Conselheiro do Papa afirma que prática é atentado contra um inocente que não pode se defender
Coordenador
do "C9", grupo de cardeais que aconselha o Papa Francisco na reforma
da Cúria e no governo da Igreja Católica, Óscar Maradiaga, de 75 anos, defende
as ações do Pontífice no combate aos casos de abusos sexuais e critica a
divulgação de uma carta do arcebispo italiano Carla Maria Viganò, que, em
agosto, criticou o Pontífice por ter se silenciado sobre abusos sexuais.
Segundo Maradiaga, a atitude foi um "equívoco", já que Viganò tinha
uma função diplomática e não poderia revelar segredos. Para o cardeal, uma
reunião deverá ocorrer em fevereiro no Vaticano como esforço para prevenir
novos casos.
Em São
Paulo para participar do III Congresso Internacional da Doutrina Social da Igreja,
realizado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal) e pela
Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), Maradiaga falou sobre dogmas da
igreja. Posicionou-se contra o aborto, o que classificou como "pena de
morte", e contra a união de casais homossexuais: — Se Deus
tivesse querido o casamento entre pessoas do mesmo sexo, teria nos desenhado de
outra maneira. Todos sabem como é o corpo, e que homens e mulheres se
complementam também sexualmente.
O Papa
convocou uma reunião com os secretários-gerais das conferências episcopais de
todo o mundo para discutir a proteção a menores contra abusos sexuais. O que
motivou essa decisão?
Mais do
que sobre os abusos, o enfoque (da reunião) será na prevenção, porque
infelizmente os abusos já aconteceram. Agora há que se buscar que não se
repitam. Por isso, a ênfase na prevenção.
Foi uma
resposta às acusações de que a Igreja e o Papa não deram destaque aos casos de
abusos?
Claro. Dizer
que o Pontífice não dá a devida atenção a esse tema é um disparate. Nenhum
Pontífice deu a resposta que ele tem dado. Pensemos que praticamente tirou o
cardinalato de um cardeal (em junho, após acusações de assédio sexual, o
Vaticano pediu ao cardeal Theodore McCarrick, dos EUA, que não exercesse mais
publicamente seu ministério e, em julho, o Papa aceitou o pedido de renúncia do
cardeal). Houve ainda a resposta dada no Chile, com uma visita extraordinária e
reuniões que foram feitas. (Francisco enviou investigadores para reunir
informações sobre casos de abusos no Sul do país e, esta semana, demitiu um
padre acusado de abusos).
Como o
senhor vê a carta que o arcebispo Carla Maria Viganò publicou acusando o Papa
de ter silenciado abusos sexuais?
Na Igreja
há mais de cinco mil bispos. Acha que uma carta é que deve ser levada em conta?
Esse senhor se equivocou. Ele tinha uma tarefa específica. Ele era um diplomata
da Igreja. Qualquer pessoa que pertence a um corpo diplomático está chamado a
guardar alguns segredos. Se ele estivesse em qualquer outro país, já estaria
preso. É a lei. Sinto muito pesar, porque essa não era sua função. Talvez
estivesse amargurado. Mas se deve dar importância a um em mais de cinco mil
bispos?
Mas não
foi uma maneira de o Papa contestar e demonstrar preocupação sobre o tema?
Ele já
tinha demonstrado muito antes. Além disso, foi algo planejado, com tempo, quase
como uma bomba-relógio que queriam que explodisse no dia de encerramento da
Jornada Mundial das Famílias, na Irlanda. Acha que foi com boa intenção? Os
fatos falam por si. Não daria tanta importância.
Neste
mês, o conselho consultivo de cardeais, coordenado pelo senhor, entregou uma
proposta para uma nova Constituição Apostólica para a Cúria Romana. Do que se
trata?
Para a organização
da Cúria Vaticana existe uma Constituição. Assim como a Constituição dos
países, que é a lei geral. Ela rege todo o funcionamento da Cidade do Vaticano
e da Cúria Vaticana. Essas reformas já foram feitas em muitas ocasiões (a
última foi em 1989 e dura até hoje). Então, quando começou o pontificado, o
Papa Francisco estabeleceu essa comissão, coordenada por mim, para a reforma.
Já fizemos um processo enorme de consulta. Sendo otimistas, se as conferências
responderem a tempo, pensamos em promulgá-la em junho do ano que vem.
Quais são
os pontos principais dessa reforma?
Não é,
como muitos pensam, uma reforma da Igreja. É uma reforma da Constituição da
Igreja. Muitas reformas são conhecidas. Uma das mais conhecidas foi a mudança
nos processos de nulidade dos casamentos anulados. Foi muito agilizado. Antes,
era necessária uma segunda instância que normalmente se fazia em outro país,
que não o de origem. Em Honduras, quando tínhamos um caso, depois de resolvê-lo
em um tribunal, tínhamos que apresentar em uma segunda instância em El
Salvador, por exemplo. Imagine o problema dos processos que vão e vêm, e o
tamanho dos expedientes. Logicamente, os de El Salvador respondiam os casos
locais antes dos de outro país, o que fazia com que os processos fossem lentos.
O Santo Padre fez a reforma de retirar a necessidade dessa segunda instância em
outro país. A segunda instância agora é com cada bispo diocesano, o que acelera
bastante o processo.
Qual é a
importância de a Igreja se renovar, considerando que os fiéis também mudam?
Essas
reformas são mais de enfoque teológico. Mas muitas pessoas não levam em conta
que, desde o começo do pontificado, houve reformas enormes, que estão na
Exortação Evangélica. O Papa dispõe, por exemplo, que sejamos uma Igreja de
saída, quase como um hospital de campanha. Não ficarmos, eu como bispo,
esperando que as pessoas venham até mim. Saio ao encontro especialmente
daqueles que estão se afastando, seja porque não tiveram oportunidade de se
aproximar ou por algum ressentimento ou problema que tiveram. É uma Igreja
próxima, missionária. Todas são reformas que talvez as pessoas não tenham dado
muita importância, esperando quem sabe o quê.
Talvez
esperando que a Igreja trate também de temas polêmicos, presentes na sociedade,
como aborto ou casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Mas
desses temas já se falou até a saciedade. Mas se somos herdeiros de um Deus que
é o Deus da vida não podemos aceitar a morte. A morte natural é um processo,
mas a pena de morte não pode ser aceita, porque vai diretamente contra Deus. E,
se somos a Igreja do senhor Jesus Cristo, é uma Igreja que deve defender a
vida. E, por conseguinte, o aborto não pode ser aceito, porque é matar. A maioria
dos países hoje condena a pena de morte. Inclusive o Papa fez uma reforma muito
importante no catecismo, da qual não se falou muito, em que ele disse que não
se pode aceitar a pena de morte. É que na redação de 1985 do catecismo se dizia
que em casos excepcionais se poderia aceitar a pena de morte. Agora não. E, se
não se aceita a pena de morte, não pode se aceitar o aborto, que é a pena de
morte para um inocente, que não pode se defender.
E o
acolhimento a fiéis homossexuais? O Papa já fez chamados nesse sentido.
As
pessoas não podem ser rejeitadas. Mas há coisas que são naturais e outras que
não. Se Deus tivesse querido o casamento entre pessoas do mesmo sexo, teria nos
desenhado de outra maneira. Todos sabem como é o corpo, e que homens e mulheres
se complementam também sexualmente.