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domingo, 15 de setembro de 2019

Big brother? - Eliane Cantanhêde

 O Estado de S.Paulo

Controle de dados pode servir, além da defesa de aliados, para ataque de adversários?

O mais novo temor em Brasília é que a Lava Jato original possa ser trocada por uma Lava Jato particular, em que os dados não seriam mais compartilhados por uma força-tarefa de juízes, procuradores, auditores e delegados para o combate à corrupção, mas, sim, centralizados num único gabinete: o do presidente da República.

Quando se questiona essa investida simultânea na PF, no antigo Coaf e na Receita, suspeita-se que tudo isso é para a proteção de filhos, parentes, amigos e poderosos dos três Poderes. Que tal olhar para o outro lado da moeda? E se, em vez de ser exclusivamente de defesa, uma intervenção nas instituições de investigação servir também para o ataque? Em tese, já imaginaram o que pode representar a PF nas mãos de um filho do presidente, eventualmente escrivão de polícia; um secretário da Receita Federal disposto a mudar tudo e a centralizar os dados e investigações para dividi-las com o poder; um chefão do Coaf que admita compartilhar informações sobre movimentações financeiras com o Planalto? [por sorte, o questionamento proposto é em tese e certamente nenhum dos candidatos a se tornar dono de instituições, tem tal interesse.
Oportuno registrar: a PF é subordinada diretamente ao ministro da Justiça que está subordinado diretamente ao Presidente da República - que  até 2022, com as bençãos de DEUS e reeleição, é JAIR BOLSONARO.
A mesma posição de segundo escalão se aplica ao Coaf - atual UIT - e à Receita federal, mudando apenas o ministério.]

Significa que, sempre em tese, uma única pessoa, o presidente da República – atual ou futuro – teria a sua disposição um mapeamento detalhado da vida pessoal, da folha policial e dos dados fiscais e bancários de todos os seus desafetos de qualquer área. Além de defender o amigo X, ele poderia facilmente atacar o adversário Y. Mesmo antes de centralizar as escolhas do novo procurador-geral da República e o comando da PF, Receita e Coaf, [aqui um registro óbvio, mas, evita que passe despercebido a eventuais desavisados, a forma de escolha do chefe da PGR e a subordinação dos ministros de Estado vigora desde a CF 88 - da qual Bolsonaro sequer foi membro da Constituinte - e mesmo das anteriores.] o presidente Jair Bolsonaro já usou publicamente, e com seu próprio viés, informações conhecidas contra, por exemplo, Luciano Huck, João Dória, jornalistas. E se tiver acesso a dados de ministros de tribunais, deputados, senadores, governadores, funcionários, cidadãos e cidadãs? Além de divulgar, ficaria tentado a usar esse arsenal para amedrontar quem ousar confrontá-lo ou meramente questioná-lo?

É interessante a aproximação de Bolsonaro, seus filhos, seu chanceler e outros ministros com o autoproclamado guru da direita internacional, Steve Bannon, que foi estrategista da campanha presidencial de Donald Trump e depois demitido por ele da Casa Branca. Entre outras coisas, Bannon é especialista em coleta, análise e uso político de dados de cidadãos. Aliás, quem gosta de ficção vai ficar fascinado pelo documentário “The Great Hack” (“Nada é Privado: o escândalo da Cambridge Analytica”), que confirma o quanto a realidade anda superando a imaginação e as construções mais mirabolantes dos ficcionistas. O 007 é pré-histórico, quer dizer, pré-internet.

Em resumo, para não dar “spoiler”, ali é contada como foi construída a vitória de Trump, ou melhor, a derrota de Hillary Clinton nos EUA, e como o Reino Unido conseguiu cair na armadilha do Brexit. Primeiros ministros vêm e vão, sem recuos e sem avanços – sem saída. E como se chegou a isso? Com o uso dos dados e mentes das pessoas, identificando e focando nas menos convictas – logo, mais suscetíveis a propagandas maciças e às demoníacas fakenews. Por trás de tudo, a onda mundial da extrema direita. Detalhe: Bolsonaro aparece ligeiramente no filme.

