produtos: totalitarismo, supressão das liberdades, genocídio e miséria. Aqui no Brasil, o dito campo esquerdista encontrou na criação e povoamento de conselhos uma forma de se institucionalizar e atuar politicamente. Na administração pública estão em toda parte. Com exceções, formam pequenos sovietes, determinando e impondo políticas. São detentores de um poder paralelo que somente na órbita federal se manifesta através de 2.593 colegiados, segundo matéria de O Globo publicada em 29 de junho de 2019. Na véspera, Bolsonaro havia anunciado a intenção de reduzi-los a 32.

No entanto, esses aparelhos políticos resistem. Os 996 conselhos ligados a instituições federais de ensino operam em ambientes blindados pela autonomia universitária. Outros foram instituídos por lei e só poderão ser cancelados por outra lei. Assim, no curto prazo, apenas 734 criados por decretos federais ou por portarias dos próprios órgãos federais estão liberados para encerramento de atividades. [mesmo assim, se um magistrado federal entender conveniente, concede uma liminar e o presidente da República é desautorizado e impedido de cumprir uma atribuição constitucional.]
Note-se: a criação e operação de grande parte desses conselhos, muitos dos quais altamente onerosos ao pagador de impostos, é apenas uma das formas de aparelhamento da administração pública, que deveria ser apartidária, técnica e comprometida com a redução do peso do Estado sobre a sociedade.

Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, arquiteto, empresário e escritor e titular do site , colunista de dezenas de jornais e sites no país. 



 

quinta-feira, 11 de abril de 2019

Embaixador palestino pede que Brasil fique longe de conflito com Israel



Encontro entre Bolsonaro e embaixadores de países árabes ocorreu na sede da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil

Após jantar com o presidente Jair Bolsonaro, o embaixador palestino no Brasil, Ibrahim  Alzeben, defendeu que o Brasil "fique longe" do conflito histórico com Israel. Ele se pronunciou em meio ao silêncio de autoridades brasileiras sobre a eventual mudança da embaixada do Brasil em Israel, uma das promessas de campanha do presidente. O assunto não foi tratado por Bolsonaro durante o evento desta noite.   "Se me permite, este conflito não é do Brasil. Vamos manter as boas relações com o Brasil, e desejamos ao Brasil o melhor. Fiquem longe deste conflito e vocês ganharão o mundo inteiro", declarou Alzeben a jornalistas.

Jair Bolsonaro durante encontro com Alia Ahmad Khamis Abdulla no Palácio do Planalto. Foto: Carolina Antunes/PR
 
O objetivo do jantar era tentar desfazer mal-estar gerado pela visita de Bolsonaro a Israel, no início do mês. Na ocasião, o presidente anunciou a criação de um escritório de negócios em Jerusalém, alvo de críticas da comunidade árabe. Os países islâmicos são os terceiros maiores importadores dos produtos agrícolas brasileiros. Por iniciativa do Ministério da Agricultura, o encontro entre Bolsonaro e embaixadores de países árabes ocorreu na sede da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em Brasília. Dos 41 embaixadores convidados, somente os embaixadores de Albânia, Benin, Emirados Árabes, Mali e Suriname não compareceram.

Alzeben também disse que o encontro com Bolsonaro foi importante e serviu para “quebrar o gelo depois de uma série de notícias que não fizeram bem para as relações bilaterais” entre os países. Em seguida, chanceler Ernesto Araújo afirmou que “nunca houve gelo”. “O Brasil é um país quente, o gelo derrete rápido”, reagiu Ernesto. [o chanceler sempre inconsequente, sem noção e tentando ser engraçado - suas atitudes são mais académicas que as tentativas de ser engraçado - , o Brasil espera que ela seja o primeiro a seguir Vélez.] Alzeben, então, reforçou que usou a expressão “quebrar o gelo” no sentido figurado e que “o Brasil é um país de coração quente”. 

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Número de brasileiros barrados na Europa cresce 50% em um ano



Mais de 2.200 foram vetados de entrar no continente no 1º semestre de 2018

A quantidade de brasileiros impedidos de entrar na Europa nos primeiros seis meses de 2018 aumentou 50% em relação ao mesmo período do ano anterior, de acordo com o mais recente relatório da Frontex, a agência de fronteiras europeia.  Entre janeiro e junho, 2.225 cidadãos do Brasil foram barrados no continente. Isso equivale a mais de 12 pessoas impedidas de entrar na Europa diariamente. O país está na nona posição entre as nacionalidades mais afetadas.

Se consideradas apenas as entradas negadas nos aeroportos, a situação é ainda mais representativa. Os brasileiros só perdem para os cidadãos da Albânia entre as nacionalidades com mais recusas de entrada na União Europeia.  Segundo a Frontex, a maioria dos casos aconteceu porque os brasileiros não possuíam “documentação apropriada para justificar o motivo da viagem e as condições da estadia”.

Ou seja: um forte indicativo de que essas pessoas poderiam imigrar irregularmente para o velho continente.  O número de brasileiros impedidos de entrar na Europa já foi bem maior. Em 2008, por exemplo, mais de 11 mil cidadãos do país não puderam entrar no continente. Os números caíram significativamente ao longo dos anos, até chegarem ao mínimo de 2.313 barrados em 2014.  Desde que a crise política e econômica se intensificou no Brasil, no entanto, as dificuldades nas fronteiras europeias têm aumentado. O número de barrados saltou para 3.701 em 2016: uma alta de mais de 60% em dois anos.  Em 2017, o número voltou a cair, ficando em 3.143. Neste ano, a tendência de alta voltou a ser observada. 

A quantidade crescente de deportações também sinaliza o aumento de migrantes brasileiros sem a documentação adequada.  Nos primeiros seis meses de 2018, 1.037 brasileiros foram forçados a sair da União Europeia. Uma alta de 35% em relação ao mesmo período do ano anterior.  Em Portugal, uma das principais portas de entrada dos brasileiros para a Europa, a quantidade de pessoas impedidas de entrar no país também segue em alta.  Após atingir o mínimo histórico em 2013, quando apenas 299 pessoas foram barradas, os números não param de subir. Em 2017, 1.336 brasileiros foram recusados em Portugal. Números do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) divulgados pelo jornal “Expresso” indicam que, até 31 de agosto de 2018, 1.655 cidadãos do Brasil foram impedidos de entrar em território luso.
Isso representa um aumento de 23,8% em relação ao total do ano anterior, que já havia sido de alta.