Folha de S. Paulo - O Globo
O bolsonarês humilha aqueles que votaram no capitão em nome dos bons costumes
Quando Sergio Moro pôs na roda a questão do vídeo da reunião do Conselho de Governo de 22 de abril, sabia que havia ali uma bala de prata capaz de provar que Jair Bolsonaro queria trocar o diretor da Polícia Federal para blindar os interesses políticos de sua família. Ele sabia também que a bala continha outro material. Ao chegar ao Planalto, com pompa monarquista, o capitão chamou de Conselho de Governo aquilo que se conhecia como reunião do Ministério. Reunindo-o, ele presidiu uma conversa de botequim, e Moro mostraria isso.
[os que votaram no capitão em nome dos bons costumes não se sentem humilhados.
Alguns dos motivos:
- ainda não deixaram o presidente Bolsonaro governar;
- o número de f. d. p existente, continua tentando manter a MORAL e os BONS COSTUMES longe do Brasil;
- um país que cultua a ideologia de gênero torna mais difícil o combate às IMORALIDADES e BONS COSTUMES;
- um país em que o seu presidente é execrado por ter postado um vídeo repudiando a prática do 'golden shower' em via pública, decididamente está longe de ser tornar um modelo em BONS COSTUMES.]
A divulgação desse vídeo será também um espetáculo de falta de
compostura e de asneiras. Outro dia a secretária de Cultura, Regina
Duarte, disse que parou de ler os livros de Olavo de Carvalho porque ele
usa muitos palavrões. No governo que ela louva, o vocabulário do doutor
Olavo é o de um sacristão. Alguns presidentes respeitavam seus interlocutores. Michel Temer,
Fernando Henrique Cardoso e José Sarney falam como frades. Não se pode
dizer o mesmo de Dilma Rousseff e Lula, mas nenhum deles disse palavrão
em reunião ministerial. Conhecem-se os áudios das reuniões do Conselho
de Segurança Nacional que decidiram baixar o Ato Institucional nº 5
(Costa e Silva) e o Pacote de Abril (Ernesto Geisel). Neles não há
palavrões.
O primitivismo de Bolsonaro vai além do uso de expressões chulas,
transborda para a própria maneira como preside uma reunião de ministros e
como lida com sua equipe de renomados “técnicos”. Em certa ocasião ele
manifestou tamanha curiosidade por detalhes de caso
s de violência que um
dos titulares achou melhor mudar de assunto. O clima de feijoada
permite que o chanceler Ernesto Araújo exponha (em bom português) suas
teorias lunáticas em relação à China ou que alguém resolva qualificar a
genealogia de ministros do Supremo Tribunal Federal. É a bagunça
bolsonariana. Nela o presidente libera o funcionamento de academias de
ginástica e salões de beleza sem ouvir seu ministro da Saúde. Afinal,
ambos sabem com quem lidam.
O vídeo da reunião de 22 de abril é um exemplo da capacidade de
autocombustão do governo. Já com Moro fora do governo, Bolsonaro disse
que divulgaria seu conteúdo: “Mandei legendar e vou divulgar”. Falou o
que lhe veio à cabeça, mas dias depois a Advocacia-Geral da União pediu
ao ministro Celso de Mello que reconsiderasse a decisão de pedir a
gravação porque na reunião foram tratados “assuntos potencialmente
sensíveis e reservados de Estado”. Parolagem, pois podia ter pedido para
embargar esses trechos. Essa é a prática de governos sérios, mas quem
embarga trechos assina embaixo e se responsabiliza pelo ato.
Diante da blindagem absurda, a AGU recuou e disse que se contentava em
entregar uma versão com trechos embargados. Não deu certo. Sergio Moro e
seus advogados não aceitaram o atalho, argumentando que não compete ao
governo selecionar provas. Caberá ao ministro Celso de Mello decidir se
torna público todo o vídeo ou partes dele. Se Moro quisesse apenas provar que Bolsonaro pressionou-o para trocar o
diretor da Polícia Federal, o embargo seria neutro e justificável. Ele
também queria mostrar como funciona a muvuca em que se meteu.