Na era PT, ficamos roucos de denunciar o aparelhamento de órgãos e estatais em favor de um partido, um grupo político e, finalmente, um esquema sistêmico de corrupção. Neste primeiro ano de Bolsonaro, surgem dúvidas sobre o aparelhamento, se não é mais por um partido, mas por um projeto de poder com conexões internacionais e centralizado num presidente que, vira e mexe, dá uma cutucada na democracia. Com instituições e dados centralizados, sob o risco de uso na defesa de aliados e no ataque de adversários, ou de meros críticos, pode-se criar a mais destrutiva arma política: o medo. É só suposição, mas não é pura ficção.
 
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo
 
 

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Vem aí o Facebank - A internet é uma ilusão

Em uma tentativa para retomar o crescimento acelerado, o Facebook agora quer acesso a dados financeiros de seus usuários


Diante de uma crise de confiança que já afeta o seu número de usuários e, por extensão, suas fontes de receita, o Facebook decidiu contra­-atacar. A rede social fundada e comandada por Mark Zuckerberg está em negociação com bancos americanos para tentar obter acesso aos dados dos correntistas, tais como os registros de uso do cartão de crédito e o saldo nas contas. 

O objetivo da empresa é ampliar a oferta de serviços, provavelmente por meio de sua ferramenta de mensagens instantâneas, o Messenger, de modo a aumentar o engajamento dos usuários. Com a revelação da nova empreitada, as ações da companhia subiram 4,5% em um único pregão. “Nós nos associamos a bancos e empresas de cartão de crédito para oferecer serviços como chat para suporte de clientes ou gerenciamento de contas”, afirmou o Facebook em comunicado oficial.

Mas não será uma tarefa trivial convencer as instituições financeiras e, principalmente, os correntistas a compartilhar tais dados com o Facebook. A rede social teve a sua reputação manchada com a revelação, em abril, de que permitiu o acesso a informações de 87 milhões de usuários à Cambridge Analytica, uma empresa britânica de análise de dados. O episódio fez crescer entre autoridades regulatórias e congressistas de vários países a preocupação em proteger os dados dos usuários da plataforma e punir quem se descuidar desse direito fundamental. Sofrendo com a perda de confiança, o Facebook anunciou recentemente que vai ampliar os gastos para reforçar a segurança e a privacidade de seus mais de 2 bilhões de usuários no mundo. Além desse episódio, a companhia sofreu acusações de que foi e continua a ser instrumento de manipulação política por meio de perfis falsos que propagam fake news — e tem buscado reagir bloqueando e excluindo páginas suspeitas. As denúncias afetaram seu desempenho e as projeções para os próximos meses, com efeito devastador sobre o valor de mercado da companhia: as ações chegaram a cair 20% em um dia, o que gerou uma perda de 123 bilhões de dólares na bolsa.


Recuperar a confiança é crucial para o Facebook. Quanto mais informações as pessoas estiverem dispostas a ceder, mais valiosas serão as redes sociais para os investidores e para as empresas parceiras, alimentando um círculo virtuoso que amplia a sua relevância. Hoje, já é possível transferir dinheiro por meio do Messenger entre pessoas amigas no Facebook. Trata-se de um modelo disseminado na China, onde imperam os chamados superaplicativos, como o WeChat Pay, que permitem o pagamento de serviços diversos. É curioso que a empresa, acusada de fazer pouco-caso da privacidade de seus usuários, queira agora os dados bancários deles. Mas o Facebook confia na estratégia. “Uma parte essencial das parcerias é manter as informações das pessoas seguras e protegidas”, disse a companhia. Que assim seja, para o bem dos usuários.

Publicado em VEJA de 15 de agosto de 2018, edição nº 2595


Hugo Gloss, o “influenciador digital” mais cortejado pelas celebridades fala sobre truques usados por quem tenta parecer importante nas redes sociais


Bruno Rocha Fonseca, brasiliense de 32 anos, é um fenômeno na internet. Seus 12,2 milhões de seguidores no Instagram superam a marca de famosos como a pop star Madonna (11,5 milhões). Mais conhecido como Hugo Gloss (uma brincadeira com o nome do estilista alemão Hugo Boss), ele chamou atenção com tiradas engraçadas no Twitter, há cerca de dez anos. Acabou contratado como redator do programa Caldeirão do Huck, da Rede Globo, emprego no qual passou seis anos, enquanto se consolidava como o influenciador digital — pessoa que dita tendências de consumo e comportamento na web — mais badalado pelas celebridades. Hoje, Hugo Gloss produz um site com notas sobre famosos e tem mais de 20 milhões de fãs, somando-se todas as redes sociais, nas quais a atração principal, com frequência, é ele próprio, em viagens, festas e cenas de bastidores ao lado de nomes que vão de Ivete Sangalo a Katy Perry.

