As pressões para que testemunhas
desmintam seus depoimentos incluem ameaças de morte sob a mira de
revólveres, envolvem promessas de incendiar moradias com a família
dormindo e compõem a face obscura do mundo das delações premiadas
A advogada Beatriz Catta Preta abre a porta de casa localizada na rua
Hungria, bairro Jardim Europa, São Paulo, e se depara com o doleiro
Lúcio Bolonha Funaro no sofá da sala brincando com seus dois filhos. Ela
estremece. Funaro saca uma arma, aponta para sua cabeça e desfia um
rosário de ameaças. Para não realizá-las, impõe a Catta Pretta uma
condição: que convença seu cliente, o empresário Julio Camargo,
ex-consultor da Toyo Setal, a não sustentar denúncias contra seu aliado,
o então presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha. Em negociação de
delação premiada, no início de 2015, Camargo havia se comprometido a
dizer aos investigadores da Lava Jato que Cunha recebeu US$ 5 milhões de
propinas na venda de navios-sondas da Samsung para a Petrobras em 2008.
Funaro, que já havia sido defendido por Catta Preta no episódio do
mensalão, tinha acesso à residência da advogada, mas àquela altura já
era uma espécie de capanga de Cunha. A ameaça surtiu efeito. Num
primeiro momento, sob a orientação de Catta Preta, Camargo livrou a cara
do deputado. Só em maio deste ano, Camargo decidiu revelar os subornos
recebidos por Cunha e forneceu os detalhes mais sórdidos do pagamento de
propina em contas na Suíça. Iniciava-se ali o processo de perda do
mandato de Cunha e da conseqüente prisão pela Lava Jato.
PRESSÃO DE CUNHA -
A advogada Beatriz Catta Preta, representante do delator Júlio Camargo,
da Toyo Setal, teve uma arma apontada para sua cabeça na frente dos
filhos; MEDO DO PT -
O ex-sócio da OAS, Léo Pinheiro, pediu para permanecer preso temendo ser
assassinado
Tensão permanente
As criminosas ameaças de Funaro a Catta Preta, até então uma jurista
responsável por defender dezenas de delatores da Lava Jato, levaram a
advogada a abandonar os clientes e a praticamente encerrar a profissão.
Mas desnudou uma faceta obscura do mundo das delações premiadas. De
2014, quando a operação Lava Jato foi deflagrada, até hoje, delatores
sofrem ameaças de terem suas vidas e a de seus parentes ceifadas.
Aterrorizados, alguns se viram obrigados a mentir em depoimentos à
Justiça. Depois, mudaram suas versões. O clima permanece pesado entre os
dispostos colaborar com os procuradores.
Há duas semanas, o empresário
Léo Pinheiro, ex-sócio da OAS, foi responsável por um gesto insólito.
Pinheiro chegou a pedir para continuar preso temendo que, em liberdade,
corresse risco de morte. A solicitação foi feita por seus advogados ao
juiz Sergio Moro “tendo em vista o teor bombástico de sua nova delação”.
Os defensores de Pinheiro alimentam outro receio: o de que o
empreiteiro seja transferido para o Complexo Médico Penal de Pinhais.
Entendem que ele não teria garantia de vida no local, mais vulnerável do
que a Superintendência da PF no Paraná. “Seria recomendável a sua
manutenção na carceragem da Superintendência Regional da Polícia Federal
do Paraná, inclusive para acautelar eventual risco à sua integridade
física”, disseram. Um delator clamar para permanecer detido é algo
inédito na Lava Jato, mas Pinheiro teme terminar como Celso Daniel, o
ex-prefeito de Santo André assassinado com 13 tiros em janeiro de 2002. O
crime teve motivações políticas.
Assim como Daniel estava disposto a
denunciar um sombrio esquema de desvios de recursos para financiamento
de campanhas eleitorais, o que poderia ferir o PT de morte antes mesmo
de o partido ascender ao Planalto, Pinheiro pretende apresentar à Lava
Jato seu arsenal bélico com potencial para enterrar de vez o
lulopetismo, quase 15 anos depois. A nova delação pode ser determinante
para a condenação do ex-presidente Lula, hoje réu nos casos do tríplex
no Guarujá e do armazenamento de seu acervo num balcão em São Paulo,
custeado pela OAS.
O lobista Fernando Moura, que delatou o ex-ministro José Dirceu na Lava
Jato, também não quis pagar para ver até onde PT era capaz de chegar.
Num primeiro depoimento a Sérgio Moro, contrariou o que dissera na
delação premiada aos procuradores. Moura afirmou que Dirceu nunca
recomendou que ele deixasse o Brasil e desistisse de revelar as
transferências de R$ 11,8 milhões em propinas para o ex-ministro. Depois
voltou atrás. “Eu errei. Errei feio”. E se explicou: deu uma guinada de
180° graus no depoimento por se sentir ameaçado quando passeava por uma
rua de Vinhedo, interior de São Paulo, cidade onde Dirceu mantinha
residência, e foi abordado “por um homem branco, de 1,85m de altura,
aparentando ter uns 40 anos”, que perguntou como estavam seus netos. “Eu
interpretei que houve uma ameaça velada de alguém envolvido neste
processo”, disse Moura. O delator ainda relatou aos procuradores da Lava
Jato que quando estava na cadeia, apenas uma pessoa o procurou para
falar sobre as implicações de seu depoimento. Tratava-se de Roberto
Marques, ex-assessor de Dirceu, que lhe pediu, quando dividiram cela em
Curitiba, para que ele não citasse o nome do ex-secretário-geral do PT,
Silvio Pereira, no esquema do Petrolão. Pereira, que havia sobrevivido
incólume ao mensalão, mesmo depois de ser denunciado por Roberto
Jefferson, acabou virando réu na Lava Jato este mês.
O expediente de atemorizar familiares de delatores tem se mostrado
bastante usual durante as investigações da Lava Jato. O mesmo Funaro que
foi o principal responsável pela aposentadoria forçada e precoce de
Catta Preta, ao colocar uma arma em sua cabeça na frente dos filhos,
ameaçou os rebentos de outro delator: Fábio Cleto, vice-presidente da
Caixa Econômica Federal (CEF) e apadrinhado de Eduardo Cunha. Funaro
costumava ser agressivo durante cobranças de propinas. Em delação
premiada, Cleto disse ao Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot,
que ele quis pôr fogo em sua casa, no momento em que seus filhos
estivessem lá. “Em razão dessas cobranças agressivas, o declarante
(Fábio Cleto) e Lúcio Bolonha Funaro acabaram brigando. Que o fator
culminante para a separação foi quando Funaro ameaçou colocar fogo na
casa do depoente com os filhos dentro”.
Delator saiu do Brasil
Pioneiro nas denúncias que resultaram nas investigações da Lava Jato,
o empresário Hermes Freitas Magnus, dono da Dunel Indústria e Comércio
Ltda, ainda se sente inseguro. Magnus, que implicou José Janene (PP-PR),
morto em 2010, e o doleiro Alberto Youssef, ainda em 2008, teve de
deixar o Brasil para desfrutar de uma vida livre de sobressaltos. Teme
ser morto. “Sobretudo agora que o doleiro Youssef está em liberdade”,
contou à ISTOÉ, pedindo para que não fosse revelado o País onde vive
atualmente.
Por: Germano Oliveira - Revista IstoÉ