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O Brasil ainda tem
muito a desaprender com Jair Bolsonaro. O presidente não se limita a
fazer tudo errado na crise do coronavírus. Ele se esmera no erro. Faz o
pior o melhor que pode. Depois de esvaziar a pasta da Saúde até
reduzi-la à função de calculadora de cadáveres, Bolsonaro decidiu
desmoralizar os cálculos. Quer "provar" que a única coisa que as
estatísticas oficiais provam é que as estatísticas não provam nada. Em
vez de tratar a doença, prefere retocar a radiografia.
[um esclarecimento imparcial:
Os números fornecidos pelo MS são enviados pelas secretarias estaduais de Saúde em horários não rígidos, o que ocasiona atrasos que podem causar erros e mesmo manipulação.
Estabelecendo 22h há tempo mais que suficiente para todos estados enviarem dados, o MS compilá-los e divulgar.
Atrasar duas ou três horas a divulgação em nada vai prejudicar o combate à covid-19.
Inaceitável que uma emissora de TV, ou qualquer outro órgão ou instituição, queiram pautar os horários de um órgão do Poder Executivo da União.
Clique aqui, para saber mais.]
Inaceitável que uma emissora de TV, ou qualquer outro órgão ou instituição, queiram pautar os horários de um órgão do Poder Executivo da União.
Clique aqui, para saber mais.]
A contabilidade da Saúde é feita sobre números enviados pelos estados. Sabe-se que há subnotificação, pois o índice de testagem é baixo. Mas o presidente passou a sustentar o contrário. Insinua em privado que governadores inflacionam dados para "politizar" o vírus, "arrancar dinheiro" da União e colocar cadáveres em 2022. O desconforto de Bolsonaro com os números da pandemia é grande. Aumenta na proporção direta do crescimento da pilha de mortos. O incômodo foi potencializado pelo Jornal Nacional, uma vitrine que leva corpos, caixões e covas à sala dos brasileiros todas as noites, a partir de 20h30.
Quando Henrique Mandetta era ministro da Saúde, o acerto de contas do vírus era divulgado às 17h —com direito a entrevista coletiva. Sob Nelson Teich, a coisa foi deslizando para as 20h. Entrevistas, só de raro em raro. Na gestão interina do general Eduardo Pazuello, o horário passou a ser 22h. Sem explicações. Na noite de quarta-feira, a pasta da Saúde atribuiu o atraso a questões técnicas. Na quinta, absteve-se de comentar. Nesta sexta, coube a Bolsonaro desvendar o mistério numa entrevista à CNN, na porta do Alvorada: "Acabou matéria do Jornal Nacional." Heimmm?!?!? "Ninguém tem que correr para atender a Globo."
William Bonner viu-se compelido a prometer: "Os espectadores da Globo podem ter certeza de uma coisa: serão informados sobre os números tão logo sejam anunciados, porque o jornalismo da Globo corre sempre para atender o seu público". O apresentador retornaria às 21h45 para anunciar: 1.005 mortes nas últimas 24 horas, totalizando 35.026 óbitos.
"Nós dissemos que você teria esses números assim que fossem anunciados. Estamos aqui cumprindo o que nós dissemos", disse Bonner. Horas depois, Renata Lo Prete esmiuçaria os dados e as manobras no Jornal da Globo. Quer dizer: obcecado em prejudicar o Jornal Nacional, Bolsonaro esticou e enobreceu o horário nobre da TV Globo. Prepara-se agora para magnificar sua própria mediocridade, torturando estatísticas para que elas informem o que lhe parecer conveniente.
Blog do Josias - Josias de Souza, jornalista - Uol