12,2 milhões de seguidores no Instagram superam a marca de famosos como a pop star Madonna (11,5 milhões). Mais conhecido como Hugo Gloss (uma brincadeira com o nome do estilista alemão Hugo Boss), ele chamou atenção com tiradas engraçadas no Twitter, há cerca de dez anos. Acabou contratado como redator do programa Caldeirão do Huck, da Rede Globo, emprego no qual passou seis anos, enquanto se consolidava como o influenciador digital — pessoa que dita tendências de consumo e comportamento na web — mais badalado pelas celebridades. Hoje, Hugo Gloss produz um site com notas sobre famosos e tem mais de 20 milhões de fãs, somando-se todas as redes sociais, nas quais a atração principal, com frequência, é ele próprio, em viagens, festas e cenas de bastidores ao lado de nomes que vão de Ivete Sangalo a Katy Perry.

Quanto custa um post no seu Instagram?  
A partir de 35 000 reais. Tem todo tipo de proposta: gente que quer se promover, sex shop, saco de lixo. Trabalho, no entanto, para que meu site seja mais forte que qualquer rede social. Quem depende do Instagram ou do Facebook está à mercê dos algoritmos, que fazem com que os posts apareçam para um número restrito de pessoas que seguem você. Seguidor não é sinônimo de dinheiro.

Nem milhões de seguidores? 
A internet não é a vida real, é uma edição da realidade, filtrada como cada um bem entende. Não é à toa que o Stories (recurso do Instagram no qual vídeos e fotos publicados desaparecem depois de 24 horas) tem esse nome, porque ali você é autor da própria narrativa, que pode tanto ser fiel como ficcional. Há agências que contratam posts para eu inserir no Stories e exigem aprovação prévia. Isso significa que, ao contrário do que parece, os vídeos não são necessariamente do momento. É preciso entender que existe um abismo entre conquistar muitos seguidores e conseguir viver apenas do seu trabalho nas redes. Desde 2008, quando comecei no Twitter, eu tinha números altos, mas só pude sair do emprego na Globo e me dedicar exclusivamente a ser Hugo Gloss oito anos depois. Vale ainda dizer que muita gente compra seguidores e curtidas das tais fazendas de perfis falsos.

Como isso funciona? Existem empresas cujo negócio é criar e administrar perfis falsos, para vender curtidas, fazer algo parecer muito maior, seja de um político, seja de um artista. Nunca comprei nem me envolvi, mas sei que são adquiridos aos milhares. Há cantores que inflam números de curtidas e visualizações no YouTube utilizando esse recurso. As pessoas acham que a música está estourada, ficam curiosas, e aquilo acaba eventualmente decolando de fato.

“Tem gente que viaja por dois dias ao exterior, tira fotos com roupas diferentes para que os seguidores achem que ficou mais tempo. Ou se hospeda por um dia no Hotel Fasano e faz o mesmo”

Que outros truques são usados nas redes? 
 É muito comum gente que viaja por dois dias ao exterior, tira fotos com roupas diferentes para montar um arquivo e os seguidores acham que a pessoa ficou muito mais tempo fora. Ou se hospeda por um dia no Hotel Fasano do Rio e faz a mesma coisa. Tem gente que se hospeda, chama um amigo e posa com sungas e biquínis variados para parecer habitué.

No seu site você não fala de outros influenciadores. Por quê? Porque prefiro falar dos famosos de verdade. O Brasil é gigante, e virar uma pessoa famosa requer passar pela televisão ou pelo rádio, que chegam a áreas do país onde ainda não há internet. Influenciador, então, não é celebridade. Por outro lado, a maioria dos atores e atrizes não sabe ser influenciadora, fica presa ao arquétipo do galã ou da mocinha, e isso não cola. 

MATÉRIA COMPLETA em VEJA de 15 de agosto de 2018, edição nº 2595